Chevron mantém aposta arriscada na América Latina
George Buck, americano que comanda as operações da Chevron no Brasil, tem sido frequentemente escoltado por advogados nos últimos dias. Desde novembro, quando a segunda maior petrolífera americana derramou ao menos 2.400 barris de petróleo na costa brasileira, os advogados ajudaram Buck a navegar pelo sistema legal, algumas vezesatuando como tradutores de português e consultores culturais.
O engenheiro de fala mansa, que está no País desde 2009, tem um bom motivo para medir suas palavras. A Chevron está sendo processada em R$ 20 bilhões pelo Ministério Público Federal, embora o vazamento tenha sido menos de 0,1% do tamanho do derramamento de petróleo da BP no Golfo do México em 2010.
Autoridades afirmam que estão preparando acusações criminais contra a Chevron, Buck e vários de seus colegas. Ansioso para conter a crítica dos reguladores, políticos e grupos ambientais, Buck afirmou em novembro passado que sua empresa "aceitava total responsabilidade" pelo incidente. Mas o procurador da República Eduardo Santos de Oliveira viu isso como admissão de culpa.
Logo em seguida, Oliveira cancelou um interrogatório agendado de Buck e entrou com o maior processo ambiental brasileiro contra a Chevron. "Não precisávamos mais convocá-lo", disse Oliveira em uma entrevista no começo deste ano.
A Chevron também enfrenta multas de até US$ 121 milhões e teve sua licença de perfuração suspensa no Brasil, onde já gastou mais de US$ 2 bilhões desenvolvendo o maior campo petrolífero comandado por uma estrangeira.
A crise no Brasil traz novos riscos para a Chevron no que poderia ser um ano de reconhecimento para seu portfólio na América Latina. A empresa já enfrenta o veredito de US$ 18 bilhões de um processo ambiental no Equador, como resultado de décadas de poluição por petróleo na região amazônica causada pela Texaco, adquirida pela Chevron em 2001.
Sua presença na Venezuela - onde a Chevron continua após grandes petrolíferas americanas como a Exxon Mobil e a ConocoPhillips terem saído em 2007 depois de nacionalizações - também é incerta.
Ali Moshiri, chefe de exploração e produção da Chevron na América Latina e África, é visto como "amigo próximo" do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Mas essa relação especial da empresa pode não durar, já que Chávez,que pretende se reeleger em outubro, sofre de câncer na região pélvica.
No passado, a América Latina foi um parque de diversões para investimento americano. Mas agora a nacionalização de recursos, os padrões ambientais severos e os tribunais assustam os grandes players do setor. "Outras grandes petrolíferas retrocederam", disse Fadel Gheit, analista de petróleo da Oppenheimer, em Nova York. A Chevron "está parada e uma série de percalços mostra que as coisas ficaram difíceis".
Apesar de tudo isso, a empresa segue adiante com seu mais novo projeto no Brasil, o campo Papa Terra, de 140 mil barris por dia, operado pela Petrobras e que deve começar no próximo ano.
No centro da controvérsia está Buck, 46 anos, sendo 23 trabalhando na Chevron, cuja carreira inclui passagens por regiões petrolíferas do Alasca e Texas. Ele não quis ser entrevistado. O cargo de Buck no Brasil é o mais desafiador até o momento, afirmam fontes próximas à empresa. Durante um momento desconfortável em novembro, ele se desculpou pelo derramamento de petróleo ao Congresso brasileiro em um português fraco.
Episódios anteriores de derramamento de óleo no Brasil, incluindo alguns vazamentos maiores do que o registrado no campo da Chevron, nunca levaram a ações criminais contra a Petrobras ou seus executivos, afirmou a companhia brasileira.
Buck e sua família moram em Ipanema, no Rio de Janeiro, onde o caso da Chevron provocou desconforto entre a crescente comunidade de expatriados atraídos para o Brasil pelo boom de petróleo. Mais de uma dezena de executivos estrangeiros pode enfrentar ações criminais.
Pouco lucro e grandes riscos
A América Latina é apenas uma fonte de recursos menor para a Chevron, cujas operações abrangem mais de 35 países. A empresa bombeia cerca de 166.000 barris por dia de petróleo e gás natural equivalente no Brasil, Venezuela, Argentina e Colômbia, ou cerca de 6% de sua produção mundial de 2,67 milhões de bpd.
Da perspectiva deresponsabilidade e imagem pública, os riscos são muito maiores. Se a questão judicial no Brasil caminhar mal, a Chevron pode "repensar" seus projetos aqui, disseram as pessoas familiarizadas com a situação.
Os danos da Chevron no Brasil e Equador no pior cenário podem superar os lucros da empresa em 2011, de US$ 26,9 bilhões, sendo US$ 18 bilhões no Equador e aproximadamente US$ 11 bilhões no caso brasileiro. Em janeiro, um juiz no Equador manteve uma decisão ordenando que a Chevron pagasse aos querelantes na região amazônica US$ 18 bilhões.
Hoje, a Chevron não produz petróleo no Equador, mas o julgamento levou o caso para uma nova etapa, onde os querelantes podem tentar confiscar os ativos da Chevron no mundo. Um dos advogados deles, Steven Donzinger, espera que esse processo comece dentro de semanas. Os alvos podem incluir países latino-americanos onde o sistema judiciário similar ao do Equador pode favorecer os querelantes.
A Chevron processou Donzinger, alegando que a decisão judicial no Equador foi obtida por meio de fraude. A empresa teve oportunidades nos últimos anos de fechar um acordo pagando um valor menor. "(A Chevron) terá dificuldades em convencer os querelantes a aceitar agora menos do que a quantia toda", disse Donzinger.
A Chevron, que tem pressionado o governo do Equador a anular o veredito, está otimista sobre uma eventual vitória, assim como alguns analistas. Mark Gilman, analista de petróleo da Benchmark em Nova York, disse que a "Chevron absolutamente não vai aceitar este processo".
Ele acrescentou que, no final das contas, os processos contra a Chevron no Equador e no Brasil têm pouca chance de prejudicar seriamente as finanças da empresa. Mas o executivo de finanças da Chevron, Rex Mitchell, alertou na Corte Distrital dos EUA no ano passado que o esforço dos equatorianos poderia "causar danos irreparáveis à reputação empresarial da Chevron e às relações comerciais".
A Chevron pode ter que gastar US$ 200 milhões por ano em honorários relacionados a disputas judiciais apenas no Equador, calculam os advogados dos querelantes. A petrolífera não quis comentar o assunto.
Diplomata de petróleo da Chevron
Os riscos não impediram Moshiri, iraniano-americano, 60 anos, a viajar pela região e pressionar o conselho da Chevron a manter os investimentos. A razão é simples: a América do Sul produz 12% do petróleo do mundo e detém mais de 30% dos recursos mundiais de petróleo e gás, e seus governos precisam da habilidade das grandes petrolíferas.
A Venezuela detém 297 bilhões de barris de reservas e o Brasil pretende se tornar o terceiro maior produtor mundial, triplicando a produção para cerca de 7 milhões de barris por dia em 2020.
"A Venezuela é um prêmio muito rico para as empresas internacionais de petróleo abandonarem", afirmou Moshiri a diplomatas americanos, segundo um documento de junho de 2007 publicado pelo WikiLeaks. Ele também alertou que o "vácuo" deixado pelas empresas americanas na Venezuela poderia ser preenchido por rivais chineses, russos e iranianos.
A Chevron não detalha os planos de investimento por região, mas uma revisão de seus projetos na América Latina sugere que a empresa poderá gastar mais de US$ 10 bilhões nesta década em cinco joint-ventures (parcerias) de petróleo ou gás na Venezuela, três grandes campos offshore no Brasil, três campos de gás na Colômbia e concessões na Argentina.
Moshiri, fluente em espanhol e casado com uma venezuelana, tem se empenhado em manter o bom relacionamento com Chávez, aceitando as leis que limitam petrolíferas estrangeiras a papéis minoritários. A empresa compartilha projetos controlados pela estatal PDVSA e investe em programas de bem-estar social da Venezuela.
Ele também atuou como diplomata nos bastidores, mostraram documentos do Departamento de Estado. A Venezuela "se aproximou da Chevron para pedir assistência para lidar com questões americanas", disse Moshiri a diplomatas dos Estados Unidos em 2008. Ele também chamou a Chevron de "elo de energia" entre Venezuela e EUA, o principal comprador de suas exportações.
Moshiri declinou em dar entrevista. Nem a Chevron nem o Departamento de Estado dos EUA quiseram comentar os documentos diplomáticos. Chávez está convalescendo após uma cirurgia para tratar o câncer no mês passado.
"A Chevron ficou na Venezuela. Isso pode não significar que terá vantagem lá no futuro", disse o analista Gilman. Isso também não tornou a situação presente mais fácil. Um aumento de impostos no ano passado incomodou as petrolíferas que ficaram na Venezuela, e a PDVSA irritou a Chevron no mês passado quando anunciou planos de vender parte da usina de beneficiamento de petróleo Petropiar para um fundo estatal chinês, disseram fontes da indústria. A Chevron detém 30% da Petropiar, mas não foi consultada. A empresa se recusou a comentar.
Enquanto isso, o mais novo empreendimento de petróleo da Chevron com a PDVSA no cinturão do Orinoco, região rica em petróleo, enfrenta atrasos. A produção deveria começar este ano, mas fontes dizem que a Chevron e a PDVSA ainda não entraram em acordo sobre termos de investimento, e a engenharia básica está inacabada.
Descuido no Brasil?
É no Brasil que o futuro da Chevron na região pode ser determinado. A empresa está esperando que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) termine a investigação sobre o derramamento de novembro, que poderá abrir o caminho para a Chevron recuperar sua licença de perfuração no País.
Depois do vazamento, Moshiri viajou ao Brasil para se reunir com autoridades da ANP. Uma fonte do setor chamou a reunião de "tensa". A Chevron disse que a sua resposta operacional ao derramamento foi bem-sucedida. A empresa estancou boa parte do vazamento do fundo do mar perto do campo de Frade em quatro dias. Ela admite, contudo, que a resposta de relações públicas não foi eficaz.
A Chevron "não mostrou o seu melhor"no Brasil, afirmou o presidente-executivo, John Watson, a analistas. A empresa inicialmente negou a responsabilidade pelo brilho de petróleo, ou "sheen", na superfície do mar que levou à detecção do vazamento. Anteriormente, a empresa havia tido um forte refluxo de pressão em um novo campo de Frade.
Oliveira diz que a Chevron perfurou descuidadamente, permitindo que refluxo do petróleo e líquidos de perfuração perfurassem a rocha frágil e atingissem o mar. Ele afirma que a Chevron sabia que a rocha poderia não suportar os níveis de pressão de petróleo que poderiam ser encontrados no reservatório.
A Chevron disse que não assumiu nenhum risco indevido no campo de Frade, onde seus planos de perfuração foram pré-aprovados pela ANP e reguladores ambientais.
O procurador disse à Reuters que a ação civil indenizatória não foi baseada em uma avaliação extensa de danos decorrentes do vazamento de petróleo. Mas sim teve o objetivo de mandar uma mensagem. "As empresas de energia que operam aqui precisam saber que um comportamento descuidado vai custar caro a eles", afirmou.
As acusações de Oliveira sobre os riscos tomados pela Chevron são difíceis de serem verificadas. A empresa não divulgou seus próprios estudos de sísmica sobre a geologia da região.
Margens estreitas de pressão são um dilema clássico do design de poços, disse o engenheiro da Universidade de Texas Paul Brommer. "Esta é uma área onde você tem que ter muito cuidado", acrescentou.
Paulo Augusto Silva Novais, advogado que representou outras empresas de energia no Brasil, disse que os julgamentos poderiam demorar três anos, e as apelações podem se estender por uma década. A Chevron pode levar a melhor, disse Novais, mas a saga irá "acrescentar um peso adicional para as operações da empresa durante anos".