Saquinho de Lixo é fábrica de memes com DNA recifense; conheça o grupo
Coletivo é uma mistura de muitas coisas, mas tem um olhar preocupado em não acentuar situações vexatórias ou reforçar opressões
Você pode não saber, mas muito provavelmente já deu boas risadas com um meme que foi ou criado ou amplificado pela @saquinhodelixo, conta no Instagram com 1,8 milhão de seguidores.
O perfil é administrado por seis pessoas, Alan Pereira, Davi Moraes, Júlio Emílio, Luis Porto, Rodrigo Almeida e Sofia de Carvalho. Eles mesclam publicações de memes vistos na internet com produções próprias.
O nome pode parecer inusitado, mas remete a uma campanha de arrecadação de lixo nas praias do Recife, cidade natal de cinco dos seis integrantes. O diminutivo e a cor rosa do ícone servem para lembrar que, apesar de muita besteira, o humor do brasileiro tem valor único.
Memes sobre assuntos do momento são os geram mais engajamento entre os seguidores da página, assim como posts que estimulam alguma interação. Mas se engana quem pensa que existe um manual de instruções para entender os gostos do brasileiro. Às vezes, o humor dos internautas é tão refinado que até mesmo os donos do perfil não entendem muito a razão de um meme em específico repercutir tanto.
Os criadores definem a página como uma mistura de muitas coisas. Mas não deixam de lado um olhar preocupado em não acentuar situações vexatórias ou reforçar opressões.
O perfil tem um diálogo constante com a comunidade de seguidores, que chamam de "saquiners", formada especialmente por mulheres e pessoas LGBTQIAP+. Se a página erra e o pessoal aponta, a equipe reconhece e apaga publicações se for necessário.
"É fundamental ter consciência do riso que estamos criando, do que estamos rindo e com quem estamos rindo", diz Rodrigo Almeida, um dos fundadores e administradores da página.
Byte conversou com o criador de conteúdo para saber um pouco mais sobre o que move uma das páginas de cultura popular mais acessadas da internet.
De onde veio o nome saquinho de lixo?
Rodrigo: Tem uma campanha no Recife, cidade natal de cinco dos seis integrantes, sobre limpeza nas praias que usa o jingle "vamos manter a praia limpa, jogando o lixo no saquinho". Todo mundo de lá cresceu ouvindo esse comercial, especialmente no verão, e acabou servindo de inspiração, foi o Júlio que propôs.
Mas acho que a grande coisa do nome foi resgatar esse humor meio chorume da internet e dar o devido valor humorístico e artístico que ele merece. Inicialmente, a imagem da página era o Cascão segurando um saco de lixo.
Depois, Davi escolheu o saco de lixo rosa que se tornou nosso ícone desde então. Juntos, os seis sócios foram criando a identidade e o tom de voz do Saquinho.
Apesar de ser um saco de lixo, ele é rosa e seu nome está no diminutivo. Então, pode ser lido como nojento, mas também é fofo, de certa forma. Há um balanço.
Quais são as inspirações para o perfil? Seriam outros perfis que postam memes?
Rodrigo: Acho que o Saquinho é uma mistura de coisas de muitos lugares. Claro que acompanhamos outras páginas, temos algumas páginas queridas do coração, mas muitas vezes é mais uma coisa de consumo pessoal para justamente não repetir conteúdos já postados. Às vezes, acontece de repetir, geralmente porque não sacamos antes e eventualmente bebemos de fontes similares.
Também ficamos atentos a outras páginas para perceber mudanças não necessariamente de conteúdo, mas por vezes de formato, como a questão da postagem em carrossel, que em algum momento notamos que era uma tendência compartilhada.
Vocês fazem alguns dos memes que publicam na página? Se sim, qual o processo?
Rodrigo: Nós costumamos mesclar curadoria de memes vistos e em circulação na internet com originais produzidos por nós mesmos. Muita gente acredita que o Saquinho de Lixo é administrado por uma única pessoa, o que eu particularmente acredito que seria impossível. Acho que cada um tem um processo específico em termos de criação individual.
Por exemplo, Sofia e Davi são os responsáveis principais pelo que chamamos de “capinhas”. São imagens acompanhadas de frases diversas, com uma identidade visual bem marcante, que temos associado muito com a página e usado bastante para abrir uma postagem estilo carrossel.
É interessante quando encontramos nossos próprios memes originais circulando em outras páginas. Às vezes os encontramos meses ou anos depois. O "memeverso" é um grande ecossistema que se retroalimenta. Sempre precisamos de referências e também somos referenciados.
Recentemente, temos investido também em momentos específicos de criação coletiva, durante nossa reunião semanal. Abrimos um arquivo e vamos jogando ideias, reformulando, dando sugestões até chegar em algum lugar. É um pouco caótico, mas geralmente dá certo.
Alguma postagem já gerou uma má reação por quem criou o meme ou por quem aparece nele?
Rodrigo: Acontece de vez em quando, mas acredito que amadurecemos bastante nesse aspecto. Hoje procuramos sempre marcar criadores, mas temos consciência que nem sempre é possível, porque às vezes é muito difícil encontrar a fonte original de um meme. Mas se alguém indicar a autoria, a gente marca na hora.
Também temos um maior cuidado em relação às pessoas que aparecem em vídeos, especialmente se são crianças ou pessoas em posição de vulnerabilidade social. Desde o início, tivemos um olhar preocupado em não acentuar situações vexatórias ou reforçar opressões.
É fundamental numa página como a nossa termos consciência do riso que estamos criando, do que a gente está rindo, com quem estamos rindo.
Se você tivesse que definir qual tipo de meme que mais estoura entre os seguidores da página, qual seria?
Rodrigo: É meio difícil dizer, não existe uma fórmula mágica do sucesso dos memes, mas certamente assuntos do momento geram muito engajamento. Nesse caso, os memes capturam um pouco do sentimento individual e coletivo das pessoas e isso reverbera.
Memes que estimulam alguma interação também costumam engajar bem, porque é como se fosse um meme em construção que segue nos comentários. Os saquiners participam desse acumulado de piadas, inclusive muitas vezes trazendo umas tiradas mais hilárias que a própria legenda ou a imagem original.
Em termos de formato, acredito que hoje as postagens em carrossel, mesclando memes estáticos e vídeos, bombam mais que uma única imagem. Mas isso pode mudar. Os carrosséis nas páginas de humor se popularizaram não faz tanto tempo e hoje são um padrão. E, claro, sempre existe a possibilidade de um meme nonsense ressoar forte e até hoje estarmos procurando a lógica disso.
Houve algum meme que marcou o público por outros motivos além da piada? Se sim, quais?
Rodrigo: De vez em quando, acontece uma onda que supera essa noção de piada pontual. Pode ser um estilo de meme, um tema, um evento. Essas ondas estão se tornando cada vez mais curtas e estão saturando cada vez mais rápido.
De toda forma, destacaria algumas: a primeira seria a imagem do rato associada ao Saquinho, que é uma coisa que nunca passou, somos marcados em todo tipo de conteúdo relacionado ainda hoje. Existem os saudosos que pedem memes de rato sempre. E teve o caso do meme Dorime, que tem a ver com rato também, mas foi um que viralizou e gerou trilhões de releituras, as pessoas se fantasiaram no Carnaval. É algo que não é mais um meme, uma piada, vira meio que um fenômeno.
Também fizemos alguns posts sérios sobre temas importantes, como o derramamento de óleo nas praias nordestinas, a importância dos jovens tirarem título de eleitor, as próprias eleições. Posicionamentos que sempre foram bem recebidos pelo nosso público e que condizem com nossa postura política.
Mexer com meme o tempo inteiro deixa a descoberta de novos memes sem graça?
Rodrigo: Muito do que é postado no Saquinho me diverte, mas também posto muita coisa que eu sei que é divertido para outras pessoas e não necessariamente pra mim. Eu não posso me tomar como régua absoluta. Acho que todo mundo faz esse passeio diário por páginas de humor e costuma dar suas risadas.
Tem muitas coisas que não postamos por vários motivos, inclusive pelas diretrizes das plataformas. Uma espécie de proibidões do Saquinho de Lixo, que eu particularmente me acabo de rir. Tem alguns vídeos que me pegam muito, que fico obcecado, assistindo mil vezes, geralmente são vídeos de cotidiano que acontece alguma coisa engraçada/inesperada ou alguns perfis que trazem uma coisa nova, espirituosa.
Mas de fato acho que há uma saturação no meu olhar, acontece muito de alguém me mostrar algo superengraçado e achar só "meh". Acho que o ato de troca de memes entre amigos como um gesto afetivo também me pega muito, acho uma atitude muito fofa, em que alguém te manda algo engraçado que achou a sua cara ou que te vai fazer feliz. Porque no final, a garantia de gargalhada ainda está no movimento de rir junto com os amigos.