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Defensoria da União entra com ação contra Magalu por 'marketing de lacração' com trainee para negros

Autor da petição, o defensor Jovino Bento Júnior diz que a medida não é necessária e viola direitos de milhões de trabalhadores; processo cobra da varejista R$ 10 milhões de indenização por danos morais coletivos

6 out 2020 - 09h18
(atualizado às 14h20)
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BRASÍLIA - A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma ação civil pública na Justiça do Trabalho contra o que chamou de "marketing de lacração" do Magazine Luiza por abrir um programa de trainees exclusivo para negros.

Para o autor da petição, o defensor Jovino Bento Júnior, embora a inclusão social de negros e qualquer outro grupo seja desejável, o programa em questão "não é medida necessária - pois existem outras e estão disponíveis para se atingir o mesmo objetivo -, e nem possui proporcionalidade estrita - já que haveria imensa desproporção entre o bônus esperado e o ônus da medida, a ser arcado por milhões de trabalhadores".

"O anúncio para o programa de trainee exclusivo para candidatos autodeclarados negros é certamente uma estratégia de marketing empresarial", diz a ação. "Trata-se de fenômeno amplamente difundido hodiernamente, sendo que os profissionais que trabalham com publicidade, propaganda e marketing já possuem até mesmo um nome técnico para ele: Marketing de Lacração."

O processo está cobrando da rede varejista R$ 10 milhões de indenização por danos morais coletivos pela "violação de direitos de milhões de trabalhadores (discriminação por motivos de raça ou cor, inviabilizando o acesso ao mercado de trabalho)".

Ainda segundo o defensor, o "formato do programa se revela ilegal, sendo a presente, pois, para buscar a sua conformação com a legislação, compatibilizando-o com os direitos dos trabalhadores de acesso ao mercado de trabalho e de não serem discriminados [...] isso não pode ocorrer às custas do atropelo dos direitos sociais dos demais trabalhadores, que também dependem da venda de sua força de trabalho para manter a si mesmos e às respectivas famílias".

Procurado, o Magazine Luiza informou que não vai comentar a ação da Defensoria Pública da União.

Em nota divulgada nesta terça-feira, 6, a Defensoria Pública da União informou que a atuação dos defensores públicos federais se baseia no princípio da independência funcional e que "é comum que membros da instituição atuem em um mesmo processo judicial em polos diversos e contrapostos".

No entanto, a Defensoria defendeu que a política de cotas seja incentivada de modo a reduzir vulnerabilidades e disse apoiar medidas dos setores público e privado nesse sentido.

"A política de cotas constitui-se em forte instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", diz a nota, assinada pelo defensor público-geral federal em exercício, Jair Soares Júnior.

O Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU também emitiu nota técnica, em que afirma que a ação civil movida por Jovino Bento Júnior "não reflete a missão e posição institucional da Defensoria Pública da União quanto a defesa dos direitos dos necessitados"'. "Mais que isso, contraria os direitos do grupo vulnerável cuja DPU tem o dever irrenunciável de defender", aponta a nota assinada por 11 defensores.

O Estado, através da Defensoria, garante assistência jurídica integral e gratuita àqueles que não podem custeá-la. A Defensoria Pública ajudou, por exemplo, os brasileiros que tinham direito a receber o auxílio emergencial, mas não conseguiram. Assim como o Ministério Público, a Defensoria é independente e os defensores são advogados aprovados em concurso público.

Ministério Público rejeitou denúncias

O Ministério Público do Trabalho em São Paulo já havia indeferido, há cerda de duas semanas, uma série de denúncias recebidas contra o Magazine Luiza por suposta discriminação no seu programa de trainees. Para o MPT, não houve violação trabalhista na decisão da empresa, mas sim uma ação afirmativa de reparação histórica. Dias após o anúncio da empresa, foram recebidas 11 denúncias em que a varejista era acusada de promover "prática de racismo", uma vez que, nas palavras de um dos denunciantes, "impede que pessoas que não tenham o tom de pele desejado pela empresa" participem do processo seletivo.

Na segunda-feira, 5, a empresária Luiza Trajano, dona da rede Magazine Luiza, declarou em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, que descobriu em sua empresa poucos executivos negros em altos cargos e, por isso, optou pelo programa de trainee exclusivo a pessoas negras: "O racismo estrutural está inconsciente nas pessoas". "Temos que entender mais o que é racismo estrutural. O dia que entendi até chorei, porque sempre achei que não era racista até entender o racismo estrutural", declarou ela.

A empresária afirmou que, mesmo cobrando maior seleção de pessoas negras em seus processos, recebia pouco retorno quando buscava pessoas para altos cargos. "Como podemos colocar mais negros se eles não aparecem? O ponto de partida já é desigual", disse, observando o impacto da desigualdade racial desde a educação básica.

Segundo Luiza, não se trata de "oba oba" e que a ideia passou por um comitê antes de ser divulgada. O intuito do programa é oferecer 20 vagas para pessoas de todo o País, com orientações para que o RH receba currículos sem a obrigatoriedade de saber falar inglês, por exemplo.

O processo também é aberto a funcionários negros que já atuam na empresa. "Tem muitos entrando e ajudando a fazer o programa", disse ela. Com o trainee, ela declarou que diversas pessoas serão capacitadas para cargos de gerência.

Estadão
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