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Exclusivo: "quero cantar até morrer", diz Gilberto Gil

No camarote Expresso 2222, em Salvador, o cantor fala com o Terra sobre música, política cultural e Carnaval

2 mar 2014 - 08h47
(atualizado às 09h03)
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Gilberto Gil curte a festa no Camarote Expresso em Sergipe
Gilberto Gil curte a festa no Camarote Expresso em Sergipe
Foto: Wagner e Flavio Cansancao / AGF Pontes / Divulgação

Na hora marcada para ser recebida no badalado e confortável camarote Expresso 2222, a equipe do Terra encontra o cantor, compositor, multiartista, ex-ministro da Cultura e ativista político Gilberto Gil, batendo um despretensioso papo com algumas funcionárias de serviços gerais contratadas para a manutenção do espaço. Disciplinado, atende prontamente o pedido de falar com a imprensa, mas, quando agarra num de seus assuntos prediletos – política cultural –, Gil esquece que está acontecendo um Carnaval lá fora e se desvela num extenso bate-papo, como se fosse uma aula magna, que contempla todos os lados da questão.

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Interrompido aqui e ali – ora para atender ao pedido da atriz e fã Fernanda Paes Leme para fazer com ele uma foto, ora para se preparar, a pedido de sua mulher e empresária, Flora Gil, a fim de receber o prefeito da cidade, ACM Neto, e o senador Aécio Neves –, Gil concedeu mais uma das suas entrevistas memoráveis ao Terra, que ele considera “meu compromisso de trabalho anual, sério, que tenho com vocês”, como afirmou ele, ao ser interpelado por sua assessoria para alinhavar o que dizia e atender aos demais profissionais de comunicação ali presentes.

E saiu de tudo um pouco: sobre seu projeto de 2014, que será lançar um CD de músicas de João Gilberto; ao estado da cultura no país; e, claro, sobre Carnaval. “Estou velho para cantar no circuito, Márcio Victor me representa!”, brincou ele, antes de dar por encerrada a entrevista e ir cuidar de seus afazeres como anfitrião de um dos camarotes mais cobiçados da folia soteropolitana.  Com vocês, Gilberto Gil.

Terra – Este ano você vai se apresentar no Carnaval de Recife. Você compartilha a opinião de que o Carnaval de Recife, sim, é um Carnaval popular, em detrimento ao de Salvador, ou cada um tem o seu modelo?

Gilberto Gil – Cada um tem o seu modelo. Eu não tenho preferência. Pernambuco teve o interesse em manter mais fortemente a diversidade das manifestações de Carnaval, os Maracatus, os caboclinhos, os blocos de frevo-canção, todas essas coisas. Criou os espaços especiais nas áreas da cidade, tem o Carnaval de periferia – que em Salvador também tem, só que lá se manteve mais forte porque não houve essa absorção dos dois circuitos, que há aqui em Salvador. Outra coisa que provocou uma diferenciação forte entre o Carnaval daqui e o de lá – e que também é o responsável por esta absorção e concentração maior nos dois circuitos – é o investimento nas estrelas. O Carnaval de Salvador, a transformação dos trios elétricos a partir de Moraes Moreira, Baby, Sarajane, ou seja, a partir do surgimento dos cantores de trio, e das estrelas ocuparem o espaço do trio, se tornando atrações muito magnéticas nos dois circuitos. Isso, de uma certa forma, esvaziou um pouco o Carnaval da periferia. Enquanto que no Recife, não. Mas, ao mesmo tempo, todo o sistema moderno de comunicações, de publicidade, induz a população da periferia a querer o star system. Todo mundo na periferia de Salvador quer ver Ivete, quer ver Márcio Victor, quer ver Harmonia do Samba... E quer ver no lugar onde todo mundo vê, onde estão as televisões. Essa é uma das diferenças em relação a Recife.

Terra - Mas a diferença entre esses dois modelos de Carnaval não é, necessariamente, uma coisa ruim, ou sim?

Gilberto Gil - Como tudo, tem seu lado bom e ruim. O fato, por exemplo, de que há um acúmulo de estrelas ou de postulantes nesses dois únicos circuitos em Salvador impede os trios pequenos ou os blocos afros. Toda essa queixa de que as estrelas dominam eu acho razoável, porque isso, de fato, ocorre. Ao mesmo tempo, aquela outra questão, a do pessoal da periferia que vem pra Barra e pra Avenida e pode participar desse Carnaval estrelado é positivo. Tudo tem seu lado bom e seu lado ruim. As iniciativas atuais da prefeitura, no sentido de garantir território para essas pequenas manifestações – hoje (na sexta), mesmo, teve o Furdunço, que vai ter aqui (na Barra) na segunda-feira, também... São percepções que a organização do Carnaval vai tendo com relação a esse risco de extrema concentração do Carnaval estelar. Já tem o Brown com o Afródromo... Todas essas coisas. Ao mesmo tempo, o pessoal do Recife perde essa coisa do trio elétrico, da massa dançando atrás do trio, isso que a Bahia tem muito forte. Lá é mais como um grande festival de música.

Terra – Gil, não sei se você está ao tanto do cancelamento da apresentação de Moraes Moreira no Carnaval de Salvador...

Gilberto Gil – Eu ouvi falar. Mas não sei bem o que é que foi.

Terra – Ele conseguiu dois patrocínios, da prefeitura e do governo do Estado, e o Estado retirou o patrocínio, por conta desta duplicidade. E, por isso, ele alegou que não ia conseguir fazer o Carnaval. Isso comprovaria que o Carnaval é um modelo que ainda prescinde do Estado?

Gilberto Gil – Do Estado, sim, para policiamento, saneamento... Mas, no apoio ao artista, não sei se ainda é necessário. Um dos papeis do Estado nessa área da cultura, em geral, é exatamente apoiar os menos aquinhoados, os que têm menos acesso a patrocínios, os que representam menos os interesses estéticos e comerciais da área do patrocínio. Isso é uma coisa da política cultural, o ano todo, em qualquer momento. Era uma das questões nossas no Ministério da Cultura, é a questão das secretarias de cultura, é a questão do orçamento: ter orçamento para poder fomentar áreas fragilizadas do mundo cultural. Agora, nesse caso específico, não sei se se aplica, porque Moraes Moreira é uma estrela. E há anos que ele está aqui, está no Carnaval de Recife, está em todos os lugares, enfim... Também sempre foi patrocinado... Não sei direito, é difícil saber porque que houve essa dificuldade.

Terra – Já que falamos em política cultural, fez onze anos daquele seu célebre discurso de posse no Ministério da Cultura, em que você implantava as bases de um novo pensamento para o fazer político da cultura brasileira. Hoje, com essa distância temporal, como você avalia a situação deste pensamento e da cultura brasileira?

Gilberto Gil – Um dos argumentos do mercado e mesmo da gestão de Fernando Henrique Cardoso – que foi quando se fez e se aperfeiçoou a Lei Rouanet –, o argumento era de que o mercado dá conta. Mas essa coisa de fomentar a presença do mercado através da lei de incentivo acabou tendo limites, porque volta a velha questão: o que é que os patrocinadores querem? Eles querem os artistas que já estão com maior visibilidade, que já estão ligados a uma dimensão emergente da sociedade, que já podem estar associados a um consumo suntuoso. Preferem isso a fomentar quem não obedeça essa lógica. Ainda que aqui e ali você tenha políticas empresariais de compromisso com a responsabilidade social via cultura, isso não dá conta, porque a empresa, a grande marca, vai estar sempre buscando áreas luminosas, áreas bem iluminadas pra associar o seu trabalho. Porque o objeto delas é o consumo. O papel do Estado aí entra, exatamente via orçamento, para poder operar nesse campo fragilizado da cultura. E esta ainda é a grande questão hoje em dia. Os orçamentos municipais, estaduais, o orçamento do Ministério da Cultura, que ainda são precários, ainda não dão conta de todo esse conjunto da diversidade cultural brasileira que precisa ser apoiada. Apesar de algumas empresas adotarem o conceito de responsabilidade social e aderirem às políticas públicas, inclusive aumentando as parcerias com o Estado, etc, ainda assim tá longe de ser satisfatório. E, portanto, cabe ao orçamento, ao dinheiro público, ao dinheiro do contribuinte, ainda cabe muito ao Estado, através desses recursos, realizar a complementação que é preciso ser feita para apoio à área cultural.

Terra – Mas e o pensamento do Estado para a cultura, a partir de sua saída e na gestão de Ana de Hollanda, e agora com Marta Suplicy, evoluiu naquela perspectiva que você imprimiu, de uma política pública de Estado que fosse estruturante e permanente, ou ainda é algo em que se está tateando? Porque o orçamento se reflete nisso...

Gilberto Gil – Sim, se reflete nisso. E essa postura, esse posicionamento político do Estado reflete na questão de forçar o Ministério e as secretarias da Fazenda a serem mais generosos, a abrirem seus cofres para suplementar os orçamentos culturais de forma mais generosa. Eu acho que isso, de certa forma, é uma discussão que se instalou muito fortemente no meu período, no período do Juca, e que continua. O fato de termos feito um Sistema Nacional de Cultura, que exatamente articula municípios e estados, vem tendo um peso muito grande. Mas a sociedade brasileira, de um modo geral, ainda não autoriza com ênfase o Estado a impor esse seu papel político. Ainda não há muita consciência da cidadania cultural. Dessa importância da cultura. O Carnaval é um desses exemplos. São João... Tantas outras coisas, blocos, manifestações culturais da periferia de um modo geral, o tempo todo, o ano todo, movimentos como o funk, no Rio, o hip hop em São Paulo, que precisam, que não são áreas já cobertas por este manto da ostentação (risos) – não é essa palavra que está sendo usada agora (risos)? Então, esses precisam ainda de proteção. E é via orçamento. É via política pública. Não necessariamente só orçamento, mas política pública. Por exemplo, parceria público-privada: muito importante que o Estado tenha políticas públicas que atraiam o empreendedor privado, o capital privado, para que ele venha se associar a fazer essas parcerias. Mas é difícil, num mundo onde a publicidade privilegia o ostentatório, o suntuário... As coisas que ficam escondidinhas, que não têm uma lógica de mercado, não têm a lógica da hiperexposição, enfim, aqueles que querem só cantar a sua musiquinha, dançar... Só querem preservar a possibilidade de existência da sua manifestação cultural. Essa gente é desprotegida pela própria natureza do sistema mundial, atual! Que é todo fundado no consumo, na publicidade, no suntuário, no ostentatório, etc.

Terra – Mas as manifestações periféricas também têm adotado os símbolos da ostentação, como o pagode baiano, que surge da periferia e hoje tem a figura do ‘patrão’, que se veste como um gangster rapper...

Gilberto Gil – Mas porque adotam esses símbolos? Porque se miram no espelho da sociedade americana, da sociedade europeia, dos grandes rappers, do Jay-Z, da Beyoncé... Todo mundo acha que é por aí, então tem que ganhar cada vez mais dinheiro, tem que cada vez ter mais... Tem que se descolar daquilo que o criou, para ter ascensão social, socioeconômica, cujo modelo exemplar no mundo, mais referenciado e referencial é o americano, o hegemônico. Então, é isso que os meninos querem. Uma boa parte dos meninos, no Rio, São Paulo, nas favelas, em todo o lugar.

Terra – E isso pode matar a cultura popular, as manifestações populares?

Gilberto Gil – Não creio que mate, por conta da consciência de que é necessário continuar existindo a cultura natural das pessoas. Por isso que nós estamos falando aqui (risos). Não é uma coisa assim, que vá desaparecer. É a mesma questão da ecologia: vamos acabar com os rios, com os mares, com tudo? A ameaça é séria, mas os cuidados também estão cada vez maiores, há uma discussão cada vez mais política, há uma insistência no sentido de que se tome mais consciência, e que essa consciência leve a posicionamentos mais severos da sociedade. Isso vale pra cultura, meio ambiente, para tudo. Mas as ameaças são muito grandes de que essa hegemonia e essa homogeneização prevaleçam.

Terra – E a cultura digital termina contribuindo para essa homogeneização?

Gilberto Gil – Também, mas ao mesmo tempo você vê que a reação do mundo corporativo é muito grande no sentido de tomar, absorver e dominar a internet. A discussão de agora sobre o Marco Civil da internet é uma discussão séria, seríssima. Essa tensão para a tendência monopolística dos grandes conglomerados internacionais que vão comprando os pequenos, as start-ups, comprando todos que estão começando, isso é o mesmo perigo que já existiu com relação ao capitalismo industrial e financeiro. O perigo só desaparecerá no momento em que a sociedade conseguir reunir os meios de reagir a essa hegemonia, a essa homogeneização e a esse monopolismo.

Terra – E o Gil artista, tem que projetos para 2014?

Gilberto Gil – Eu vou lançar o disco que eu fiz com regravações de João Gilberto agora em março, logo depois do Carnaval. Os shows de lançamento vêm em seguida. Fiz esse disco com o Bem Gil e com Moreno Veloso, que produziram. E os shows vão ser feitos com Bem, ele e mais dois músicos vão estar comigo.

Terra – Já o Gil político, pensa em voltar à vida pública em algum cargo?

Gilberto Gil – Não, não... Votar já é muito! Já está de bom tamanho. Votar e, eventualmente, aqui e ali, caminhar junto com algum político... Por exemplo, nessa eleição próxima quero continuar caminhando com Marina (Silva, Rede Sustentabilidade). Pra onde ela for eu vou atrás, e até onde ela for, eu quero ir. Eu tive com ela na eleição anterior, quando ela surgiu, quando se manifestou postulante.

Terra – Em suas entrevistas recentes você tem falado muito sobre velhice, isso tem sido um tema recorrente...

Gilberto Gil – Mas eu já estou velho, eu sou um homem velho (risos)! Já estou aí com 70... É a velhice, mesmo (risos)! Mas não penso em me aposentar, não. Vou continuar cantando até morrer, isso eu quero – continuar cantando até morrer. Mas, cantando adequada e equilibradamente, conformidade conforme a idade, que é uma frase que gosto muito. Vou continuando ativo, mas em conformidade conforme a idade. Por exemplo, trio elétrico, que fiz por vários anos, as pessoas perguntam se não vou voltar a fazer, mas eu não posso, eu não aguento. Como vou fazer trio elétrico nessa competição violenta com Márcio Victor? Deixa ele! Ele me representa (risos)! 

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Fonte: Especial para Terra
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