Documentário '5 Casas' de Bruno Gularte Barreto é retrato refinado e comovente
Filme ressignifica o passado do cineasta a partir da memorabilia encontrada na casa do avô, em Dom Pedrito
ESPECIAL PARA O ESTADÃO - É um filme belíssimo, e se não fosse por Marte Um - que ganhou a indicação do Brasil para tentar uma vaga no Oscar - seria, talvez, o melhor filme brasileiro do ano. 5 Casas é um doc nas bordas, narrado em uma estrutura ficcional. Permanece em cartaz, num único horário, no Espaço Itaú Augusta, em São Paulo.
As cinco casas localizam-se em Dom Pedrito, na fronteira gaúcha. Menos de duas horas de carro e o viajante chega a Livramento, separada de Rivera, no Uruguai, por uma rua e uma praça, apenas. Na apresentação do filme na Mostra Gaúcha do recente Festival de Gramado, o diretor Bruno Gularte Barreto resumiu a história.
Narrativa
Pedritense, ele deixou a cidade após a morte dos pais. Ao partir, Bruno e os irmãos deixaram toda a memorabilia armazenada num galpão, na fazenda do avô. Vinte anos depois, o vento arrancou parte do telhado. Bruno voltou. Não reencontrou só as caixas. Reencontrou a cidade, as pessoas que deixou para trás, o menino que foi. Em 5 Casas ele ressignifica as próprias lembranças, seu passado. "Saí achando que era para sempre. A volta me mostrou que as pessoas não eram como eu pensava na minha imaginação. E contando a história delas, contaram a minha."
O filme nasceu como parte de um projeto maior, que engloba também um livro de fotos e uma exposição realizada no Museu de Arte do Rio Grande do Sul. As cinco casas vão revelando as/os personagens. A freira obrigada a partir e que desencadeou um movimento popular pela sua permanência. O gay que evoca o abuso, o preconceito. A proprietária de uma casa na zona central. A especulação imobiliária chegou a Dom Pedrito e ela sofre pressão para vender o terreno. É chamada de louca. Difícil não pensar na Sônia Braga de Aquarius, de Kleber Mendonça Filho. O homem, analfabeto e solitário, que trabalhou a vida toda na fazenda, dormindo no chão, com os cachorros, e os filhos que conseguiu educar.
Há personagem que já morreu e o filme revela um dado preocupante - Dom Pedrito possui elevado índice de incidência de câncer entre os habitantes. Efeito dos agrotóxicos? Os cinco viraram os doidos, os esquisitões da cidade. Sofreram uma espécie de apagamento que Bruno agora anula, revitalizando, e ressignificando as velhas histórias e lembranças. Não é preciso evocar Marcel Proust e a busca do tempo perdido - e reencontrado - para sublinhar a universalidade do filme de Bruno Gularte Barreto. O filme foi feito com refinamento. Possui camadas. Permanece com o espectador sensível muito tempo após a projeção.