Banco do Brasil tem 'tempestade perfeita' com mudança contábil; mercado pode reduzir previsões
Regras mais rigorosas chegam no momento em que o agro, uma das principais carteiras do banco, vive piora na qualidade de ativos, intensificada por pedidos de recuperação judicial
A mudança das normas contábeis a que os bancos brasileiros devem obedecer criou uma "tempestade perfeita" para o Banco do Brasil, que viu o lucro cair no primeiro trimestre deste ano e colocou as projeções para o ano (guidances) sob revisão. As novas regras, mais rigorosas em determinados pontos relacionados à inadimplência, chegaram em um momento em que o agro, uma das principais carteiras do banco, vive uma piora na qualidade de ativos, intensificada por pedidos de recuperação judicial.
O lucro líquido ajustado do BB caiu 20,7% em um ano, para R$ 7,4 bilhões, e o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) do banco recuou 5 pontos porcentuais no mesmo período, para 16,7%. O resultado ficou 19% abaixo da expectativa do mercado, e nesta sexta-feira, 16, a ação caía mais de 12%, o que levava o banco a perder R$ 20,4 bilhões em valor de mercado.
A piora na inadimplência da carteira do agro foi o fator que pressionou os resultados do banco. Os atrasos foram de 4,1% no primeiro trimestre deste ano, contra 1,7% no mesmo intervalo de 2024. Este fator levou as provisões do banco contra a inadimplência subirem 18,9% em um ano.
Estes efeitos foram intensificados pela adoção das normas contábeis contidas na resolução 4.966, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que entrou em vigor em janeiro. O normativo passou a determinar que os bancos provisionem operações através da chamada perda esperada, um conceito mais amplo, mas sob alguns aspectos mais rigoroso que o anterior, que era o da perda incorrida.
No caso do BB, a mudança atingiu em cheio a carteira agro diante do menor fluxo de pagamentos que o banco tem visto desde o ano passado, com os produtores ainda recompondo caixa após a queda das commodities em anos recentes, e também depois de quebras de safra ligadas à seca. Este contexto tem ampliado as recuperações judiciais de produtores rurais, que, sob a nova norma, obrigam o banco a classificar o crédito direto no estágio 3, o de menor qualidade.
Além de aumentar a provisão, a regra reduz as receitas. Nos créditos de menor recuperação, a resolução determina que as receitas com juros sejam reconhecidas pelo regime de caixa, ou seja, quando são efetivamente pagas. O BB estima que essa mudança "tirou" R$ 1 bilhão em margens no primeiro trimestre. A combinação entre despesas maiores e receitas menores explica o lucro bem abaixo do esperado por analistas.
"Agora, já temos certeza de como ocorreu o comportamento da carteira agro. Essa previsão de impacto nós já tínhamos, a surpresa foi o agravamento da inadimplência. De posse de todas essas informações, estamos abrindo uma conversa com o regulador para um tratamento diverso da carteira do agro", disse a presidente do BB, Tarciana Medeiros, em videoconferência com analistas.
Para além da mudança de norma, o banco foi impactado pela alta da Selic diante das diferenças de indexador dos depósitos e da carteira de crédito. Pelo lado dos depósitos, há um volume maior de passivos pós-fixados, o que gera um descasamento de cerca de R$ 380 bilhões, com impacto negativo para as margens.
"O pior já passou, dentro de uma ótica de margem financeira e custo de captação, (a perspectiva) é a gente manter a estabilidade e depois cair conforme cair a Selic", afirmou o vice-presidente de Gestão Financeira e de Relações com Investidores, Geovanne Tobias, em entrevista à imprensa.
De acordo com ele, o segundo trimestre ainda deve ser difícil para o banco, mas o BB deve manter retornos na casa dos 17% a 18% mesmo nesse período. "Nós não vamos voltar àquele ROE de 12%, 13% que vimos lá atrás. O BB de hoje é completamente diferente daquele BB."
Revisões negativas
Analistas de mercado afirmaram que o resultado muito abaixo do esperado deve levar a revisões negativas para as previsões do lucro do banco neste ano, o que em parte explica a forte queda das ações nesta sexta.
"O ano começou de forma mais desafiadora do que esperávamos, com inadimplência mais alta e um crescimento moderado das receitas. Como resultado, vemos um risco de queda em nossas estimativas para 2025", escreveram os analistas Marcelo Mizrahi e Eric Ito, do Bradesco BBI.
Daniel Vaz, do Safra, afirmou que as previsões que a casa tem para o BB podem ser revisadas negativamente em algo próximo a dois dígitos baixos. "Ainda assim (sem os impactos da 4.966), os resultados ainda viriam abaixo da previsão do mercado, e a qualidade dos ativos foi bem negativa no trimestre."
Essa visão é intensificada pela decisão do BB de colocar sob revisão os guidances de margem financeira, custo de crédito e lucro líquido para este ano. O banco afirmou que, pelas incertezas sobre como os indicadores se comportarão sob as novas regras, preferiu esperar o segundo trimestre para fazer mudanças.
"Não foi uma decisão fácil, mas acredito que seja a decisão mais coerente com o compromisso com a transparência que tenho adotado desde o começo da gestão", afirmou Tarciana na videoconferência com analistas.
Ainda assim, a queda pode ter sido reduzida pela avaliação descontada das ações do BB frente aos rivais. Eduardo Rosman, analista do BTG Pactual, afirmou que o mercado não vinha incluindo nos preços a expectativa de que o ROE sustentável do banco fosse de mais de 20%, e ele próprio estima algo em torno dos 17,5%. "Por enquanto, mantemos nossa recomendação de compra devido aos múltiplos, mas com viés negativo."
