Edição genética se consolida como a próxima revolução do agronegócio
Com potencial para revolucionar o campo, técnica deve aumentar produtividade, reduzir custos e abrir espaço para um salto tecnológico na agricultura brasileira
Maior produtor mundial de soja, laranja e cana-de-açúcar, o Brasil se prepara para dar um novo salto na oferta de alimentos. Esse avanço não se dará pela derrubada de florestas ou pela transformação de pastagens em áreas plantadas, mas pelo aumento da produtividade das lavouras. O caminho está dentro da semente de cada cultivo, por meio da edição genética, considerada pelos pesquisadores como o principal vetor de inovação no campo.
No Brasil, algumas pesquisas já estão em fase avançada. A Embrapa testa em campo duas variedades de soja editada, uma tolerante à seca e outra com menor teor de lectina, enquanto o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) cultiva mudas de laranja menos suscetível ao greening (doença mais grave dos citros) em áreas regulamentadas pela CTNBio. Em outras frentes, ainda em estágio de pesquisa, a Embrapa Agroenergia desenvolve cana com maior teor de sacarose; a Embrapa Gado de Leite trabalha na introdução do gene de pelagem curta em bovinos para ampliar a tolerância térmica; e a Embrapa Pesca e Aquicultura estuda o tambaqui, para reduzir espinhas, e a tilápia, para aumentar a produção de carne.
A técnica de edição genética permite "cortar, desligar e inserir" genes para criar variedades mais resistentes ou com características valorizadas pelo mercado. "A edição genética é a nova fronteira da inovação em biotecnologia. É para onde o mundo está correndo", afirma Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja.
Transgênicos
Embora esteja sob o mesmo guarda-chuva da biotecnologia, a edição genética é diferente da técnica usada para se obter transgênicos. Na edição genética, manipula-se apenas o DNA da própria espécie, sem introduzir material externo. No caso da soja transgênica, foi inserido o DNA de uma bactéria para dar resistência ao herbicida.
Entre os métodos disponíveis, o mais avançado e revolucionário é o CRISPR (acrônimo do inglês: Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) /Cas9, desenvolvido pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, laureadas com o Nobel de Química em 2020.
Nepomuceno compara a técnica a um "drone com GPS": um RNA guia localiza a sequência de DNA que se deseja modificar e conduz a proteína Cas9, a "tesoura molecular", até o ponto exato do corte. Após a incisão, duas situações são possíveis. Em uma delas, a célula repara o DNA de forma incorreta, desativando o gene. Na outra, é inserido um pequeno trecho de DNA da própria espécie no local da edição. Em ambos os casos, surge uma nova característica no organismo, o que amplia de forma significativa as possibilidades de aplicação da biotecnologia.
Precisão, rapidez e custo
O uso da técnica CRISPR/Cas9 tornou a edição genética mais acessível e eficiente. Enquanto o melhoramento clássico pode levar de 10 a 15 anos para desenvolver uma variedade, a edição genética reduz esse prazo para cerca de três anos. "O potencial da técnica da edição genética é absurdo", diz Nepomuceno.
A entrada dos transgênicos, em 1996, foi marcada por legislação considerada burocrática, que elevou os investimentos acima de US$ 100 milhões por produto. Com a edição genética, o cenário muda: por não incluir material de outra espécie, a maioria dos países - entre eles Brasil, Estados Unidos, Canadá e Argentina - não classifica os organismos resultantes como transgênicos. Isso simplifica a regulação e corta custos em até 70%, acelerando a chegada de novas variedades ao mercado.
Esse contexto abre espaço para a participação de instituições públicas, universidades e startups, que antes não tinham condições de competir em biotecnologia. Para o agrônomo Marcos Antônio Machado, ex-pesquisador do IAC, a técnica tem alcance ampliado. "A edição genética é uma técnica democrática. O grande desafio é saber qual gene editar, qual é o alvo."
Nepomuceno ressalta o impacto da legislação mais assertiva. "A grande potência dessa tecnologia é uma legislação que garante biossegurança e não cria tantas barreiras, como no caso dos transgênicos, com o qual só as grandes companhias conseguem colocar produtos no mercado."
Com regras claras e investimento em pesquisa, o Brasil abre caminhos para transformar a edição genética em um novo motor de produtividade e reforçar a sua liderança no agronegócio.