Baixa cobertura de seguros deixa agronegócio mais suscetível a danos por crise climática
Impacto de mudanças é subavaliado nas emissões de dívidas, analisam agências de rating; situação ocorre sobretudo em setores mais expostos a eventos extremos
A baixa cobertura de seguros diante da maior frequência de eventos climáticos extremos deixa o setor do agronegócio brasileiro mais suscetível a danos. "O que observamos é um grande gap de proteção. Falta seguro enquanto os eventos climáticos crescem de forma acelerada", ressalta o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Dyogo Oliveira.
Segundo ele, ao terminar 2025, o seguro rural terá coberto menos de 3% da área plantada do País, um retrocesso em relação ao apurado no ano passado, quando o porcentual foi pouco mais de 6%. Nos Estados Unidos, o programa federal de seguro agrícola, o Federal Crop Insurance Program (FCIP, na sigla em inglês), cobre cerca de 90% da área plantada, aponta a CNseg.
Do ponto de vista da cobertura das perdas econômicas provocadas por desastres climáticos, estima-se que cerca de 9% desses prejuízos sejam cobertos por seguros no Brasil. Nas Regiões Norte e Nordeste, esse percentual é inferior a 2%, de acordo com estudo da CNseg feito com as seguradoras associadas. Em países desenvolvidos, a taxa média de cobertura varia entre 20% e 55%, a depender da metodologia adotada.
As agências de classificação de risco veem o seguro rural caro, pouco difundido e insuficiente para fazer frente ao avanço dos eventos climáticos extremos, dificultando a resiliência do sistema produtivo.
Na avaliação da Fitch Ratings, o custo do seguro se tornou proibitivo para grande parte dos produtores. O diretor sênior Renato Donatti explica que a combinação de juros elevados, spreads e prêmios caros torna inviável segurar toda a área agrícola. "Quando você tem juros de 15% e um prêmio alto de seguro, isso vira um entrave. A rentabilidade não comporta o custo", diz ele.
"O Brasil não possui seguros de risco climático em larga escala para a agricultura. Isso já faz parte do business no exterior", afirma a diretora-geral da S&P, Julyana Yokota. "Temos tido mais eventos, mas não é como em outros lugares. Secas acontecem, mas não com a mesma regularidade que, por exemplo, na Austrália e na Califórnia, onde há consequências todos os anos. Então, como o risco não é tão latente, acaba-se priorizando outros fatores."
Prejuízos incorporados
Enquanto isso, boa parte das perdas provocadas por ondas de calor, secas e suas consequências segue sendo absorvida diretamente pelos produtores. Mas não só. Os prejuízos também são incorporados pelas empresas da cadeia e pelos bancos que financiam a atividade.
Jennifer Chang, vice-presidente sênior de Crédito da Moody's, alerta que os riscos físicos climáticos podem gerar efeitos colaterais relevantes para o sistema financeiro. "As seguradoras estão tentando limitar o próprio risco, se retraindo dessas regiões de risco elevado, aumentando os prêmios das apólices ou limitando o pacote de seguros. Isso gera uma transferência de risco aos residentes, comerciantes da região, até mesmo ao próprio Estado", afirma.
O presidente da CNseg lembra que, quando há perdas por seca ou enchente e o produtor perde a produção daquele ano, a resposta costuma ser a renegociação da dívida. "Ele refinancia, fica sem crédito no mercado e, no ano seguinte, precisa tomar novo crédito para continuar produzindo, empilhando uma dívida em cima da outra", afirma, ressaltando que a conta acaba sendo paga pelo próprio governo, que assume a diferença de juros, gera custo para o Tesouro Nacional e aprofunda o endividamento do produtor.
O seguro pode entrar como uma espécie de para-raio. "A quebra de safra pode aparecer primeiro no seguro, uma vez que a indenização é acionada para pagar o financiamento. O banco nem sempre registra a perda na ponta, mas quem sente o choque é a seguradora", ressalta Linda Murasawa, conselheira do Fórum de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ex-executiva da Febraban e do Santander.
André Messa, analista sênior da Austin Ratings, destaca que o Brasil ainda está no início do desenvolvimento de seguros paramétricos, seguros de crédito climático e outros instrumentos essenciais para estruturar lastros agrícolas mais resilientes. "O ideal seria a indústria de seguros aqui no Brasil estar mais desenvolvida para conseguir mitigar esses riscos desses lastros oriundos do crédito agrícola", disse.
Segundo Hazem Krichene, economista sênior de clima da seguradora Allianz Trade, a intensificação dos eventos extremos vem transformando o perfil de coberturas. "Muitas construções próximas a rios ou áreas costeiras estão entrando na categoria de maior risco. Sem investimento em adaptação, algumas áreas podem sentir um impacto climático maior", diz.
Ele diz ainda que a fragilidade da cobertura é especialmente preocupante em atividades mais sensíveis ao estresse térmico, como agricultura, construção e mineração. "Classificamos esses setores como altamente sensíveis ao risco físico gerado pelo calor. Isso já entra na análise de seguros. Avaliamos o setor como um todo e o quanto ele é impactado pelas adversidades climáticas", afirma.
Emissões de dívidas
Agências de classificação de risco avaliam que os impactos das mudanças climáticas ainda não são plenamente contemplados na precificação da emissões de dívidas pelas empresas, sobretudo em setores mais expostos a eventos extremos. Segundo essas instituições, a dificuldade de mensuração faz com que a ameaça climática apareça de forma indireta, muitas vezes diluída em avaliações setoriais mais amplas.
A ameaça climática aparece de maneira indireta na precificação, sobretudo por meio do risco setorial, afirma Donatti, da Fitch Ratings. Segundo ele, o impacto climático se reflete na avaliação da volatilidade dos setores e na capacidade de geração de caixa das empresas, dentro de um processo de análise que considera múltiplas variáveis.
"O processo de análise de risco é complexo e envolve variáveis que vão além dos riscos setoriais e de crédito, como a existência de garantias e avais", explica Donatti. "No geral, tanto bancos como o mercado de capitais já vêm incorporando riscos climáticos na precificação de suas dívidas. Na Fitch, o risco setorial é um dos principais fundamentos da análise."
Na avaliação de Messa, da Austin Ratings, a incorporação mais precisa desse risco esbarra na limitação de instrumentos analíticos e bases de dados. Segundo ele, a dificuldade de construir modelos preditivos específicos e atualizados em tempo real restringe a tradução do risco climático em preços.
"As empresas não vão pagar menos por fazer certo, mas talvez paguem mais por não fazer", afirma Julyana, da S&P Global Ratings, para quem a adaptação climática tende a se tornar uma condição para acesso ao mercado, mais do que um fator de redução de custo.
Nas avaliações feitas pela Moody's, o risco climático é incorporado ao rating por meio de análises setoriais e de sustentabilidade. Jennifer Chang traz um panorama do cenário. "Consideramos que cerca de 35% das mais de 16 mil análises que nós fazemos de emissores têm algum tipo de exposição a risco físico climático", comenta.
Financiamento bancário
Do ponto de vista das instituições financeiras, o processo de análise está um pouco mais avançado. A exposição das carteiras de crédito das instituições financeiras aos impactos da crise climática vem diminuindo ao longo dos últimos anos. Segundo a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), entre 2012 e 2024, houve um recuo de dez pontos porcentuais na participação de empréstimos a empresas com riscos ambientais que não tenham sido bem mensurados.
Segundo Amaury Oliva, diretor de Sustentabilidade da entidade, a participação total de contratos de empréstimos dos bancos com relacionados à crise climática recuou de 61% para 51% no período. "O volume de crédito de pessoa jurídica exposta ao risco ambiental era maior, principalmente de setores mais vulneráveis, dependentes de recursos naturais diretamente impactados pelo clima, como o setor energético. Nos últimos dez anos, as carteiras de crédito estão sendo mais direcionadas."
Um dos motivos é que a mensuração dos riscos ambientais vem sendo aprimorada nas análises para a concessão de financiamento pelos bancos. Criada pela Febraban para as instituições financeiras, a Régua Multissetorial de Sensibilidade ao Risco Climático é uma ferramenta que permite avaliar a exposição de diferentes setores às mudanças climáticas.
Oliva explica que, por meio dessa medição, os bancos conseguem identificar o quanto sua própria carteira de crédito está exposta a esse tipo de ameaça. "É possível analisar o setor, a empresa e a operação, além de calcular a sensibilidade climática de determinado ativo e incorporar esse risco às políticas internas."
José Ricardo Sasseron, vice-presidente de Negócios, Governo e Sustentabilidade Empresarial do Banco do Brasil, afirma que a integração dos riscos climáticos aos modelos financeiros representa um desafio contemporâneo para as instituições. "Em um cenário global marcado por eventos climáticos extremos e pela transição para uma economia de baixo carbono, torna-se necessário adotar metodologias robustas e dados fundamentados para garantir resiliência do setor", avaliou.
Segundo ele, o Banco do Brasil usa essas projeções em testes de estresse e análises de sensibilidade para avaliar impactos nas carteiras de crédito rural e empresarial. Como exemplo, menciona os testes de estresse que envolvem simulações envolvendo fenômenos climáticos como o Super El Niño e La Niña, avaliando a resiliência da estrutura de negócios do BB. De acordo com ele, os resultados demonstram a absorção dos impactos climáticos.
Com riscos bem mensurados, o custo dos financiamentos pode até cair, ressalta Linda Murasawa, do Fórum de Mudanças Climáticas do MMA. "As ferramentas para medir o estresse térmico permitem a precificação mais fina do risco. Ao olhar todos os riscos e ver que um projeto os considera e os mitiga, é possível reduzir, consequentemente, a taxa de juros", afirma. "Quando esse risco não é bem medido ou não é gerido, o crédito naturalmente fica mais caro." (Com reportagem de Gabriel Gonçalves, João Bitencourt, Letícia Correia, Mirielle Carvalho e Rafael Sotero).
15º Curso Estadão/Broadcast de Jornalismo Econômico Coordenação e edição: Carla Miranda e Simone Cavalcanti; Equipe: Victor Hugo Mendes, Marisa Oliveira e Eliane Damaceno.