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Hollywood entre verdade e ficção em "O caso Richard Jewell"

15 dez 2019 - 13h55
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Novo filme de Clint Eastwood, sobre atentado terrorista durante Jogos Olímpicos de 1996, denuncia consequências concretas da falsificação dos fatos. No entanto, o próprio diretor toma liberdades com o histórico do caso."Baseado em fatos reais" é uma afirmativa que aparece na abertura de muitos filmes, nos últimos tempos. Estão em alta os roteiros que partem de casos verídicos e acontecimentos da história recente, seguindo o lema de que "a vida conta as melhores histórias".

Paul Walter Hauser (dir.) representa o vigia Richard Jewell
Paul Walter Hauser (dir.) representa o vigia Richard Jewell
Foto: DW / Deutsche Welle

O cineasta cult Roman Polanski não hesitou em chamar sua penúltima obra, lançada em 2017, de simplesmente Baseado em fatos reais, mesmo título do romance original. No caso, ele brincava com os diferentes níveis de significado e veracidade, explorando abertamente a relação entre verdade e ficção.

Bem diverso é o projeto do diretor americano Clint Eastwood em sua mais recente produção, O caso Richard Jewell, que chegará às telas brasileiras no início de janeiro. Aos 89 anos de idade, o veterano de Hollywood se enreda num emaranhado de interpretações, questões em aberto e acusações veementes.

O caso Richard Jewell narra um incidente transcorrido mais ou menos assim: no ano de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, realizavam-se os Jogos Olímpicos, milhares de espectadores e visitantes circulavam pela cidade. Em 27 de julho o vigia Jewell descobre no Centennial Olympic Park uma mochila abandonada, com uma bomba cilíndrica dentro.

Graças a sua presença de espírito, a área é rapidamente evacuada. Ainda assim, o artefato explode, duas pessoas morrem e mais de 100 ficam feridas. Mas a grande catástrofe fora evitada, e o vigia é devidamente celebrado como herói pela mídia.

Mas quando, após algum tempo, as investigações ficam estagnadas, o próprio Richard Jewell entra na mira do FBI. A mídia se aferra ao caso, e o antigo herói é brutalmente derrubado do pedestal: o ex-policial obeso, que vive com a mãe e possui uma grande coleção de armas, tem todas as características de um pária da sociedade. Será que foi ele mesmo quem plantou a bomba?

Imprensa e investigadores vão a público com supostos fatos que mais tarde revelam ser falsos. Durante três meses, a vida do vigia e de sua mãe se transforma num inferno: jornalistas sitiam a casa, agentes do FBI a revistam. Passam-se semanas até as investigações serem suspensas.

Quando fica claro que Jewell não é o terrorista, polícia, autoridades e imprensa emitem desculpas e desmentidos pouco veementes. Mãe e filho entram em acordo com diversos jornais para receber indenizações. Contudo o caso deixa marcas no vigia: aos 44 anos, ele morre em 2007.

O filme de Eastwood é mais ou menos uma homenagem a Richard Jewell, condenando as reações excessivas das autoridades e da imprensa. "Ele foi colocado sob suspeita pela mídia pelo fato de sua aparência e histórico combinarem com a imagem que se tinha de um terrorista, mesmo que os fatos indicassem o contrário", comentou Clint Eastwood ao jornalista Dierk Sindermann.

Por isso, o cineasta considera "muito importante a imprensa noticiar de modo factualmente correto". No caso Jewell, "todos se deixaram levar pelos próprios preconceitos", e "ele é o pior exemplo do que pode acontecer quando não se leva a verdade totalmente a sério".

Acontece que O caso Richard Jewell está sendo alvo de críticas que justamente têm a ver com narrativas erradas ou exageradas, pois também Eastwood teria tomado liberdades excessivas com os fatos. Segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, a empresa de mídia Cox Enterprises levanta graves acusações contra o diretor e o estúdio Warner Bros., que produziu o filme.

A Cox é a empresa-matriz do diário Atlanta Journal-Constitution, que na época noticiou sobre as investigações do FBI contra Jewell. Na película, uma de suas jornalistas, Kathy Scruggs, corresponsável pelas reportagens em 1996, é acusada de empregar métodos pouco lícitos.

Entre outros, consta que ela teria oferecido favores sexuais em troca de informações - uma imputação especialmente chocante em tempos de #MeToo. O jornal New York Times ressalta que nenhum relato do gênero consta, quer de artigos, quer do recém-lançado livro sobre Richard Jewell. Scruggs morreu em 2001, aos 42 anos de idade.

A Cox Enterprises enviou uma carta aberta a Eastwood, afirmando que a representação cinematográfica das ocorrências seria "errada e malévola [...] difamatória e destruidora de reputações". O Süddeutsche Zeitung afirma que agora se discute em Hollywood se, além de "baseado em fatos reais", o filme não deveria ser acompanhado do aviso de que mistura fatos e ficção, verdade e fantasia.

Assim, é possível que a nova obra eastwoodiana venha a se transformar num precedente na política de Hollywood. Depois da estreia americana e da exibição no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, O caso Richard Jewell chega às salas de exibição no Brasil em 2 de janeiro de 2020. A Alemanha terá que esperar até 27 de fevereiro.

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