O trabalho dos Titãs é apenas rock'n'roll... e a gente gosta?
Foram muitos encontros no 'Encontro' dos Titãs, megaturnê da banda com seus integrantes originais
Quer ser odiado? Desprezado, ridicularizado, talvez até "cancelado"? Faça um texto sugerindo que tirou "lições e aprendizados" a partir de algum evento como filme, série, show, e publique no Linkedin. Algo como "O que aprendi vendo o show de Encontro dos Titãs"? Aqui não é o Linkedin (é mais legal), mas ainda assim, quero correr o risco.
Acontece que quase vinte anos atrás, quando fui ver um show dos Engenheiros do Hawaii e vi o Humberto Gessinger com cabelo moicano, escrevi em meu finado blog algo como a liberdade de ter um emprego que te possibilita ter o cabelo que bem entender – inclusive um moicano com mais de 40 anos de idade!
Tudo passa de forma tangencial àquilo que é quase a essência do rock and roll, umbilicalmente ligado à juventude, rebeldia, sexo & drogas & outros excessos quetais, mas quando estão diante de você 7 tiozinhos sexagenários cantando para milhares de tiozinhos com no mínimo 40 anos, as coisas mudam um pouco de perspectiva.
Tenho um amigo que diz que coisas como rock é coisa de velho e está cada dia mais difícil refutar esse dado, a julgar pelas coisas que meu filho de 16 anos escuta, que me faz ter vontade de fazer um tratamento de canal no dente (sem anestesia) ao invés de seguir ouvindo aquilo.
Mas outros tiozinhos lá da Inglaterra costumam dizer que é apenas rock and roll, mas gostamos, só que o que me interessa é a parte do job! Trampo. Ofício. A arte de pagar boletos e seguir tocando a vida.
E isso me faz lembrar de quando eu disse algo do qual me arrependo amargamente, logo depois do mega sucesso deles com o "Acústico MTV", ao vê-los cantar no Especial do Roberto Carlos da Globo: "Os Titãs estupraram a minha adolescência"!
É claro que soa pretensioso e egoísta atribuir a um artista a missão de cumprir com nossos desejos e anseios - sem falar em exigir uma certa coragem de fazer aquilo que nós mesmos não temos a manha de fazer!
Eu estava recém-formado, saí de casa, mudei de cidade e um amigo meu, jornalista, me falou uma frase que eu jamais esqueci e redefiniu grande parte do que eu penso – não sobre os Titãs, mas sobre exercer o seu trabalho:
"Cara, até o Acústico, todos eles moravam de aluguel, atrasavam conta de luz, viviam meio na dureza..."
Se é verdade ou não, pouco importa. Importa que eles tinham todos os motivos do mundo para balançar os braços para lá e para cá, sorridentes, dizendo que, afinal de contas, "É preciso saber viver"!
Porque saber viver significa saber a hora de parar e também, a hora de voltar.
Tem muita gente chamando essa turnê de caça-níqueis, mas eu fico genuinamente curioso em saber como esses puristas e curadores da arte alheia pagam suas contas.
E mais: se algum dia eles estiveram minimamente próximos de algo como exercer seu trabalho para 50 mil pessoas que pagaram quantias exorbitantes num ingresso para te ver.
O mesmo amigo que me falou sobre rock and roll ser coisa de velho, também tem uma filosofia de vida sobre só escolher trabalhar sobre gente legal.
Não por acaso, é um dos "culpados" do fato de eu estar escrevendo aqui, mas de certa forma, resume um pouco o que eu acho dos Titãs fazerem essa turnê!
Porque sim, é muito mais legal cantar no Allianz Parque lotado do que na festa de final de ano da Federação Brasileira dos Bancos só com o "trio original" (será que cantaram "homem primata - capitalismo selvagem nesse ambiente?).
E é muito melhor fazer junto com seus amigos de escola, ainda que desavenças tenham havido pelo caminho e contas a acertar.
Porque nós, os fãs – pode chamar de clientes, se quiser – sabemos que valeu a pena cada centavo e cada minuto!
Ainda que o dia seguinte tenha cobrado a conta dessa aventura que é ir em show de rock na nossa idade provecta e que cada um tenha trocado mensagem nos grupos de Whatsapp, sentindo falta dessa ou daquela música!
Então, o que eu aprendi ao ver o show dos Titãs?
Que a vida quase nunca parece uma festa e fazer bem feito o trampo que nos cabe é o que nos resta, em meio ao capitalismo selvagem, para quem não quer só comida!
E se tiver algum Sebastião lendo esse texto, digo (sentindo falta dessa música na setlist) que num show dos Titãs, definitivamente... o mundo é bão!
(*) Randall Neto é escritor, produtor de conteúdo, copywriter e storyteller.