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Com IGP-M nas alturas, Câmara avança para definir IPCA como teto para reajuste de aluguéis 

Texto já ganhou prioridade na fila de votação da Casa; requerimento de urgência foi aprovado na semana passada

13 abr 2021 - 23h01
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BRASÍLIA - A Câmara deve votar nos próximos dias uma nova regulamentação para o reajuste de aluguéis no País. O projeto do deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP) determina o IPCA, o índice oficial de inflação, como o teto para os reajustes anuais de contratos residenciais e comerciais - hoje, a maior parte é corrigida pelo IGP-M. O texto já ganhou prioridade na fila de votação da Casa. Um requerimento de urgência foi aprovado na semana passada. Apesar disso, o tema é polêmico e encontra resistência em parte do mercado, que defende a livre negociação entre as partes.

O texto prevê que o índice de reajuste nos contratos de locação residencial e comercial não poderá ser superior ao índice oficial de inflação. "É permitida a cobrança de valor acima do índice convencionado, desde que com anuência do locatário", diz ainda a medida. "É uma forma justa de reajuste de contratos, pelo real custo de vida, porém deixamos a porta aberta para a livre negociação", justifica o deputado no projeto.

Atualmente, a Lei do Inquilinato de 1991 não define qual índice deve reger os contratos, ou seja, o proprietário e o locatário podem chegar a um acordo entre eles sobre qual indicador irá definir quanto o aluguel será reajustado a cada ano.

A tradição no mercado há décadas, porém, é o uso do IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com isso, no começo deste ano, muitos locatários tomaram um susto ao receber um boleto com um reajuste 23,14%. Ainda mais após um ano em que 9,8 milhões de brasileiros tiveram salários reduzidos ou contrato suspenso, em razão do programa criado pelo governo na pandemia, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm).

Segundo economistas, o descolamento dos índices aconteceu porque o IGP-M é fortemente atrelado ao câmbio e foi impactado pela crise global da pandemia. A valorização de 2020 foi a maior desde 2002 (25,31%).

O presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (Aabic), José Roberto Graiche Júnior, é crítico ao projeto. "É um absurdo, populista demais que engessa o mercado", disse. Para ele, o que acontece com o IGP-M é pontual e deve ser ajustado. Enquanto isso, o mercado tem a capacidade de se autorregular, já que diversos contratos foram renegociados nos últimos meses, acrescentou.

"Esse tipo de intervenção no mercado traz insegurança jurídica para os investidores, afetando proprietários de imóveis, fundos imobiliários e demais instrumentos lastreados em recebíveis imobiliários", afirma Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Segundo ele, os investimentos sempre foram feitos tendo como expectativa o retorno pelo IPG-M, e uma eventual mudança impactará na falta de incentivos para o investidor. De acordo com dados levantados pela Abrainc, existem no Brasil cerca de 12 milhões de moradias alugadas, sendo que 75% dos locatários têm apenas um imóvel e o utilizam como fonte de renda para sobreviver.

Diretor de comunicação do Quinto Andar, José Osse, não comenta sobre o projeto em tramitação, mas conta que desde novembro do ano passado a imobiliária praticamente passou a adotar o IPCA como padrão em seus contratos. "Com o IGPM muito alto, muitas pessoas passaram a pedir a renegociação, inclusive proprietários, pedindo para aplicar um valor menor. Isso aconteceu especialmente no começo da pandemia, quando ficou claro que muita gente ia perder renda. Então, vimos que o índice não estava mais adequado para acompanhar a evolução do aluguel", disse.

A utilização da taxa oficial de inflação do País, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para reajustar contratos de aluguel vem ganhando espaço, mesmo que informalmente, na medida em que o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas (FGV), disparou em 2020 e continua acelerando, sem sinais de arrefecimento. Em 12 meses até março, acumula 31,10%, superando em cerca de cinco vezes o IPCA de igual período, de 6,10%.

Economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast defendem a alteração, mas dizem que essa decisão deveria ficar entre locador e locatário e não se tornar "obrigatória". O temor é de que essa imposição faça o País enfrentar problemas como os vistos no passado, induzindo a avaliações de ingerência política, por exemplo. "A única parte que não gosto é a imposição. Seria melhor se naturalmente o mercado convergisse para o IPCA", afirma o economista da LCA Consultores Fábio Romão. Para o especialista em inflação da consultoria, um dos fatores favoráveis ao IPCA é a questão de o mercado e a sociedade não serem pegos de surpresa. "Previsibilidade é a palavra-chave para o IPCA. Seria uma mudança bem-vinda, um avanço", completa.

O IGP-M surgiu no final dos anos de 1940, sem o intuito de corrigir contratos de aluguel, mas acabou adotado para esse fim pelo mercado financeiro, dada a credibilidade da FGV e diante da desconfiança dos agentes em relação aos números oficiais de inflação, principalmente na fase de hiperinflação.

A iniciativa dos deputados, na prática, avalia o economista da FGV Paulo Picchetti, vai na mesma linha do que outros governos quiseram fazer no passado. "É como tentar fazer um controle de preços. Já vimos como isso acontece, como já ocorreu no Brasil, com momentos de desabastecimento e preços elevados", cita.

Como o IGP-M é bastante sensível ao câmbio - que só no ano passado teve depreciação de quase 30% - e sofre muita volatilidade, locador e locatários acabam ficando em situação de vulnerabilidade, avalia o economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otávio de Souza Leal. Já o IPCA, diz, é mais estável e não tem tanta influência cambial.

"A vantagem de ter um índice como o IPCA para reajustar os aluguéis é que é um indicador que tem credibilidade e representa muito mais a população brasileira [abrangência nacional e em termos salariais, de 1 a 40 mínimos]. Só não sei se deveriam forçar a usar determinado índice. Ninguém deve ser forçado a aceitar o termo do contrato. Deveria valer o entendimento entre as partes", afirma.

Para o economista do ASA Investments Leonardo França Costa, o valor do contrato poderia seguir a lei da oferta e da demanda, sem a necessidade de definição de um único índice para tal fim. "O ideal seria uma negociação mais transparente entre locador e locatário", afirma, completando que, dado o descolamento do IGP-M com a realidade, faria mais sentido ter o IPCA como referência.

Romão, da LCA, recorda que, na maioria dos anos, o IGP-M sempre ficou com resultado superior ao do IPCA, o que também reforça a opção de escolha do indicador da FGV como responsável por corrigir contratos de aluguel. "Considero mais justo o IPCA, que reflete o preço no varejo, relata melhor o que o consumidor está passando na ponta final", explica.

Enquanto o IGP-M capta apenas uma parte modesta da inflação se serviços, exatamente no IPC-M, o IPCA abrange uma gama maior dos preços desse segmento, que representa em torno de 70% do PIB brasileiro. Já o IGP-M é composto pelo IPA, que representa o atacado, com 60%; IPC, que abrange o varejo e tem peso de 20%; e INCC, que atende ao setor da construção civil, respondendo por 10%.

Ainda que o IGP-M não tenha nascido para esse fim, a FGV já está avançando em estudos com parceiros para a criação de um índice que servirá de amparo nos reajustes de contratos de aluguel no País. O professor da FGV Paulo Picchetti afirma, contudo, que ainda não há data definida para a divulgação do novo indicador. "Estamos em fase preliminar", diz. Segundo o economista, "a FGV não tem a capacidade [poder decisório] nem a vontade de que o índice que ela crie seja o índice para reajustar o aluguel, isso é o mercado que tem de decidir", completa Picchetti.

A economista-chefe da CM Capital Markets, Carla Agenta, ressalta que num momento como este é muito difícil fazer a mudança de um contrato de uma hora para a outra, dado que muitos deles são feitos por um longo período. A despeito disso, reconhece que é possível ambos os envolvidos entrarem em um acordo, especialmente quando se envolve pessoa física. "Já estamos vendo isso acontecer. Se não houver acordo, acaba tendo quebra de contrato. O IPCA daria conta, mas não deve ser imposto", sugere.

Estadão
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