Após "reciclagem", pagodeiros dos anos 90 se reúnem para nova turnê
Chrigor, ex-Exaltasamba, Salgadinho, ex-Katinguelê, e Márcio, ex-Art Popular, farão shows por todo Brasil pelos próximos dois anos
“Ah, que saudade de você. Estou a te esperar. A dor ainda está no meu peito....”. A saudade do hit “Telegrama” e de outras dezenas de músicas do grupo Exaltasamba, Katinguelê e Art Popular nos anos 90 chegou ao fim. Um projeto que surgiu com a ideia do pagodeiro Salgadinho, ex-Katinguelê, há cerca de quatro anos, já tomou forma e agora reúne três dos maiores nomes do pagode da década de 90 em um só palco. Além dele, Chrigor, ex-Exaltasamba, e Márcio, ex-Art Popular, decidiram se unir em uma turnê de shows pelo Brasil, nos próximos dois anos, relembrando o romantismo do ritmo na década retrasada com o “Amigos do Pagode 90”.
Em um bate-papo bem-humorado de cerca de uma hora na esquina mais famosa de São Paulo - avenida São João com a Ipiranga -, no centro da capital paulista, o trio recebeu a reportagem do Terra no conhecido Bar Brahma e contou como surgiu a ideia de relembrar os grandes sucessos do pagode. Até agora eles já se apresentaram duas vezes: no Carioca Club, em São Paulo, no início do mês, e em Santos, na Diamond Club, no último sábado. Resultado, casa lotada nas duas ocasiões.
O primeiro single já foi apresentado e reúne três dos grandes sucessos da chamada “era de ouro do pagode”. Os músicos optaram por lançar um pout-pourry que inclui Temporal, Recado à Minha Amada e Telegrama. Mas os três pagodeiros prometem ser apenas o começo de um grande trabalho e não descartam criar novas músicas. Apesar da união de grandes nomes do pagode, a carreira solo de cada um não deixou de existir. Salgadinho fez questão de deixar claro que o novo projeto não pretende “recuperar” seu lugar na mídia. Segundo ele, esse espaço já foi conquistado pelos vários grupos da década de 90 e nunca deixou de existir.
“Foi bom esse tempo de distância da mídia porque aprendemos a reciclar, da forma que a gente fazia talvez não fosse tão legal. Tem gente que gosta muito disso, das músicas antigas, mas o mais importante é mostrar para o novo público o trabalho. Não estamos tentando ocupar um espaço no mercado, porque sem falsa modéstia, esse espaço a gente já ocupou. É nosso e ele existe. Ninguém perde seu espaço, por isso que falo que é nosso e ele é de todos os que fazem samba, música. É um produto que já existia”, disse o ex-vocalista do Katinguelê.
Confira a entrevista na íntegra:
Terra - Por que decidiram criar esse projeto e de quem partiu a ideia?
Salgadinho - É uma ideia de muitos anos. Quando começamos nossa carreira como cantor solo nunca idealizamos isso. Sabemos trabalhar em grupo. Apesar da carreira solo ir bem, com conquistas e tudo mais, não tem a proporção que foi o nome das bandas que trabalhamos. Como nossa proposta sempre foi fazer um grupo, o Amigos 90 veio a calhar. Eu já pensava há alguns anos, conversando com o Chrigor, mas tinha que fechar com mais alguém e, de repente, o Márcio, com quem temos uma grande afinidade, surge para carreira solo.
Chrigor - Tinha que ser uma pessoa como nós. Humilde, brincalhona. Porque gostamos de trabalhar em grupo e nos divertimos com tudo o que fazemos. Pra gente tudo isso é novo, então a ideia de chamar o Márcio é porque a gente já fazia isso indiretamente. Um falava para o outro: “hoje você pode ir pra mim ali, e o Salgadinho fazia o mesmo”. Agora vou deixar o Márcio falar, porque ele é mais velho.
Márcio - Esse projeto veio para que a gente possa lembrar os anos de ouro do pagode. Com o convite do Salgado e do Chrigor, eu achei ótimo, porque é o que mais sabemos fazer. Relembrar esses anos de ouro, com os sucessos que fizeram com que a gente vendesse milhões de discos pelo Brasil e pelo mundo, inclusive com viagens ao exterior. Esse projeto veio numa época muito bacana porque todos estão vivendo os anos 90, fazendo esse “remember”. Está sendo muito bacana.
Salgadinho - A gente vê que tem a galera dos anos 70, anos 80, que é o New Wave, então certamente ia chegar os anos 90, em que o samba, o pagode foram muito bem comercialmente e na vida das pessoas. E ressaltar que é uma música que quebrou barreiras sociais. Quebramos essa barreira de sair da classe C e D para a classe A. Depois disso, muitos grupos surgiram na classe A.
Chrigor - Na verdade, a gente não acredita em classe A ou B. Acreditamos que o samba seja uma coisa homogênea. A música é assim, mas o samba tem essa particularidade de transformar tudo em festa, então, eu acredito que as pessoas que tinham um pouco de vergonha de se mostrar como sambistas ou pagodeiros, às vezes por ser de uma classe A ou B, hoje não têm mais esse problema. Desde a época de Nelson Cavaquinho e Cartola, esse povo apanhava, ia preso, morria. Era considerado coisa de vagabundo.
Márcio - Alguém precisava dar esse pontapé inicial. Muita gente tinha esses projetos e ninguém iniciou. E com o convite do Salgado e do Chrigor eu topei iniciar. Independente da carreira solo de cada um, isso vai ser um lance bem bacana para relembrar os anos 90, em que fizemos parte e pudemos mostrar nossa cara.
Salgadinho - No início eu não sabia direito o que fazer com o Amigos 90, se seria um evento, um documentário, porque tem muita gente boa, compositores que ajudaram a fortalecer o samba dessa forma. Na década de 90 foi quando as gravadoras multinacionais começaram a se interessar um pouco mais pelo samba. Sofremos um pouco no começo da década pela coisa da identificação, do samba romântico com os grupos de pagode, mas quando ficou bem claro que o povo queria muito isso, aconteceu de uma forma maravilhosa. As gravadoras ajudaram bastante nesta questão da cultura do samba. É a família do samba. Temos um grande respeito pelo berço do samba que é o Rio de Janeiro, pelos grandes sambistas de São Paulo, os que chegaram antes de nós. E o pagode 90 veio muito forte na opinião popular. São milhões de discos vendidos nesse período então as pessoas acima de 27 anos têm isso muito forte nas suas vidas, nas trilhas sonoras de paqueras e tudo mais. A década de 90 foi a última mais perto de tudo o que era mais humano, como aquelas paquerinhas de trânsito. Hoje em dia os carros são todos filmados, blindados. É a coisa da metrópole, você não vê mais isso, reunião de amigos em uma mesa de cerveja. Ficou um pouco mais frio com a tecnologia. É também o resgate dessa parte humana da relação. Queremos ressaltar a década de 90 não com saudosismo, mas para mostrar o que era legal e a maturidade que isso tomou.
Terra - Como vai ser esse projeto? Vocês farão regravações, vão criar novas músicas?
Chrigor - Está sendo tudo uma experiência nova, mesmo sendo um projeto antigo e a carreira solo como o Salgado falou, a gente já se conhecia há muito tempo e parecia que já tocávamos juntos. Então algumas coisas a gente está descobrindo, como o lance de tirar uma onda junto, compor. Mas o projeto vai ser sempre focado em cima do que já sabemos fazer. Sendo inédita ou regravação ele vai ser focado no romantismo, no bom samba.
Salgadinho - Estamos tentando manter a originalidade dos arranjos. É difícil, porque a gente vai mudando. Tem um espaço no show em que podemos mostrar um pouco da carreira solo e provavelmente vão pintar coisas muito legais e inéditas também para podermos gravar. A gente não parou de fazer música. Ficamos um pouco mais distantes do olho do furacão. Tem muita gente nova e boa fazendo um samba. Conseguimos resgatar esse espaço do pagode 90 para podermos estar de volta na mídia e com certeza vamos apresentar coisa nova.
Terra: O que vocês acham que falta para o pagode atual fazer o mesmo sucesso que fizeram nos anos 90?
Salgadinho - Eu acho que é diferente. Não falta nada. Cada um na sua época se propõe a fazer o seu melhor. Os espaços hoje são menores na mídia. A forma de divulgar mudou muito. O mercado sofreu uma mutação muito legal e interessante. No final da década de 90, as gravadoras começaram a perder a força por conta da pirataria e modernidade. Isso no mundo inteiro. Quem já fazia o trabalho independente saiu na frente. A gente tem muita experiência hoje de trabalhar independente também.
Márcio - Antigamente no nosso tempo, nos anos 90, tínhamos as gravadoras que nos apoiavam com gravação, distribuição de discos. Hoje é muito difícil, porque as gravadores se tornaram distribuidoras e cada escritório cuida de seu artista.
Salgadinho - Esse projeto tem dezenas de pessoas por trás e envolve os nossos três escritórios, com pessoas experientes que pegaram gente de gravadora, profissionais de produção de música, arranjadores. A galera está experiente. E o grande lance legal disso é a juventude que está agregada, que já sabe que o dividir é multiplicar, não é perder. Estamos nos curtindo demais e o projeto tem crescido muito. Já é maior do que a gente imaginava e o que dá pra sentir de dentro é que é muito maior que cada um. Se não fosse eu que estivesse aqui ou qualquer um dos dois, se fosse o Péricles, o Alexandre Pires, o Belo, ia ser o mesmo sucesso, Netinho de Paula, Waguinho. O pagode 90 tem muita gente boa e competente, que fazia o seu trabalho de forma bem espontânea e própria. É bem peculiar. Hoje em dia eu acho que dá pra melhorar. O que posso dizer é que o pagode de hoje está de parabéns, mas pode ter um pouco mais de propriedade naquilo. Alguns que estão começando agora, que têm potencial e que pode ser ele mesmo, em vez de fazer conforme o outro faz. Tanto para cantar como divulgar. Tem que usar a sua forma de fazer. Isso no Brasil inteiro.
Terra - Existe a possiblidade desse trio se transformar em um quarteto ou quinteto?
Márcio - Existe sim. Estamos pensando até em colocar um bloco, trazer um grande cantor dos anos 90 para fazer parte dessa história. Grupos, etc.
Chrigor - Melhor que nós três não tem, não. Não deixo ninguém passar. Só nós.
Salgadinho - O que é mais interessante é que aparenta ser um produto novo, mas não é. Algumas pessoas de dentro do mercado não acreditam em um produto como esse. Olha só, estou falando como gravadora. Isso é pesquisa, porque a gente precisa dar valor. Algumas pessoas não acreditam que um produto como esse possa dar uma resposta tão rápida, mas eles esquecem que não é novo. Não estamos tentando ocupar um espaço no mercado, porque, sem falsa modéstia, esse espaço a gente já ocupou. É nosso e ele existe. Ninguém perde seu espaço, por isso que falo que é nosso e ele é de todos os que fazem samba, música. É um produto que já existia.
Terra - Às vezes em uma mesma noite, em uma casa de shows, a Ivete Sangalo canta com Luan Santana, que canta com um pagodeiro, etc. Vocês fariam outro tipo de música, como o sertanejo?
Chrigor - Existe música boa e ruim. Se a música fosse boa e agrupasse naquilo que a gente estivesse fazendo seria ótimo. O que a música significa? É a arte de manifestar os diversos afetos mediante um som. Mandei bem, hein? A música se resume em duas coisas: a boa e a ruim. O estilo é a música que vai colocar em nós. Tanto que o Exaltasamba já gravou sertanejo, o Salgadinho também, o Márcio já gravou com João Paulo e Daniel. Mas um funk com conteúdo seria legal. Não procuramos o gênero, queremos agregar, unir pessoas que gostam.
Salgadinho - A música hoje está muito misturada. Em um instante ela se transforma, está muito globalizada. A cabeça vai mudar. A única coisa é que você toma seu café da manhã às 7h da manhã, liga o rádio e ouve: “lançamento nacional, fulano do sertanejo”, e com música boa. Às 10h da manhã, “lançamento samba”, 12h é outra, às 15h é outra. O espaço é muito pequeno.
Terra - Sabemos que vocês nunca deixaram de fazer música esse tempo todo, shows e composições. Mas podemos dizer que ficaram muito longe da fama quando comparado ao que eram nos anos 90. Como foi ficarem afastados da mídia?
Chrigor - Gosto de falar sobre isso. Existem duas imprensas: a imprensa sensata e a marrom, assim como existe a boa doutrina e a má doutrina. Então aquilo que ameaça é melhor ficar longe. Mas se a gente tivesse parado de trabalhar, as crianças não comiam. Meu filho está lindão ali, sentado. Então, às vezes aquilo que a gente não pode bater de frente a gente veta. Fomos muito vetados e mal interpretados de muita coisa. E isso não seria um desabafo, mas um esclarecimento. E para aqueles que tentaram fazer isso, não deixou com que chegasse em algum lugar. Esse trio é uma realidade daquilo que é fato.
Salgadinho - O espaço da gente, pelo grande sucesso, nos deu know-how para fazer shows praticamente no lado B da cidade. Costumo falar que existe o lado B que é a periferia, mas as pessoas esquecem que o subúrbio está muito longe de ter sua diversão legalizada, pela condição. E isso descaracteriza um pouco, por mais que tenha demanda, que o Ministério da Cultura coloque um protocolo que está sendo legal. Falta muita gente ser alcançada pelas várias culturas, que eu acho que perdeu essa linha no final da década de 90 com essa mudança das gravadoras. É mais essa questão do novo sempre vem. Foi bom esse tempo de distância da mídia porque aprendemos a reciclar, da forma que a gente fazia talvez não fosse tão legal. Tem gente que gosta muito disso, das musicas antigas, mas o mais importante é mostrar para o novo público o trabalho. Nossa música sempre foi muito espontânea.
Márcio - É a essência dos anos 90 que nunca se perdeu. Qualquer casa noturna, pode ser um público jovem, acaba cantando um sucesso do Katinguelê, do Exalta.
Terra - Vocês acham que essa nova geração vai querer ouvir e conhecer o trabalho que fizeram?
Salgadinho - Já fizemos dois shows e tinha muitos jovens, que talvez não associassem nossas imagens às músicas, mas que agora passam a saber. Dizem ‘olha, quem cantava aquela música era o Marcinho, então a primeira versão da música que vendeu 1 milhão de discos foi o Chrigor que cantou?’. Apesar do Exalta ter feito grande sucesso com o Thiaguinho. É uma história muito bonita. A gente também canta muitas músicas de outras pessoas.
Terra - Sabemos que vocês atingiram o auge na década de 90. Mas hoje em dia as pessoas ainda os reconhecem na rua?
Salgadinho - Tem muito assédio. Quando eu era símbolo sexual...
Márcio - Eu não sou bonito, mas pelo menos a voz me ajudou bastante. A minha mãe dizia ‘filho você está ficando velho e mais bonito, porque quando você era novo você era bem feinho’. E mãe é sincera e agora estou um pouco melhor do que antes. A voz graças a Deus continua a mesma, mas deu uma melhorada.
Salgadinho - A galera tem um carinho grande. Fomos fazer um programa juntos e na saída a galera não parava de falar com a gente.
Márcio - Demoramos mais tempo na saída do que no tempo de show, dando autógrafos e tal. Isso é a resposta dessa nossa nova fase. Antes disso, qualquer lugar que eu passo, o Salgado ou o Chrigor, sempre tem pessoas que reconhecem, mas não é aquele assédio de agarrar como antes, é mais suave. Falam que curtem muito a música.
Salgadinho - Você gostava mais de quando as menininhas queriam te agarrar. Fui fazer um show um dia num lugar e sempre tem um monte de “Salgadinho”, careca com os óculos na cabeça. Acho que foi lá no Recife, Fortaleza. Veio um negrão com óculos na cabeça, veio andando e subiu no palco. Quase 2 metros de altura, com os olhos cheios de lágrimas, todo suado. Me abraçou e falou ‘Salgadinho, coloca meus óculos na cabeça. Aí todo mundo disse: “agora é o Salgadinho”’. Se você for na página do pagode 90, 70% é público masculino. Era o contrário.
Terra - O que vocês esperam do projeto?
Márcio - Coisas boas. Esperamos trazer de volta uma música dos anos 90 com aquela emoção que as pessoas não sentiam há muitos anos. Isso é uma prova viva de que nos shows que temos feito, as pessoas se emocionaram. E os depoimentos que ouvimos antigamente do que a música da gente fez relacionamentos, famílias, romances. Hoje estamos tendo essa mesma resposta. É o lance de relembrar os bons tempos e passar por esse momento novamente. Queremos reviver os bons momentos, a galera tem curtido, se emocionado e a gente também. Cada música dá impressão que o Brasil está fazendo gol.
Salgadinho - A gente se propôs a nos divertir. Queremos isso. Queremos curtir essa nova fase com mais experiência de uma forma plena musicalmente. O Chrigor voltou a estudar música, eu voltei a me dedicar mais, o Márcio também tem quatro violões em casa. Queremos experiências novas musicais. Queremos ter o contato com a família um do outro. É isso. É diversão e fazer a música com pureza.