Estoicismo cresce no Brasil com livros que simplificam filosofia e oferecem consolo em mundo caótico
Editoras apostam em obras que abordam pensamento de nomes como Sêneca, Epiteto e Zenão - muitas vezes explicados por autores contemporâneos; busca de respostas em outras filosofias antigas também é tendência
"Retorne a coisas mais tranquilas, mais seguras, mais importantes". "Admire os que tentam coisas grandiosas, mesmo quando caem". "Você tem poder sobre sua mente — não sobre eventos externos". Esses três pensamentos podem facilmente estampar o perfil do Instagram de qualquer pessoa, mas, na verdade, ilustram um pensamento do mundo antigo que vem ganhando cada vez mais adeptos na modernidade.
É o estoicismo, filosofia desenvolvida por nomes como Sêneca, Zenão de Cítio e Epiteto. O conceito surgiu de uma pergunta: como viver uma vida digna de ser vivida? As respostas indicaram uma rotina que foca no presente, na disciplina e que aceita a finitude.
Editoras brasileiras apostam no tema com lançamentos recentes. Durante a última edição da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, vitrine para lançamentos no mercado editorial, o assunto estava entre os destaques de grandes editoras. Faça o Certo, Faça Agora: A Justiça em um Mundo Injusto (Intrínsea), de Ryan Holiday; Lições Sobre a Brevidade da Vida (Goya), de Sêneca, e?O Jeito Estoico de Viver: Regras Simples para o Cotidiano (Latitude), de William Mulligan, eram os principais livros sobre a filosofia.
Todos eles têm uma coisa em comum: buscam, ao máximo, simplificar a filosofia estoica e adaptá-la à modernidade. O volume de Sêneca, por exemplo, leva frases curtas destacadas em letras grandes em páginas coloridas - perfeitas para uma postagem nas redes sociais - e possui uma capa divertida com desenhos no lugar dos olhos do filósofo.
"Ter uma simplicidade, uma análise mais pura da vida e uma filosofia tão antiga que ainda é tão atual, principalmente nesse caos, é muito interessante e importante. Não é só uma moda", comenta Thereza Castro, coordenadora de marketing do Grupo Aleph, que detém o selo Goya.
A editora lançou, no ano passado, Lições Sobre a Vida Feliz, também do filósofo.
Algumas outras editoras, em vez de ir direto na fonte, publicando obras originais, investem em autores que estão ajudando a popularizar o tema e a transformar os livros e as ideias em best-sellers contemporâneos.
Filosofia vira best-seller
O ex-publicitário e jornalista Ryan Holiday criou um verdadeiro império do estoicismo. Ele lidera um podcast sobre o assunto, teve seus livros traduzidos para mais de 40 idiomas e vendeu mais de 10 milhões de exemplares no mundo inteiro.
Ele resume que a filosofia é baseada por quatro "virtudes": coragem, temperança, justiça e sabedoria. Justiça, como descreve o autor em seu último livro, não era exatamente relacionada a deliberações da corte na antiguidade, mas a um comprometimento em "fazer o certo".
"Vemos que determinados valores ficam mais importantes em momentos em que, de fato, se precisa", comenta ela. "O que notamos, de maneira geral, é que todas essas crises, não só climáticas, mas políticas, econômicas e sociais da última década fizeram com que esses valores se tornassem mais importantes de novo para as pessoas."
Rebeca afirma ter visto um crescimento da procura por estoicismo no Brasil. Ao todo, a Intrínseca já vendeu 500 mil exemplares do autor - o livro mais procurado é O Ego é Seu Inimigo: Como Dominar Seu Pior Adversário, com 190 mil exemplares vendidos.
Na Aleph, também não é diferente, segundo Thereza Castro. A Goya foi criada em 2016 para abarcar livros de não ficção e, nos últimos anos, a editora percebeu a procura por livros sobre filosofia. Atualmente, obras do gênero representam 40% do faturamento da empresa.
Busca por respostas no passado cresce
Para além do estoicismo, outro tema que contribui para essa parcela do faturamento da Goya são livros de bruxaria ou com outros temas ancestrais femininos. O aumento de publicações é perceptível especialmente após a pandemia.
Do selo, um dos maiores sucessos é Mulheres, Mitos e Deusas: O Feminino Através dos Tempos, de Martha Robles, mas basta dar uma volta em livrarias para se deparar com títulos como Bruxa Natural (Darkside), de Arin Murphy-Hiscock, ou Bruxa Intuitiva (Darkside), de Temperance Alden.
Outra aposta da Goya é A Ilusão do Eu: O Encontro da Neuropsicologia Com os Ensinamentos das Tradições Orientais, de Chris Niebauer. No livro, o autor mostra a ligação entre o conceito budista de "anatta" - ou "não self" - e a psicologia moderna.
Curiosamente, a procura por livros do tipo também se conecta com a busca de respostas em costumes, ideias e ideologias ancestrais. Isso é comprovado, também, por exemplo, por livros que vivem nas listas de mais vendidos, como A Arte da Guerra (Editora Garnier), de Sun Tzu.
"A aceleração do tempo fez com que a resgatássemos pensamentos antigos e que fazem sentido", finaliza Thereza.
Serviço
Lições Sobre a Brevidade da Vida
- Autor: Lúcio Aneu Sêneca
- Tradução: Rodrigo Tadeu Gonçalves
- Editora: Goya (256 págs.; R$ 44,90)
Faça o Certo, Faça Agora: A Justiça em um Mundo Injusto
- Autor: Ryan Holiday
- Tradução: André Fontenelle
- Editora: Intrínseca (304 págs.; R$ 59,90)
?O Jeito Estoico de Viver: Regras Simples para o Cotidiano
- Autor: William Mulligan
- Tradução: Cássia Zanon?
- Editora: Latitude (220 págs.; R$ 54,90)