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Bial sobre queda do Muro: "tudo foi vencido pela alegria"

Veja o relato de um jornalista, filho de refugiados alemães, que viveu e contou um dos momentos mais marcantes da História

7 nov 2014 - 16h06
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<p>Pedro Bial durante transmissão ao vivo para o Jornal Nacional na noite da reunificação da Alemanha, em 3 de outubro de 1990</p>
Pedro Bial durante transmissão ao vivo para o Jornal Nacional na noite da reunificação da Alemanha, em 3 de outubro de 1990
Foto: Youtube / Reprodução

Profissional de extensa experiência no telejornalismo brasileiro, Pedro Bial coleciona no currículo grandes coberturas de momentos memoráveis da história mundial. Muitas, aliás, inspiraram jovens jornalistas e trouzeram a admiração dos telespectadores que viram Bial vivendo e contando acontecimentos como a reunificação da Alemanha, a derrocada da União Soviética e a Guerra do Golfo.

No aniversário dos 25 anos da queda do Muro de Berlim, Bial falou ao Terra e contou que esteve muito mais envolvido nos episódios vividos na Alemanha de 1989 do que muitos podem imaginar. Quem noticiava todos os desdobramentos daquele 9 de novembro de 1989 não era apenas um repórter em terras germânicas, mas também um filho de refugiados alemães que tiveram a vida totalmente alterada pelos eventos que antecederam aquele dia.

Em uma conversa movida por recordações, Pedro Bial revela como pôde ajudar a mãe a fazer as pazes com a infância e como a Alemanha terá de lembrar, para sempre, daquilo que lhe é insuportável lembrar.

A imprevista queda do muro, a festa berlinense e a reunificação alemã

Terra - Como foi a cobertura da queda do muro de Berlim?

Pedro Bial - Eu vinha cobrindo todos os acontecimentos de 1989, inclusive o princípio de revolução que estava acontecendo na Alemanha, mas, porque a cobertura estava muito bem, eu fui chamado para cobrir a primeira eleição livre no Brasil. Então, na noite de 9 de novembro de 1989, eu estava em Brasília. Uma semana depois voltei, retomei a cobertura e aí em outubro de 1990 fiz a primeira transmissão ao vivo para o Jornal Nacional da noite da reunificação da Alemanha. Você pode imaginar que foi uma contrariedade eu não estar naquela noite, mas eu tive contato próximo com todos os protagonistas daquela situação e vi muito de perto todo aquele processo que, para mim, era especialmente significativo porque eu sou filho de refugiados alemães. Então de certa maneira eu sabia que estava contando o final da história da nossa família, o fim da história que fez a nossa família vir para o Brasil daquela maneira. E há uma coisa irônica, curiosa. A queda do muro foi o único momento da história em que subir e ficar em cima do muro era atitude mais revolucionária que se podia ter, não era nada de ficar em cima do muro no sentido da expressão que a gente usa.

<p>Berlinenses cantam e dançam em cima do Muro de Berlim, para comemorar a abertura das fronteiras em 10 de novembro de 1989</p>
Berlinenses cantam e dançam em cima do Muro de Berlim, para comemorar a abertura das fronteiras em 10 de novembro de 1989
Foto: Thomas Kienzle / AP

Na semana anterior, a revista The Economist tinha feito uma previsão de 'quem sabe daqui a 10, 20 anos, o muro seria derrubado', ninguém esperava que fosse acontecer daquela maneira. Todo fim de tarde, havia uma conferência de imprensa de um burocrata do partido comunista de Berlim que divulgava comunicados da reunião do comitê central. Esso era tudo televisionado e esse sujeito disse: 'foi decidido pelo comitê central que agora os berlinenses e os alemães orientais podem visitar Berlim Ocidental na hora que quiserem’. Isso foi ao ar e não se dizia quando essa lei passaria a vigorar. O que aconteceu? Centenas, milhares de berlinenses foram imediatamente para os checkpoints, os pontos de passagem que havia no muro entre Berlim Ocidental e Berlim Oriental, e multidões começaram a se aglomerar diante daqueles pontos de fronteira. E os guardas não tinham orientações, ninguém sabia disso. Houve um momento em que o líder do partido narrou que houve a contemplação de se adotar a solução chinesa. Aliás, é sempre bom lembrar que aquele ano de 89 havia começado com o massacre da Paz Celestial, na China. E, na Alemanha Oriental, estavam estacionados duzentos, trezentos mil soldados soviéticos. Era o maior arsenal de guerra de todo o leste europeu soviético, então era algo muito delicado e sensível.  Todo mundo pensou que ia ser um banho se sangue e aí quando abriu foi uma festa. Todo mundo atravessou e os berlinenses ocidentais começaram a comemorar também, a subir e a quebrar o muro...e aí a festa começou na noite do dia 9 e foi até a noite do dia 11.

Na data da unificação alemã, 10 de outubro, foram dois milhões de pessoas às ruas. Foi uma grande, grande festa. E há de se lembrar que se a reunificação de direitos aconteceu em outubro de 1990, a reunificação de fato foi na Copa do Mundo de 2006, quando aí sim estiveram presentes a primeira-ministra, Angela Merkel, nascida em território da extinta Alemanha Oriental, o capitão do time também, o Ballack, da Alemanha Oriental, e onde pela primeira vez se uniram as Alemanhas Oriental e Ocidental para apoiar aquela seleção. Mesmo aqueles que tinham sido contra a reunificação, como, por exemplo, o escritor Günter Grass, apareceram todos vestidos de torcedor. Foi ali que se deu a unificação de fato. Porque o muro caiu naquele momento (em 9 de novembro de 1989), mas o muro na cabeça permaneceu por alguns anos. Eram diferentes os alemães ocidentais acostumados ao sistema competitivo capitalista, à luta para sobreviver, e os alemães orientais que nasciam em um sistema em que a sua vida toda já era prevista, do berço à cova, já mais ou menos ordenada, sem grandes surpresas. Houve um excesso cultural entre as duas partes, a Alemanha rica e a Alemanha a pobre, com a Alemanha rica com os cidadãos tendo que pagar impostos para sustentar a modernização da Alemanha pobre. Então havia ressentimento, um estranhamento durante 16 anos, tempo de duração do estado de moderação, que foi superado e comemorado na Copa do Mundo de 2006.

<p>Alemães comemoram a queda do Muro de Berlim em frente ao Portão de Brandemburgo, em 10 de novembro de 1989</p>
Alemães comemoram a queda do Muro de Berlim em frente ao Portão de Brandemburgo, em 10 de novembro de 1989
Foto: AP
Terra - Qual era o sentimento do jornalista durante a cobertura?

Pedro Bial - Eu estava muito consciente da grandeza histórica daquele momento. Eu estava vendo, vivendo e noticiando um evento que ia entrar para a história com H maiúsculo e que determinava o fim de uma ordem mundial, uma ordem geopolítica que ainda era consequência da Segunda Guerra, da divisão do mundo em dois blocos, que se sustentou durante tanto tempo, aquele mundo dividido ao meio por um muro, concretamente. Era um mundo maniqueísta, um mundo, por assim dizer, mais simples e, aparentemente, mais fácil de entender. Era o império do mal contra o império do bem, o preto e o branco, o certo e o errado, o bom e o ruim.

A partir disso houve um desequilíbrio muito grande no mapa mundial, uma potência única, até que nós tivemos as consequências desse triunfalismo norte-americano que acabaram no 11 de setembro de 2001 com as torres gêmeas sendo explodidas e o advento de um mundo multipolar, confuso e complexo. Por isso, me espanta, nessa complexidade do mundo atual, que tanta gente ainda explore as categorias do século 20, entre direita, esquerda, bem e o mal, como foi explorado durante as eleições aqui do Brasil e que muita gente embarque nessa concepção de mundo. Tudo é muito mais complexo do que isso. A oposição que se deu não é aquilo que a queda do Muro de Berlim simboliza concreta e fortemente, não foi uma oposição entre capitalismo e socialismo, ou, se foi a vitória do capitalismo contra o socialismo, foi porque o capitalismo se subjugou e se subjuga a democracia porque a disputa em  1989 que derruba o muro de Berlim é a disputa entre democracia e autoritarismo/totalitarismo. O capitalismo que se subjuga e se transforma de acordo com as imposições da democracia. E o socialismo democrático não existe, então é algo que até hoje segmentos da esquerda internacional, da esquerda brasileira, se recusam a fazer esse dever de casa, reconhecer, admitir, e partir para diante.

Terra - Esse foi o trabalho mais impactante que você já fez?

<p>Em 25 de dezembro de 1991, a transmissão da novela Roque Santeiro é interrompida e Bial noticia ao vivo o fim da União Soviética</p>
Em 25 de dezembro de 1991, a transmissão da novela Roque Santeiro é interrompida e Bial noticia ao vivo o fim da União Soviética
Foto: Youtube / Reprodução

Pedro Bial - O ano todo de 1989 foi muito incrível porque a Alemanha foi mais uma das várias peças do dominó de cortina de ferro, assim como a abertura da fronteira da Hungria com a Áustria, o advento do governo de solidariedade da Polônia, a revolução da Tchecoslováquia, depois termina o ano com a revolução da Romênia. Foi um ano todo muito espantoso, mas, para mim, como mais significativo, do ponto de vista de repórter, eu digo que aconteceu em agosto de 1991, com o fim da União Soviética, o golpe que derrubou o Gorbatchev para a instauração de uma junta stalinista, linha dura, e a interrupção dos processos de abertura política e econômica na URSS. Eu tinha chegado à União Soviética no domingo, dia 18, e na segunda, 19, veio o golpe, eu estava lá no meio da rua, testemunhando cenas incríveis do povo enfrentando os blindados do Exército Vermelho e se opondo a um golpe stalinista. Em dezembro de 1991 já não tem mais União Soviética, acaba o país. Eu fui coveiro na Alemanha Oriental e virei coveiro da União Soviética.

Fazendo as pazes com a infância e lembrando daquilo que não se pode esquecer

<p>Berlinense usa uma marreta para "destruir" o Muro de Berlim em, 11 de novembro de 1989</p>
Berlinense usa uma marreta para "destruir" o Muro de Berlim em, 11 de novembro de 1989
Foto: Thomas Kianzla / AP
Terra - Houve algum momento, relato ou personagem da sua cobertura da queda do Muro de Berlim que te marcou?

Pedro Bial - Acho essa história que se fala na televisão burocraticamente que as viagens estão liberadas e se esquece de dizer quando, e por causa disso uma multidão vai para a frente do muro e acaba derrubando o muro de forma espetacular, por causa da desatenção de um burocrata na hora de anunciar uma lei muito divertida, isso é muito irônico, principalmente vindo daquela truculência toda. O muro era muito assustador. Até a véspera da queda era muito tenso chegar perto do muro, eram centenas de milhares de metralhadoras, cães ferozes e soldados que se aproximavam, e de uma hora para a outra aquilo tudo virou um cenário de comédia, tudo aquilo foi vencido pela alegria, pela vontade de democracia, isso é muito lindo.

O muro foi construído tão rápido que, às vezes, apartamentos foram divididos pela metade, prédios que foram divididos ao meio, uma coisa que hoje é absolutamente sem sentido. Houve um padre que tinha sua igreja que ficava no meio do muro. A igreja ficava do lado oriental e a porta do lado ocidental e ai construíram o muro entre a igreja e o portão da igreja. O padre ficou separado na sua igreja pelo muro e aquilo foi uma situação absurda. Chegou o dia em que essa igreja foi implodida, e, quando o muro caiu, esse padre voltou e reconstruiu sua igreja e era uma área do antigo muro onde queriam construir algum tipo de memorial, de monumento, que lembrasse o muro. Houve várias sugestões do que fazer e uma delas, que eu me lembro bem, pela originalidade da proposta, era a de um arquiteto que propunha fazer um pequeno lago e povoá-lo com peixes vermelhos, esses peixinhos vermelhos de aquário, que, segundo reza a lenda, tem uma memória que dura apenas 3 segundos. E ele dizia que tinha que fazer um memorial relativo à memória porque os alemães tinham essa obrigação de não esquecer aquilo que é insuportável lembrar. E a Alemanha é um país que lida com essa consciência e essa memoria até hoje por causa de Auschwitz, da Segunda Guerra, do Holocausto, do muro da vergonha. São lembranças terríveis que, no entanto, não é a eles permitido esquecer. E, no entanto, a gente tem gerações e gerações que já nasceram depois disso e que acham que não tem nada a ver com essa história. A gente está falando de memória. A Alemanha nos leva a refletir sobre o papel da memória, muitas vezes, aquilo que nos é muito penoso lembrar e que é justamente aquilo de a gente não pode esquecer.

<p>Parte do Muro de Berlim</p>
Parte do Muro de Berlim
Foto: AP

<p>Guardas em frente ao muro de Berlim, Alemanha, em 7 de agosto de 1964 </p>
Guardas em frente ao muro de Berlim, Alemanha, em 7 de agosto de 1964
Foto: Edwin Reichert / AP
Terra - Você mencionou que seus pais vieram para o Brasil durante uma fuga da Alemanha. Você pode comentar mais a respeito?

Pedro Bial - Eu estava fazendo uma cobertura diferente e destacada durante todo o processo que culminou com a queda do muro porque eu tenho cidadania alemã. Muitas vezes o regime da Alemanha Oriental fechava a fronteira para jornalistas estrangeiros, mas eu entrava como alemão. Assim, eu tinha uma fonte de acesso a Berlim que deixava a minha cobertura muito quente e de qualidade.

Minha mãe é de Berlim e meu pai de Breslau, uma cidade da Baixa Silésia, na Polônia. Meu pai era judeu, minha mãe não era judia, mas também se refugiou do nazismo no Brasil na década de 1930. Os dois se encontraram em São Paulo, se casaram, e como o Estado de Bem-Estar pessoal deu uma espécie de compensação de guerra a esses refugiados, os meus estudos foram custeados quase que integralmente pelo governo alemão. Eles me deram a cidadania alemã não por direito de hereditariedade, mas como uma indenização de guerra. Então, pra mim, tinha ainda esse aspecto pessoal que me movia muito quando eu estava trabalhando. Não era só política internacional, era a história da minha família, eu era uma consequência viva daquilo ali.

<p>Crianças brincam próximo ao Muro de Berlim em Heinrich-Heine-Strasse, em 1968</p>
Crianças brincam próximo ao Muro de Berlim em Heinrich-Heine-Strasse, em 1968
Foto: AP
Terra – E como seus pais viram a queda do muro e a reunificação do país?

Pedro Bial - Meu pai morreu muito cedo então ele não chegou a ver, mas minha mãe via com grande alegria. No primeiro inverno, logo depois da queda, eu fui a Berlim com minha mãe pra ela poder passear nos parques da cidade dela, os parques que ela não tinha podido visitar por causa da divisão e para ela  foi meio que fazer as pazes com a infância e reconstituir um pouquinho da vida porque em todo refugiado, a estrutura psíquica e familiar fica  tão desestruturada quanto à estrutura nacional. Então foi uma reconciliação entre ela e o país dela, algo muito bonito.

<p>Veículos antigos e uma criança na frente do Muro de Berlim, em Bethaniendamm, em 8 de Março de 1973</p>
Veículos antigos e uma criança na frente do Muro de Berlim, em Bethaniendamm, em 8 de Março de 1973
Foto: AP
Terra - É possível enxergar no povo, no ambiente e na atmosfera do país como um todo reflexos de tudo pelo qual a Alemanha passou?Pedro Bial - Eu acho que sim. A Alemanha á um país que procura novas ideias. Os alemães estão na ponta da lança do pensamento ambientalista, de novas formas de desenvolvimento sustentável. E tem também a questão econômica. A economia deles dá de 7 a 1 em todo o mundo e desperta o ressentimento de gregos, portugueses, espanhóis. É uma força econômica ao redor da qual a Europa oscila. A Alemanha é um país moderno, pacífico, que estimula novas ideias e de um povo muito receptivo.

O trabalho como correspondente e o desafio de seguir novos caminhos profissionais

Terra – Você tem planos de voltar a trabalhar como correspondente e fazer grandes coberturas como essa? Como é apresentar os programas Na Moral e Big Brother Brasil, que são atividades com perfis tão diferentes das que você costumava fazer?

Pedro Bial - Agora estou fazendo outras coisas em televisão, mas não descarto não. Adoro política internacional e reportagem, mas por enquanto não tenho planos imediatos. O trabalho no entretenimento não é menos nobre do que no jornalismo, e eu gosto, me divirto. O Big Brother é entretenimento puro, o Na Moral talvez seja um lugar onde eu consegui juntar as duas coisas, o jornalismo e o entretenimento. É onde a gente discute temas que estão presentes no jornalismo, mas dentro de um formato de programa de televisão de debate, tentando dar um tratamento bastante abrangente e acessível para o maior número de pessoas e botar coisas em debate, para ideias opostas se confrontarem, até para mostrar que ideias diretamente opostas podem conviver, podem estar uma do lado da outra e uma não excluir a outra. Ao contrário, a partir de duas ideias opostas se chocando pode sair a faísca de uma terceira ideia.

Fonte: Terra
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