Gestores de IA: o que fazem os profissionais que vão liderar humanos e máquinas nas empresas
Conversamos com escolas e empresas de tecnologia para entender o cargo de liderança
Mais do que uma febre passageira, a inteligência artificial (IA) vem transformando estruturas corporativas no mundo inteiro. Com ela, uma nova figura desponta nas organizações: o gestor de IA. Trata-se de um profissional híbrido, ao mesmo tempo técnico e estratégico, cuja missão é organizar equipes formadas por humanos e máquinas — e sua importância começar a crescer à medida que agentes de IA são incorporados aos processos das companhias.
"Na prática, os gestores de inteligência artificial fazem a ponte entre tecnologia e estratégia de negócio", define Gustavo Caetano, CEO da mineira Samba Tech, startup fundada em 2004 que começou como plataforma de gestão de vídeos e migrou para um modelo focado em IA. "São eles que precisam entender os objetivos da empresa e identificar como a IA pode ajudar a alcançá-los."
O papel desse profissional é mais abrangente do que pode parecer à primeira vista. "Mais do que dominar programação ou conhecer modelos de machine learning, é preciso ter visão de negócio e saber traduzir problemas complexos em soluções tecnológicas viáveis", diz Caetano. Ou seja: não basta entender de código, é preciso entender também de gente, mercado e estratégia.
De acordo com um levantamento global da Amazon Web Services, 60% das empresas já contam com executivos dedicados à IA, como um Chief AI Officer (CAIO), ou apenas diretor de inteligência artificial. A pesquisa, feita em nove países, incluindo o Brasil, também aponta que 92% das organizações pretendem contratar profissionais com habilidades em IA generativa até este ano. Esse crescimento acompanha outro dado do Fórum Econômico Mundial, divulgado em 2020: até o ano que vem, o mundo terá cerca de 97 milhões de novos trabalhadores com competências digitais avançadas, compensando os 84 milhões de postos perdidos para a automação.
No Brasil, a aceleração é visível. Um levantamento da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software) estima que a procura por profissionais de IA cresça 150% só neste ano. Para Paulo Lima, CEO da Skymail, que oferece soluções em nuvem, esse é um reflexo da maturação do mercado: "O mercado percebeu que a IA parou de ser tendência e virou diferencial competitivo. Porém faltam profissionais com perfil híbrido que entendam do negócio, mas que também saibam conversar com engenheiros".
Esse perfil híbrido exige uma combinação de competências técnicas e humanas. "Naturalmente, e acima de tudo, deve ser um grande curioso e antenado em inovação e tecnologia", explica Lima. "Se o profissional não tiver o espírito de saber navegar por incertezas, indefinições e muita novidade, acabará sofrendo demais." A curiosidade intelectual aparece como característica central também para Felipe Patané, diretor de IA da Oracle América Latina. Segundo ele, o bom gestor de IA precisa "ter humildade para aprender o novo, desapegar do que ficou obsoleto e adaptar a estratégia com velocidade".
Do ponto de vista organizacional, o gestor de IA é alguém que atua transversalmente em diferentes áreas da empresa. "É responsável por conectar tecnologia e negócio de forma estratégica", resume Patané. "Isso inclui desde a definição de casos de uso e priorização de projetos, até a governança de dados, ética no uso da IA e gestão de times multidisciplinares." Guilherme Silveira, diretor de inovação da escola de tecnologia Alura, vai na mesma linha: "O papel de um gestor ou gestora de inteligência artificial é exatamente esse: identificar oportunidades dentro da empresa onde a IA pode ser aplicada, capacitar equipes, liderar projetos de implementação e atuar de forma transversal entre diferentes áreas."
Agentes de IA
Na prática, esses gestores também são responsáveis por integrar os chamados agentes de IA às rotinas corporativas. Trata-se de softwares autônomos ou semiautônomos que executam tarefas específicas com base em dados, regras ou aprendizado de máquina. Eles podem responder a perguntas, realizar análises, tomar decisões e até operar sistemas de forma integrada.
Os agentes de IA são vistos pelas gigantes da tecnologia como a grande aposta da IA generativa neste ano. Microsoft, OpenAI, Google e Anthropic são alguns dos nomes que anunciaram recursos do tipo nos último meses — quem também a roubou a cena com a promessa desses agentes foi a startup chinesa Manus AI. A promessa é de que esses sistemas realizaram tarefas complexas a partir de comandos em linguagem natural, o que caracterizaria uma nova fase na era da IA generativa, que está indo bem além dos chatbots espertos.
Por aqui, um exemplo de agente é o SambAI, criado pela Samba Tech. Segundo Gustavo Caetano, trata-se de um sistema que vai muito além de um chatbot genérico: ele se conecta a documentos internos, políticas da empresa, dashboards, CRMs, sistemas de RH e plataformas de inteligência, atuando como um copiloto estratégico.
Em uma edtech com milhares de alunos, por exemplo, o SambAI foi integrado ao sistema acadêmico e passou a responder automaticamente perguntas complexas, com base em regras institucionais e dados atualizados. O impacto foi direto: houve uma redução de mais de 40% nos chamados humanos, além de ganho em agilidade e personalização no atendimento, segundo a startup.
Esses agentes são cada vez mais comuns nas organizações e seu potencial vai além da automação básica. "Arrisco a dizer que os nossos agentes de IA são parceiros dos nossos colaboradores em troca de ideias, validação de hipóteses e apoio no aprimoramento de conceitos", afirma Lima. Já Silveira lembra que nem sempre um agente inteligente parece um robô: "Se eu dissesse que tenho uns 30 robôs aqui em casa, provavelmente você imaginaria um monte de humanoides andando pelos cômodos. Mas estou falando da minha máquina de lavar, da geladeira... tudo isso são robôs". A diferença, agora, é que os agentes de IA podem ser criados e treinados sob medida para cada negócio.
Mas gerenciar esses agentes exige novas competências. "Na prática, o gestor agora não lidera só pessoas, mas também modelos inteligentes que precisam ser treinados, auditados e atualizados como se fossem parte do time", diz Patané, da Oracle. "Eles executam tarefas, fazem análises, tomam decisões baseadas em dados, mas precisam ser bem treinados, monitorados e alinhados com os objetivos da empresa."
Profissional do futuro
Essa mudança no papel da liderança também exige um novo olhar sobre a qualificação. "Ter uma base técnica é importante: entender algoritmos, saber programar, analisar dados", diz Caetano, da Samba Tech. "Mas isso não é suficiente." Todos os entrevistados apontam a importância da formação prática, da experiência com projetos reais e da capacidade de se comunicar com diferentes setores da empresa.
"A formação desse profissional exige tanto conhecimento técnico quanto aplicação prática. Não adianta apenas conhecer as ferramentas; é preciso saber aplicá-las a problemas reais", diz Silveira. "O processo exige prática constante. A experiência mais profunda, aquela que realmente forma um profissional preparado para o mercado, leva tempo. Ela exige vivência, testes, erros e acertos."
E a demanda só tende a crescer. "O Brasil vive um boom de adoção de IA, mas enfrenta escassez de gestores alinhados tanto à tecnologia quanto ao negócio", diz Patané. "Posicionar-se como gestor de IA hoje significa estar no epicentro da transformação digital no país." Silveira, da Alura, reforça: "As empresas buscam pessoas experientes, capazes de conduzir projetos de forma estruturada, com boas práticas e foco em resultados".
Apesar de ainda haver receios sobre a substituição de pessoas por máquinas, a maioria dos especialistas acredita que a IA trará mais oportunidades do que ameaças. Lima reforça: "O profissional que conseguir aprender rápido, colaborar com IA e manter o lado humano afiado, vai ter lugar garantido nessa nova economia. E spoiler: equipes mais enxutas não são sinônimo de equipes menores - mas sim mais inteligentes".
Ao olhar para o futuro, os especialistas são unânimes: a IA não será um recurso periférico, mas uma base essencial para o funcionamento das empresas. "A IA está se tornando uma infraestrutura invisível do mercado de trabalho, assim como foi a internet", afirma Patané. Para Silveira, esse impacto virá em ondas geracionais: "Primeiro, teremos pessoas que precisarão aprender a usar a IA no dia a dia do trabalho. Depois, teremos uma nova geração que já crescerá em contato com essas ferramentas e, com isso, poderá explorar suas possibilidades criativas desde cedo."
No fim, o que está em jogo não é apenas a adoção de novas tecnologias, mas a criação de uma cultura empresarial capaz de combiná-las com sensibilidade, ética e propósito. Os gestores de IA, com seu perfil multidisciplinar, ocupam o centro dessa transformação. E talvez o maior risco não esteja em delegar funções à IA, mas sim em não qualificar e preparar os humanos para lidar com ela.
