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Ira Sachs dirige Isabelle Huppert em 'Frankie'

Diretor americano abandonou a locação de seus últimos filmes, Nova York, para trabalhar com a atriz francesa em Portugal

21 out 2019 - 07h11
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Com seu trabalho em, dupla, o diretor Ira Sachs e o roteirista Mauricio Zacharias já desenvolveram uma assinatura com seus filmes que se passam em Nova York - O Amor É Estranho, Melhores Amigos. Frankie, uma das atrações desta segunda, 21, na Mostra, não é o melhor deles, mas tem qualidades suficientes para justificar a ida ao cinema, mesmo num evento que sempre oferece destaques (mais) substanciais. Justamente hoje temos a estreia do novo filme de Júlia Rezende, Depois a Louca Sou Eu, e um Arturo Ripstein, O Diabo entre as Pernas, e o problema é que esses dois passam quase no mesmo horário.

Num breve encontro no Teatro Municipal - na sessão de Três Verões, o ótimo filme de Sandra Kogut com Regina Casé - fiquem atentos para as próximas exibições -, a produtora Marisa Leão disse que se trata de um 'spin-off' de Ponte Aérea e a própria Júlia disse que Letícia Colin está "ma-ra-vi-lho-sa", o que, vindo dela, é um grande elogio. Ripstein talvez seja o maior diretor mexicano, ou era antes que Alejandro González-Iñárritu e Alfonso Cuarón adquirissem tanta projeção internacional.

Ripstein também tem uma parceira, a roteirista Paz Alicia Garciadiego, com quem revisitou algumas vezes o melodrama e teceu fascinantes retratos de mulheres. El Diablo entre las Piernas - o sexo - constrói-se sobre dois personagens básicos, o Velho e Beatriz. Envelheceram juntos, odiando-se, mas o desejo fala mais alto. Seguiriam pela vida se não fosse a doméstica, que toma partido por um dos lados da relação e precipita uma tragédia. De Castelo da Pureza, de 1973, a As Razões do Coração, de 2011, passando por O Império da Fortuna, Rainha da Noite, Profundo Carmesí e A Perdição dos Homens, Ripstein construiu uma obra apaixonante a que O Diabo entre as Pernas pode agora acrescentar novo marco. As referências assim o indicam.

De volta a Ira Sachs. Muita coisa muda no novo filme, incluindo a paisagem, porque ele troca Nova York por Sintra, em Portugal, onde Frankie reúne a família num dia muito especial. Você já viu esse filme, ou pelo menos conhece o formato. Nunca o viu com esse elenco. Frankie, ou Françoise, é uma famosa estrela interpretada por Isabelle Huppert, cuja primeira frase de diálogo é "Mas eu sou fotogênica." E é, todos sabemos. Frankie está na piscina quase nua, a neta diz que podem haver 'paparazzi' por perto, e ela lixa-se. Poderia ser a própria Isabelle, a mais blasé das celebridades. Frankie reúne o clã familiar nesse dia ensolarado, na praia. A filha cujo casamento está em crise, o filho, que ela espera unir a uma amiga, mas essa chega acompanhada pelo novo namorado, um assistente que sonha dirigir o primeiro filme, quem sabe com a anfitriã. O público conhece parte do elenco que cerca Isabelle - Marisa Tomei, Jérémie Renier, um habitual dos filmes dos irmãos Dardenne, Greg Kinnear. Marisa é quase um fenômeno - ganhou o Oscar muito cedo na carreira, por Meu Primo Vinny, no começo dos anos 1990, mas é na maturidade, na meia idade, que está esplendorosa.

Aos 54 anos, está mais bela que nunca, como mostram seus papéis recentes - como a tia May do Homem-Aranha (Tom Holland). Renier, como o filho, e Vinette Robinson, a filha, talvez sejam os melhores em cenas, mas Isabelle é sempre uma força do cinema, senão da natureza, com uma capacidade incrível para se reinventar. Frankie tem um motivo para reunir a família (e a amiga). Tratou-se de um câncer, que parecia curado, mas a doença voltou e existem indícios de que não haverá ano que vem.

Um situação parecida foi vista há pouco em É Apenas o Fim do Mundo, do canadense Xavier Dolan, em que Gaspard Ulliel volta para casa para anunciar que está morrendo - e despedir-se - e sua presença acirra velhos conflitos, reabre feridas não cicatrizadas.

O tom no Ira Sahs é menos estridente - no fim do dia a filha e o marido parecerão ter resolvido seus problemas -, e a família e a amizade, face ao desgaste do tempo, serão uma espécie de refúgio para Frankie.

Talvez seja um filme melhor em partes que no todo, mas tem cenas tão bonitas, e tão bem interpretadas, que será um prazer, mesmo que eventualmente doloroso, assistir a essa crônica de família.

Estadão
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