'Salve Rosa', com Klara Castanho, confronta a exposição infantil nas redes: 'Discutindo limites'
Susanna Lira reflete sobre pais, filhos e a promessa de sucesso nas redes sociais
Existe um momento em que o sonho vira pesadelo? Quando a inocência de uma criança se perde entre likes, comentários e a pressão por manter-se relevante? É justamente nessa fronteira delicada e perturbadora que Salve Rosa constrói sua narrativa - um thriller psicológico que estreou nos cinemas nesta quinta-feira, 23, como um espelho inquietante da relação com as redes sociais e a infância.
Dirigido pela premiada cineasta Susanna Lira, o filme nasceu de uma inquietação da produtora Mara Lobão sobre como as plataformas digitais vêm transformando a vida das crianças.
"Percebi que havia algo muito forte e perigoso acontecendo quando crianças passaram a ser tratadas como marcas, como produtos", explica Susanna. O resultado é uma história que investiga essa zona cinzenta entre exposição e perda da inocência, construindo um suspense que reflete a tensão constante entre o brilho das câmeras e as sombras que ele projeta.
Entre performances e vulnerabilidades
No centro da trama está Rosa, vivida com sensibilidade por Klara Castanho - que levou o prêmio de Melhor Atriz no Festival do Rio. Aos 13 anos, a personagem já carrega nas costas o peso de uma carreira digital, sustentando expectativas que seriam desafiadoras até para adultos. Ao lado dela, Karine Teles interpreta Dora, sua mãe - uma figura complexa que equilibra amor e controle, proteção e exploração.
"Klara é uma atriz de enorme sensibilidade e inteligência cênica. Trabalhamos muito a ideia de 'duas Rosas': a que aparece na tela, performática e cheia de confiança, e a Rosa íntima, silenciosa, que tenta entender quem é fora das câmeras", conta a diretora. Esse trabalho delicado resultou em uma performance que captura o que há de mais bonito e mais assustador em uma geração que vive sob a lente constante.
Se Rosa é o coração do filme, Dora é sua contradição mais humana. A personagem de Karine Teles não é vilã nem heroína. "Dora carrega uma contradição muito humana: o amor e o controle se misturam. Ela quer o melhor para a filha, mas ao mesmo tempo está cega pela promessa de sucesso", explica Susanna.
O trabalho conjunto da atriz e da preparadora de elenco Maria Beta Perez construiu a personagem a partir de um lugar de fragilidade e desejo. "Karine entende que a mãe de Rosa também é vítima de um sistema que empurra todos para o espetáculo", completa a diretora. O resultado é uma figura dolorosa, mas compreensível dentro da lógica que transforma afetos em capital.
Um espelho para a sociedade
Para dar verdade à história, Susanna mergulhou em vídeos de influenciadores mirins no Brasil e no exterior, estudos sobre a "economia da influência" e a lógica perversa das plataformas digitais. O filme aborda a adultização infantil, um fenômeno grave e naturalizado, mostrando como crianças incentivadas a performar versões idealizadas de si para milhões de pessoas perdem algo essencial: o direito ao erro, à vulnerabilidade, à construção da própria identidade no tempo certo.
"Rosa tem 13 anos, mas já é cobrada como uma adulta, como uma profissional do entretenimento. Isso reflete uma realidade assustadoramente comum", observa a cineasta. O filme não pretende demonizar as redes sociais, mas provocar reflexão sobre o que estamos fazendo com nossas crianças e o que o espelho virtual está devolvendo para nós como sociedade.
Embora seja uma obra de ficção repleta de reviravoltas - o filme também conquistou os prêmios de Melhor Longa-Metragem pelo Júri Popular e Melhor Figurino no Festival do Rio - Salve Rosa levanta debates urgentes sobre hiperexposição infantil, o universo dos influenciadores mirins e o papel dos pais nesse cenário digital.
"Acredito que o filme chega num momento muito necessário. Estamos finalmente começando a discutir os limites da exposição infantil, a responsabilidade dos adultos e o impacto psicológico desse ambiente digital", afirma Susanna. Sua expectativa é que o público saia do cinema tocado, desconfortável e disposto a repensar seus próprios hábitos. "Se isso acontecer, o filme terá cumprido seu papel.