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Bônus demográfico: o 'empurrão' econômico que o Brasil desperdiçou

Fim da fase de crescimento da população em idade ativa obrigará o País a ganhar produtividade

9 jan 2022 - 05h10
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RIO - A pandemia de covid-19 atingiu a economia do Brasil em plena transição demográfica: o País está deixando a fase do "bônus demográfico" e entrando na de "ônus demográfico". Esse processo tem duas etapas: uma que ajuda a economia, à medida que mais pessoas chegam à idade de trabalhar; e outra que impõe desafios, pois é caracterizada por um maior número de idosos - o que tira impulso da economia. Ou seja: sem o impulso demográfico, que coloca mais gente para trabalhar, o País tem de fazer crescer a produtividade - um desafio no qual tem falhado até aqui.

A maioria dos especialistas fixa nos anos 1970 o início do bônus demográfico no Brasil. Só que a economia brasileira cresceu mais na primeira metade do século 20 do que da década de 1970 para cá. "Na verdade, não aproveitamos o bônus demográfico. Na década de 1970, quando o bônus estava começando, nos endividamos muito. Nos anos 1980, tivemos a crise do endividamento, depois, a hiperinflação", explica o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo de Castro Souza Jr.

Ajuda restrita

Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), com dados compilados até 2019, sugere que o bônus demográfico contribuiu, sim, com o crescimento econômico do Brasil nas últimas décadas.

Entre 1981 e 2019, a renda per capita do brasileiro avançou, em média, 0,9% ao ano, segundo o levantamento. Mais da metade desse ritmo de crescimento, 0,5% ao ano, em média, veio do avanço da população em idade ativa (15 a 64 anos), em comparação com o da população total.

O Brasil gastou boa parte do período de bônus demográfico em meio a décadas perdidas. O desempenho da economia até melhorou na primeira década do século 21, mas a recessão de 2014 a 2016 e, agora, a crise da covid-19, acarretaram o fechamento milhões de postos de trabalho.

Segundo economistas, boa parte do desperdício do bônus demográfico tem relação com o desemprego. Isto porque de pouco adianta ter a maior parte da população em idade de trabalhar se não há empregos para essas pessoas gerarem renda e consumir.

Isso não quer dizer que o bônus demográfico tenha sido inútil. Com um crescimento populacional elevado, a economia precisa crescer a ritmo acelerado para garantir o aumento do PIB por pessoa.

"O bônus pode ser visto como mitigador de uma perda maior. Na última década do século passado, o crescimento da renda per capita não foi dos maiores, mas é possível que tivesse sido pior caso não estivéssemos auferindo o bônus demográfico", afirma o presidente do IBGE, Eduardo Rios Neto, demógrafo e estudioso do tema.

Efeito da pandemia?

Mas até quando vai o bônus demográfico? Segundo o IBGE, esse período terminaria em 2038, quando a população em idade ativa (PIA) entrar em declínio (veja quadro), conforme dados atualizados pelo instituto em 2018 e que, portanto, não consideram os efeitos da covid-19 na economia.

A pandemia ceifou mais de 600 mil vidas no País, incluindo muitas pessoas com idade entre 18 a 64 anos, além de ter acarretado o adiamento de nascimentos, efeito direto da decisão de casais de não ter filhos em meio a um período de incertezas.

Embora não se trate de uma unanimidade, há demógrafos que defendem que a pandemia poderá levar o Brasil mais rapidamente ao período de ônus demográfico, adiantando esse processo em cinco ou seis anos. Entre os que corroboram esta ideia está o pesquisador José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), ligada ao IBGE.

"As pessoas que deixaram de nascer em 2020 e 2021 teriam 15 anos em 2035 e 2036, quando estariam entrando na população em idade ativa. Por conta da pandemia, o decrescimento da população em idade ativa vai começar mais cedo", defende o especialista.

No entanto, outros demógrafos, entre eles o atual presidente do IBGE, preferem fazer ressalvas quanto aos efeitos demográficos da pandemia. Para ele, "pandemias como a covid-19 determinam flutuações de curto prazo", enquanto a transição demográfica é uma tendência de longo prazo.

Para os economistas, no entanto, o sinal amarelo já estava aceso desde antes da pandemia. Demógrafos preferem calcular a duração do bônus demográfico não apenas pelo padrão etário, mas também ponderando pelo consumo e pela renda do trabalho.

Já os economistas preferem olhar para as taxas de crescimento da população em idade ativa em comparação com as da população total. Na primeira ótica, as projeções de duração do bônus vão até o fim da década de 2030, dependendo do cálculo. Na definição preferida pelos economistas, o bônus se encerrou em 2018.

Potencial

"Não usamos esse potencial no máximo, por causa das crises", Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre/FGV, completando que a aposentadoria precoce, possível pelas antigas regras da Previdência, modificadas com a reforma de 2019, também contribuiu para o desperdício do bônus, ao retirar do mercado de trabalho pessoas com menos de 64 anos. "A demografia indica que há mais gente disponível para trabalhar, mas a aposentadoria retira esse pessoal", explica o pesquisador.

Outro elemento essencial para aproveitar o bônus demográfico é a educação, dizem economistas e demógrafos. O aumento proporcional da população em idade de trabalhar impulsiona o crescimento econômico pelo lado da quantidade, mas o avanço da escolaridade dos trabalhadores melhora a qualidade da mão de obra.

Para Eduardo Rios Neto, presidente do IBGE, a educação é uma questão central, pois "o dividendo demográfico só se sustenta enquanto um dividendo de capital humano, onde a força está no aumento da escolaridade".

À medida que o crescimento populacional arrefece, a tendência de o Brasil passar ao ônus demográfico - situação já vivida na Europa, no Japão e, em menor escala, nos EUA - é irreversível. A diferença entre essas nações e o Brasil (e outros emergentes) é que elas enriqueceram no momento do bônus, o que não ocorreu da mesma forma por aqui.

De acordo com especialistas, a transição demográfica, associada a fatores como urbanização, políticas públicas de planejamento familiar e a presença da mulher no mercado de trabalho, está sendo mais rápida em países como Brasil, México, China e Índia.

Em um cenário de desafios de curto prazo para a economia - juros altos, inflação, desemprego e instabilidade política -, o fim do bônus demográfico se impõe como um problema extra, estrutural, para as próximas décadas.

Reduzir o desemprego pode estimular o crescimento

O desperdício do bônus demográfico até agora não significa, necessariamente, que o ônus do envelhecimento pesará sobre o crescimento econômico imediatamente. Economistas ponderam que, no médio prazo, a própria crise oferece alguma margem de manobra. Isso porque o desemprego aponta para grande ociosidade no mercado de trabalho. Em outras palavras, é possível impulsionar o crescimento econômico simplesmente utilizando a força de trabalho hoje desempregada ou subempregada.

Estudo de José Ronaldo de Castro Souza Jr., do Ipea, com o economista Fábio Giambiagi, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), publicado em setembro, estima que, por causa da elevada ociosidade atual, a economia brasileira poderia manter um ritmo de crescimento médio de 2,5% ao ano nesta década, desde que conseguisse diminuir o desequilíbrio das contas do governo e promover reformas que aumentassem a produtividade.

Segundo Souza Jr., por causa da ociosidade, a economia poderia crescer sem o bônus demográfico. "Agora, até que ponto isso dá fôlego?", questiona, lembrando que a ociosidade medida pelo desemprego ou subutilização trata apenas da quantidade de trabalhadores, não da qualidade, que depende da escolaridade

Isso quer dizer que, mesmo que haja milhões de pessoas dispostos a trabalhar, esses profissionais podem não estar aptos a ocupar os empregos que eventualmente serão gerados, o que já ocorre em alguns setores, como o de serviços de tecnologia da informação. "Temos ociosidade na quantidade, mas ela é menor quando levamos em conta a escolaridade", completa o especialista.

Estadão
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