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'A Estrada': pai e filho se aproximam após desastre

1 dez 2009 - 16h31
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Porrada ou choradeira? Fogo ou gelo? Felizmente, as pessoas que forem ao cinema nos Estados Unidos e estiverem interessadas em refletir sobre o fim do mundo podem selecionar cenários muito mais elaborados do que essas escolhas simples e tradicionais.

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Você pode suportar o barulho e espetáculo de 2012 de Roland Emmerich, com suas profecias maias e neutrinos perversos, ou, se estiver num estado de espírito mais estóico, você pode se submeter à garoa cinzenta de A Estrada (cuja estreia no Brasil acontece dia 12 de fevereiro), adaptação do diretor John Hillcoat e do roteirista Joe Penhall de uma fábula austera e arrepiante de Cormac McCarthy sobre a aproximação pós-apocalíptica de pai e filho.

Esses dois filmes - o sucesso de ação clichê e o honesto e erudito aspirante ao Oscar - convergem em uma questão séria e angustiante. Após uma catástrofe planetária, como a humanidade sobreviverá? Não a espécie em si, mas o repertório de comportamentos e impulsos que gostamos de pensar que nos separa dos outros animais.

O pai sem nome em A Estrada conforta seu filho dizendo-lhe que os dois estão "carregando o fogo". Uma imagem similar é invocada quase no final de Onde os Fracos Não Têm Vez, filme dos irmãos Coen baseado em outro livro de McCarthy, e em ambos os casos ela sugere a decência frágil que uma minoria justa deve proteger das forças do caos e do mal. As chances de êxito não são grandes e a pergunta sobre se a esperança é uma questão de fé robusta ou ilusão persistente permanece em aberto.

Pai e filho, interpretados por Viggo Mortensen e o maravilhosamente sensível jovem ator Kodi Smit-McPhee, perambulam por um mundo arruinado por um cataclismo não especificado. Alguns flashbacks de alívio e luz do sol invocam o passado, quando havia uma mãe em cena, encarnada de modo brilhante por Charlize Theron. Então algo acontece - uma guerra nuclear? Desastre ambiental? -, resultando em muitos mortos, levando a mãe ao desespero e destruindo a civilização que aqueles de nós no conforto das salas de cinema dão como certa.

O aspecto mais impressionante de A Estrada é a plenitude com a qual os cineastas conceberam essa paisagem triste e destruída de uma sociedade moderna reduzida à selvageria. Uma névoa suja e úmida paira sobre tudo, e ao invés de um canto de passarinho, ouve-se um rangido assustador e o estrondo de árvores caindo. Veículos abandonados pelas estradas, casas saqueadas e vazias, e o que antes eram cidades são imagens de violência e ruínas.

A única coisa mais assustadora do que as estradas vazias e abandonadas é a possibilidade de encontrar pessoas nelas, provavelmente predadores e não possíveis companhias. (No entanto, como essa é a terra de Cormac McCarthy, chegamos a encontrar um velho quase cego que fala usando charadas e é interpretado por Robert Duvall.) O pânico que deve ter tomado conta dos primeiros dias de destruição há muito tempo cedeu lugar para a ansiedade cansada de pai e filho, e no caso do menino, medo constante. Essa é uma vida normal: o hábito desesperado de vasculhar o lixo pontuado por episódios de extremo perigo e momentos ocasionais de boa sorte.

Eles não são os únicos humanos sobreviventes, mas o pai divide os remanescentes em bons e maus. Na segunda categoria estão gangues nômades de canibais, que evocam zumbis comedores de carne humana em um filme de terror. E A Estrada, em seus momentos de maior privação e suspense, partilha algumas das emoções apavorantes e oportunidades alegóricas desse gênero.

Mortensen, de aparência cansada e assombrosa, intensifica o realismo. Um ator extremamente quieto e reflexivo, ele é especialista em fazer personagens improváveis - um guerreiro da Terra Média em O Senhor dos Anéis, um mafioso russo em Senhores do Crime, um pai com um segredo em uma cidade pequena em Marcas da Violência - parecerem extensões naturais de sua própria personalidade. Na prosa floreada e rarefeita de McCarthy, o pai é mais um axioma do que um enigma, a personificação da rígida estabilidade paternal parcialmente humanizada por dúvidas e defeitos. Mortensen coloca conteúdo e alma por trás dos olhos exaustos e aterrorizados.

Mas A Estrada, embora muitas vezes poderoso, e dinamizado por uma premissa genuinamente problemática, é prejudicado por concessões e meias medidas. Isso se deve mais a alterações de ênfase e tom do que a mudanças feitas na história - o roteiro de Penhall segue o romance com a fidelidade de um cão de caça. A intermitente trilha sonora orquestrada de Nick Cave e Warren Ellis é musicalmente inofensiva, mas a maneira com que ela é usada suaviza cenas cruciais, transformando o sublime em sentimental.

Pode parecer perverso reclamar que a visão de um quase extermínio humano não seja suficientemente sombria. Afinal, até mesmo o livro de McCarthy oferece algumas pitadas de consolo. Mas para que elas signifiquem algo, o terror completo da situação precisa ser compreendido e o desespero ter o seu lugar. O filme reluta em ir tão longe e, como o personagem de Mortensen, oferece um alento que pode parecer um pouco desonesto. A diferença é que o pai está lutando para não perder o filho, enquanto os cineastas estão lutando para não perder seu público.

E, na maior parte, eles têm êxito. A Estrada é cativante e em alguns momentos impressionante, um filme muito bom que é decepcionante na mesma medida que poderia ter sido ótimo. Será que é dessa forma que o mundo acaba? Com aplausos educados?

Foto: Divulgação
The New York Times
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