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Ted Danson: o mais humilde dos grandes egos de Hollywood

21 mar 2010 - 09h04
(atualizado às 09h42)
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Nas mãos de Ted Danson, a vaidade é o mais adaptável -e vantajoso- dos pecados. Misturada a certa falta de inteligência, excesso de cabelo e doçura intermitente, ela resume Sam Malone, o bartender da série Cheers, a quem ele interpretou por mais de uma década até que o seriado terminasse, em 1993.

Também pode assumir aspecto mais conspiratório, criminoso, quase venenoso, como no caso de Arthur Frobisher, o magnata decaído de Damages, que na semana passada voltou às telas para uma terceira temporada -e apenas porque Danson o torna tão diabolicamente irresistível.

Ou serve a um hedonismo inofensivo e a uma combinação de anseios tanto pungente quanto ligeiramente patética, em George Christopher, o bon vivant de Bored to Death, que quer participar de tudo e experimentar tudo. (A filmagem da segunda temporada da série acaba de começar em Nova York.)

Ao persistir na vaidade -ou melhor, retornar a ela-, Danson, 62, conseguiu conduzir um impressionante renascimento profissional, agora como o coadjuvante janota e não como o pavão que ocupa o centro de cada tomada. Ao que parece, não importa qual seja o papel, os trabalhos mais convincentes do ator são aqueles nos quais interpreta homens cheios de si.

E foi isso que tornou um almoço com ele no Monkey Bar, em Manhattan -exatamente o tipo de casa da moda que atrairia narcisistas como Frobisher e Christopher-, uma experiência tão interessante. Suas interações e comportamento sugerem constantemente que, por trás dos personagens dados a bazófias, existe um homem deferente e propenso a duvidar de si mesmo.

A hostess, ao vê-lo, disse "era você mesmo ao telefone! Imaginei ter reconhecido a voz. Você fica muito bem de blazer e jeans". Danson, ao que parece, havia telefonado mais cedo para determinar se a informalidade de seus trajes -tênis, calça Levis, uma camisa branca, um blazer preto- não violava o código da casa.

Quando o garçom perguntou o que desejava, Danson hesitou antes de pedir frango, pensou em Dover sole e acabou optando por salmão -o prato que ele realmente desejava, mas que só pediu depois de eu fazer meu pedido e descobrir que era salmão selvagem e não cultivado.

Ele não come peixes criados em confinamento -na verdade, está escrevendo um livro sobre os perigos da pesca excessiva e da criação de animais marinhos em confinamento-, mas não queria criar confusão ou embaraços para o restaurante perguntando a respeito. "É embaraçoso perguntar", ele disse, ao se acomodar em nosso reservado. "A pergunta precisa ser feita", acrescentou. "É o que defendo. Mas para mim às vezes é difícil perguntar".

Por quê? "Não sei", ele diz. "O ator carente que trago em mim?" Ele dá de ombros, contrito. Frobisher não hesitaria em comer o ator, e mais diversas espécies de peixes ameaçados, no almoço.

Considerando séries como Cheers e Becker, que protagonizou entre 1998 e 2004, Danson pode ser considerado como um dos atores de televisão de maior sucesso dos últimos 25 anos. Recebeu 14 indicações ao Emmy, e venceu duas vezes por Cheers. Mas ainda assim tem seus problemas. "Para mim, assistir ao meu trabalho é sempre difícil", diz, e demonstra sua reação típica ao trabalho que faz.

"Da primeira vez, fico obcecado com a feiúra da minha orelha esquerda, ou direita, ou com outro atributo físico, ou com ter 60 anos, ou outro problema superficial de ego que passe pela minha cabeça", diz. "Fico me sentindo horrível por não ser Cary Grant".

"Na segunda vez, eu presto um pouco mais de atenção e concluo que não fui tão mal". Só na terceira ele percebe que "ei, eu até que me saí bem, e a série é boa. Mas preciso assistir pelo menos três vezes, e minha companhia é bem desagradável enquanto isso".

Pessoas que já trabalharam ele sempre ressaltar seu humor autoirônico, ainda que digam que seja menos uma crise de confiança do que uma expressão de preocupação genuína com sua competência para realizar o trabalho.

Glenn Close, estrela de Damages, recorda a primeira ocasião em que trabalhou com Danson, em Something About Amelia, um filme para TV rodado 25 anos atrás, no qual o ator aceitou o difícil desafio de tentar humanizar um pai incestuoso. "Ele ainda estava fazendo Cheers, e recebendo elogios, mas parecia ter vergonha de trabalhar em TV", diz Close, à época atriz principalmente de cinema. "Acho que ele se sentia um tanto inferior, e quando você assiste seu trabalho -bem, não há nada de inferior, ali".

Depois de se formar em teatro em 1972, ele passou muito tempo interpretando papéis pequenos em produções de televisão tacanhas -até que conquistasse o papel principal de Cheers, em 1982.

Danson diz que demorou um pouco a se ajustar ao papel que fazia em Cheers.

"Shelley assumiu o papel sem problemas", ele diz, em referência a Shelley Long, sua parceira romântica inicial no seriado, posteriormente substituída por Kirstie Alley. "Ela se saiu muito bem desde o primeiro dia. Impressionante. Já eu demorei bem mais". Desde Cheers, Long não vem obtendo sucesso comparável ao de Danson; o mesmo se aplica a Alley, agora estrelando um segundo reality show sobre seus problemas de obesidade. Mas quando menciono o fato, ele imediatamente rebate que a crítica é injusta.

"Não estou tentando me fazer de humilde", diz, mas acrescenta que seu papel em Cheers, diferente do de suas parceiras, era funcionar como "os olhos da audiência, na verdade".

"Isso facilita as coisas depois", acrescenta, "porque você não precisou fazer nada de exagerado com seu personagem, e por isso não se torna um tipo marcado por determinado tipo de comportamento e difícil de escalar para outros papéis".

Depois de seus sucessos na televisão e cinema, Danson passou por um período desfavorável. "Eu costumava rezar que Deus me desse trabalho na mesma proporção de minha fama", diz. "Ser um nome conhecido em toda parte mas que não consegue trabalho representaria uma péssima experiência".

Por isso, aproveitando a segurança financeira propiciada pelo sucesso de Cheers, ele aceitou as oportunidades interessantes que surgiram, mesmo que não fossem papeis principais. Para ele, diz Danson, explorar outros formatos que não a comédia de situação tradicional valia a pena.

Curb Your Enthusiasm, o seriado do comediante Larry David, teve parte importante nessa virada, ainda que Danson e sua mulher Mary Steenburgen, amigos do astro do show, tenham sido escalados para interpretar a si mesmos. O sucesso da experiência provou que Danson não fazia questão de estar no centro das atenções, aceitava propostas ousadas de trabalho e continuava bem sintonizado.

Isso certamente atraiu a atenção dos criadores de Damages. Segundo Glenn Kessler, produtor e co-criador da série, "escalar Ted como vilão, como um executivo venal e narcisista era algo que as pessoas não imaginavam".

Os criadores de Damages inicialmente escreveram a série para durar apenas uma temporada, e por isso Frobisher morria no episódio final. Mas a qualidade do trabalho de Danson era grande demais para que isso fosse aceitável quando o seriado foi renovado por mais uma temporada, e por isso ele terminou ressuscitado ¿em função menos central à trama, mas ainda vaidoso.

Em Bored to Death, ele também excedeu os limites pretendidos para o seu papel. "Originalmente, eu achava que ele teria uma ou duas páginas por episódio", diz Jonathan Ames, o criador e redator-chefe da série. "Mas quando o vi no piloto percebi que tinha de escrever muito mais cenas para ele".

Danson diz que os últimos anos foram muito felizes para ele, pessoal e profissionalmente, mas que o lado ruim de Bored to Death é que as gravações o mantêm distante de Steenburgen. "Preciso me convencer de que não estou deprimido; o meu nível de endorfina é que caiu porque não estou dormindo com ela", diz.

Em uma reunião com seu editor, logo antes do almoço, ele falou com animação sobre seu livro, e sugeriu para a capa uma foto sua ao estilo Jesus, com o título Danson on Water. Mas mal fez a sugestão ele correu a esclarecer que era uma piada -que ele jamais aceitaria algo tão vaidoso.

E quando saímos para o almoço ele retornou ao seu estilo habitual, criticando seu vegetarianismo ocasional. "Sou de Los Angeles", explicou. "Sou ator. Sou maluco. Ninguém deveria contar em que eu mantenha opiniões de mês a mês". A menos que a pessoa esteja contando com autoironia.

Foto: Getty Images
The New York Times
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