Empresa pode vigiar sua câmera e o que você faz no computador? Especialistas analisam caso do Itaú
Cerca de mil funcionários foram desligados, aponta Sindicato dos Bancários
Banco Itaú realiza demissão em massa de cerca de mil funcionários devido a monitoramento de condutas no trabalho remoto, gerando debate sobre limites de fiscalização e privacidade nas relações de trabalho.
Depois de o Banco Itaú realizar demissão em massa por "revisão criteriosa" de condutas relacionadas ao trabalho remoto, o mundo corporativo brasileiro voltou a debater como devem ser as regras para empregados e empregadores no modelo home office.
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De acordo com o Sindicato dos Bancários de São Paulo, as demissões atingiram cerca de mil pessoas, que estariam sendo monitoradas há mais de seis meses.
“O banco afirma que os desligamentos se baseiam em registros de inatividade nas máquinas corporativas, em alguns casos, períodos de quatro horas ou mais de suposta ociosidade. No entanto, consideramos esse critério extremamente questionável, já que não leva em conta a complexidade do trabalho bancário remoto, possíveis falhas técnicas, contextos de saúde, sobrecarga ou mesmo a própria organização do trabalho pelas equipes”, disse Maikon Azzi, diretor do Sindicato e bancário do Itaú.
Em nota, o Itaú Unibanco confirmou os desligamentos e afirmou que são "decorrentes de uma revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada".
"Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco. Essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade", finalizou.
Ao Terra, o advogado trabalhista André Catta-Preta, do escritório Catta-Preta Dias de Aguiar Sociedade de Advocacia, explica que "se o trabalhador está em horário de expediente, ele precisa se apresentar adequadamente para uma reunião, por exemplo, se não isso pode gerar penalidades".
Ele alerta que "o poder de fiscalização da empresa se limita ao horário de trabalho e às circunstâncias relacionadas à atividade. Fora desse contexto, não pode haver controle", continua Catta-Preta, que cita a possibilidade de monitoramento de equipamentos profissionais, como as câmeras de notebook e o histórico de navegação.
"É necessário, no entanto, que o empregado tenha ciência de que está sendo monitorado. A ausência dessa informação caracteriza invasão de privacidade", completa o advogado. Segundo ele, no caso de funcionários que recebem equipamentos corporativos, é comum a assinatura de termos de uso, que, geralmente, incluem previsões sobre essas questões.
Giovanni Cesar Marquez Mileo, professor de direito do trabalho na Universidade Zumbi dos Palmares, explica que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), da década de 1940, "não previa o home office porque isso era inviável". "Era aquele funcionário do chão de fábrica, que você tinha o controle total. E o home office, por ele estar na casa dele, por ele estar fora do ambiente da empresa, a gente precisa ter uma confiança maior"
"Como você confia naquele funcionário? Você cobra a meta, você pode acompanhar ali de alguma forma o [cumprimento do] contrato dele, mas o contrato de home office é menos vigiado, com uma flexibilidade a mais", diz Mileo. Ele defende contratos home office com maior "sensibilidade para mães levarem os filhos na escola ou para funcionários poderem atender uma campainha". "Nem em um banco você fica oito horas na frente do computador", pondera.
Para o professor, a postura contrária à flexibilidade tem explicação histórica.
"A gente vem de uma raiz escravocata, onde eu era dono do meu funcionário. E enquanto está prestando serviço para mim, ele precisa estar 100% voltado a mim. Ele precisa me dar lucro 100% do tempo. Se ele sai cinco minutos dessa jornada de trabalho, seja para fazer qualquer função, eu me sinto roubado", afirma Mileo
Segundo o professor, o sindicato que representa a categoria tem argumentos sólidos para reclamar das demissões. "O Itaú divulgou que teve o maior lucro da história dos bancos. Então, como você pode falar que aquele funcionário não está produzindo? Quem está dando lucro são os trabalhadores", finaliza o professor.
No caso das demissões realizadas pelo Itaú esta semana, o sindicato diz que o banco não realizou nenhuma tentativa de diálogo com os funcionários nem mesmo ofereceu feedback nesses seis meses de monitoramento de atividade. Por isso, comunicação entre funcionário e empresa é fundamental, em especial durante o home office, defende Diego Rondon, CEO da e-volve.one [consultoria especializada em estratégia de crescimento com foco em recursos humanos] e headhunter especializado em recrutamento estratégico.
"O processo de onboarding (integração para novos funcionários), o processo de receber a pessoa, ensinar como é que é trabalhar ali, também deve reforçar aspectos da cultura da empresa", afirma.
Ele cita o exemplo do politrabalho — tendência de acumular mais de um trabalho — como um ponto que costuma gerar atrito entre funcionários em home office e empresas. "Quando a empresa aceita (que o funcionário tenha mais de um emprego) ou quando a empresa tem possibilidade ou interesse em aceitar, tem que deixar aberto o espaço de comunicação", diz Diego.