PUBLICIDADE

Sem incentivos, capoeira resiste nas periferias de Salvador

Projetos sociais como o Motumbaxé Mirim se tornam divisores de água ao proporcionarem atividades esportivas para crianças e jovens

17 mai 2022 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários

Princípios sobre moralidade, cidadania, disciplina, educação e saúde são trabalhados na prática esportiva. Além disso, o esporte se encaixa também como uma forma de lazer. E dessa forma, pode atuar como um importante aliado no desenvolvimento dos jovens. Apesar de poucos esportes estarem disponíveis nas periferias, a capoeira, uma prática historicamente de resistência e periférica, persiste e alcança os jovens de classe baixa. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, os jovens entre 15 e 29 anos correspondem a 23% da população brasileira, somando mais de 47 milhões de pessoas. Sendo, de acordo com o Atlas da Juventude, a maioria negra e residente das periferias. 

“Sou praticante de capoeira desde os 12 anos de idade. A capoeira é e está sendo na minha vida um divisor de águas, pois por meio dela eu consegui ser um cidadão pertencente na sociedade, e por esse motivo hoje sou formado em Educação Física e realizo aulas particulares e em projetos sociais na minha comunidade”, afirmou o professor de educação física Marcos do Sacramento, 37, mais conhecido como Mestre Atrevido, morador de Sussuarana, bairro de Salvador.

Aula de capoeira do grupo Pé de Biriba, com o professor Atrevido
Aula de capoeira do grupo Pé de Biriba, com o professor Atrevido
Foto: Reprodução

Apesar de atrativo e efetivo no desenvolvimento físico e mental de jovens, as periferias estão cada dia mais carentes de iniciativas que incentivam o esporte. E dessa forma, a prática esportiva se torna cada vez mais elitizada e uma possibilidade distante para pessoas mais pobres que buscam uma atividade, especialmente no contraturno escolar. 

Diante dessa realidade, projetos sociais como Motumbaxé Mirim, o qual Atrevido contribuiu como professor de capoeira, tornam-se essenciais para proporcionar atividades esportivas às crianças e aos jovens da periferia. E além disso, o projeto se tornou também um divisor para o próprio Atrevido, homem negro e periférico, que foi beneficiado com uma bolsa de 50% do Projeto Motumbaxé para graduar-se em educação física. E assim, hoje, além de dar aulas de capoeira, o futsal também passou a fazer parte da sua rotina de ensino.

De acordo com Atrevido, a maioria dos pais compreendem a importância de envolver o filho em outras atividades, e dessa forma, o esporte se torna uma excelente opção para desviar de atividades perigosas e não produtivas. É assim que muitos começam a fazer parte do seu grupo de capoeira Pé de Biriba.

“Eu não escolhi a capoeira, eu fui obrigado a participar pelos meus pais, porque queriam que eu fizesse alguma atividade esportiva. Eu não imaginava fazer capoeira, mas quando eu tive o primeiro contato, eu me apaixonei pela melodia dos instrumentos, pela harmonia das pessoas em uma roda de capoeira, e desde então eu não parei de praticar”, contou o capoeirista Gustavo Henrique, 22.

A capoeira ainda é uma arte marcial desvalorizada no Brasil
A capoeira ainda é uma arte marcial desvalorizada no Brasil
Foto: Reprodução

Capoeirista desde os 15 anos, o técnico de manutenção automotiva Gustavo Henrique conta que a prática o beneficiou de diversas formas, desde a saúde, até a comunicação e formação de personalidade.

"Eu me beneficiei da saúde, em primeiro lugar, porque eu era uma pessoa muito sedentária, e a pessoa que pratica capoeira tem um treino planejado. A comunicação também melhorou porque eu era uma pessoa muito fechada, calada, perdi muito a vergonha. Por último, a formação de personalidade, a capoeira ajuda você a se entender como cidadão, como ser humano mesmo", disse Gustavo.

A capoeira, no entanto, é uma arte marcial desvalorizada no Brasil, seu país de origem. As razões vão desde a sua origem negra e provinda do processo de escravidão, até ao longo período de criminalização de sua prática que se estendeu da Primeira República até a década de 1930. 

Por sentir na pele, Gustavo lamenta que a capoeira não seja tão valorizada quanto outros esportes. “Mas se parar para pensar um pouco e voltar lá no tempo colonial, tempo dos canaviais, lembrará que os capoeiras escravizados viviam dias de muita luta, hoje não é diferente, mesmo não estando acorrentados nós somos escravos do sistema”, concluiu o capoeirista. 

Aluno do mestre Atrevido, Gustavo afirma também que hoje não se imagina sem a capoeira. Marcos, porém, não vê sucessores para o trabalho que desenvolve no seu bairro, e lamenta o risco da comunidade perder esse incentivo, atualmente dado por ele. “Sem demagogia e isso também é visível… Hoje na comunidade não tem pessoas comprometidas com as crianças e adolescentes no sentido de prevenção, e lhe garanto que queria deixar um sucessor nesse quesito. Triste, mas é verdade”, disse o professor de capoeira.

A partir da sua experiência, com mais de 10 anos de atuação, o mestre Atrevido garante que as políticas socioculturais são o caminho mais assertivo para os jovens da periferia, e portanto, conclui que quando a iniciativa pública ver dessa forma e incentivar o esporte entre as classes mais baixas, “será possível crescermos dignamente”.

ANF
Compartilhar
Publicidade
Publicidade