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Empresas de commodities são suspeitas de envolvimento em esquemas na Petrobrás

Informe de duas entidades confirma dados já publicados pela PF e pela Operação Lava Jato citando Glencore, Trafigura e Vitol

9 nov 2018 - 20h17
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GENEBRA - As três maiores traders de petróleo e de commodities do mundo são suspeitas de terem usado operadores para pagar propinas no escândalo de corrupção da Petrobrás. Num informe foi produzido pelas entidades Global Witness e a Public Eye, as multinacionais Glencore, Vitol e Trafigura são acusadas de manter negócios suspeitos com operadores que, em troca de contratos com a estatal brasileira, exigiram pagamentos milionários de propinas.

A partir de 2016, reportagens do Estado revelaram, com documentos, como as três empresas foram explicitamente citadas na Operação Lava Jato. O jornal chegou a ir até mesmo à casa de um dos representantes da empresa, em Genebra. A reportagem também revelou na época como as empresas estavam no foco dos procuradores, inclusive na Suíça.

Agora, o novo informe indica como a Operação Lava Jato me movimenta para fechar o cerco contra essas práticas. A Glencore e a Vitol, por exemplo, pagaram "milhões de dólares a intermediários que agora enfrentam acusações de corrupção separadamente". Enquanto a Vitol fechou negócios avaliados em US$ 12,2 bilhões no Brasil, a Trafigura soma US$ 8,9 bilhões.

De acordo com as entidades, a Polícia Federal lançou investigações em agosto de 2016 contra a Trafigura e Glencore no que se refere às atividades das empresas entre 2004 e 2012. Aos autores do informe, o procurador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, indicou que essas são "linhas de investigação que ainda estão se desenvolvendo".

O informe cita o ex-diretor da Petrobrás, Nestor Cerveró, admitindo como empresas como Glencore e Trafigura estavam entre as maiores traders da estatal e que rendiam "milhões de dólares em propinas ao final do mês".

De acordo com os documentos das entidades, a Trafigura esteve envolvida em negociações com um dos intermediário envolvido na Lava Jato, Jorge Luz. "Os documentos judiciais mostram Jorge Luz discutindo um contrato de petróleo entre a Petrobras e a Trafigura no valor de 2 bilhões de dólares", indicam as entidades.

No Brasil, Luz já foi condenado a mais de 13 anos de prisão por corrupção em um caso separado. De acordo com as entidades, a Trafigura admitiu ter tido contato com Luz. Mas garantiu que não fechou o contrato com ele e que a proposta não prosperou.

O que Jorge Luz propunha era um acordo de US$ 2 bilhões, o que garantiria propinas de US$ 20 milhões a ele e seu filho, Bruno. A proposta ainda sugeria como o dinheiro deveria ser distribuído, inclusive para membros do PP. O partido, segundo os planos, ficaria com US$ 10 milhões.

O fracasso em fazer aprovar a ideia teria vindo, segundo Jorge Luz, do próprio Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal. Procurada, a Petrobras indicou que sabia que a "Trafigura estava sendo investigava pela Polícia Federal, em um inquérito criminal que está sendo conduzido em sigilo".

A mesma empresa acabou vendo um de seus executivos, Mariano Ferraz, preso e condenado pelo pagamento de propinas a ex-diretores da Petrobrás. A empresa insistiu que sua operação não tinha relação com a Trafigura. Mas o caso relevou o comportamento de um dos principais traders da companhia.

Vitol

Já os agentes da Vitol no Brasil foram chave numa rede de propinas, com a ajuda de pessoas dentro da Petrobrás. Um dos agentes seria o empresário sueco Bo Ljungberg, cuja casa foi alvo de uma busca ainda em 2017. A empresa confirmou que pagou o empresário por serviços de consultoria para identificar oportunidades de negócios no Brasil.

Uma chave USB encontrada em sua casa ainda guardava os emails usados por oito pessoas e que passou a ser chamada de "Brasil Trade" pela PF. Seus integrantes foram denunciados em agosto de 2018 por corrupção. Mas o operador passou a viver na Suécia. No total, o grupo fechou contratos de US$ 180 milhões com a Petrobras entre 2010 e 2014.

Jorge Luz também operou com a empresa e era ajudado por Candido Vaccarezza e pelo ex - diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Seu filho, Bruno Luz, obteve a formula secreta dos preços que a estatal pagava pelo asfalto. Com isso em mãos, a empresa Sargeant Marine passou a oferecer contratos justamente no valor desejado pela estatal. Num email de maio de 2010, Ljungberg congratula Bruno Luz pelo feito.

Quando os contratos foram assinados, os intermediários receberam milhões em contas na Suíça e teriam distribuído inclusive para Vaccarezza e Costa. Parte do dinheiro ainda foi para Ljungberg. De acordo com o informe, Vaccarezza teria a ambição de ficar com R$ 100 milhões.

Glencore

No caso da Glencore, um operador também foi contratado e a empresa confirmou a existência da ligação. O pagamento foi de US$ 2,1 milhões em propinas. Mas a multinacional insiste que os pagamentos foram legítimos. Os dados se contrastam com uma lista preparada por diretores da Petrobras, revelando um comportamento diferente.

O operador em questão era Luiz Eduardo Andrade, um ex-trader e que era o representante da Sargeant Marine e também membro do grupo Brasil Trade. Ele já foi indiciado por corrupção.

Num email também de maio de 2010, ela comenta com os demais operadores a obtenção da formula para os preços de asfalto da Petrobrás. "Isso é um presente dos Deuses".

Os documentos revelam que Luz fez pagamentos para Andrade em contas na Suíça e nos EUA e que parte do dinheiro foi entregue para um ex-diretor da Petrobras que os ajudou. Mas a suspeita é de que Andrade também autor para a Glencore.

Outro elo da Glencore no Brasil era a dupla Konstantinos e Georgios Kotronakis, pai e filho. Uma vez mais, o esquema passava por Paulo Roberto Costa na Petrobras. Os documentos obtidos pela Justiça brasileira mostram como, em troca de propinas, o ex-diretor passou informaçõess para a dupla. Com os dados em mãos, a dupla passaria a informação para cinco empresas gregas donas de navios. Já a propina era o equivalente a 3% dos contratos.

O informe ainda revela que parte da corrupção alimentava o PP. Ao longo de cinco anos, os contratos chegaram a US$ 900 milhões. Apenas a empresa Tsakos fechou serviços no valor de US$ 786 milhões entre 2009 e 2013 com a Petrobras. No exterior, a mesma empresa distribuiria US$ 2,4 milhões para Kotronakis e um genro de Costa.

As mesmas empresas garantiram pagamentos de US$ 1 milhão para Costa em contas na Suíça e Luxemburgo.

Diante desses informações, a Global Witness pede agora com o Reino Unido, EUA e Suíça lancem investigações sobre as três empresas.

"Esta não é a primeira vez que descobrimos que as traders de commodities estão envolvidas com intermediários obscuros. Sendo grandes empresas das quais a maior parte do mundo nunca ouviu falar, elas operam longe do escrutínio público e usam empresas secretas para manter seu anonimato. Isso precisa mudar ", disse Ed Davey, investigador da Global Witness.

"A corrupção destruiu a confiança na democracia para muitos brasileiros e no resto do mundo. Se essas empresas desempenharam algum papel nisso, seus investidores, funcionários e as autoridades precisam saber." insistiu.

Influência

Juntas, as três empresas têm uma receita combinada de mais de US$ 500 bilhões e, segundo as entidades, elas "exercem enorme poder sobre o comércio global de matérias-primas".

Não é apenas no Brasil que essas empresas enfrentam problemas. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos já intimou a Glencore por conta de seus trabalhos no Congo, na Nigéria e na Venezuela.

"O Reino Unido, os EUA e a Suíça entram em cena neste escândalo como locais importantes para as empresas envolvidas e sede das contas bancárias dos intermediários", disse Mariana Abreu, da Global Witness. "As autoridades desses países devem investigar para descobrir se as traders de commodities usaram propina para garantir contratos de petróleo no Brasil", disse.

Estadão
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