Por que Carminha, vilã do lixão, é muito mais interessante do que Odete Roitman?

As protagonistas são construídas a partir de parâmetros muito diferentes de personalidade, uma complexa, outra previsível

4 jul 2025 - 08h13
(atualizado às 08h20)
Resumo
Carminha é uma vilã cativante do universo periférico brasileiro, enquanto Odete Roitman representa uma elite distante, geografica e socialmente, ligada a outro momento histórico do país.
Protagonista complexa, Carminha vive a madame, a mãe, a esposa, a amante, a golpista, vem do lixão, fica rica e volta à miséria.
Protagonista complexa, Carminha vive a madame, a mãe, a esposa, a amante, a golpista, vem do lixão, fica rica e volta à miséria.
Foto: Divulgação

Carminha, vilã suburbana, é uma personagem complexa, cheia de nuances, enquanto sua congênere milionária é direta, previsível. Na teoria literária, Carminha é uma “personagem esférica”, que vai se modificando em aspectos decisivos, físicos e psicológicos. Odete Roitman é uma “personagem plana”, não muda suas características.

Carminha é esperta, safa, veio do lixão e fisgou um jogador de futebol milionário. Fez mil e um malabarismos para reinar na mansão breguíssima, porém luxuosa do Divino, bairro fictício que representa o subúrbio carioca em Avenida Brasil.

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Odete nasce rica e fica milionária administrando a empresa de aviação que herdou do pai. Praticou aquele tipo de honestidade que para rico não dá cadeia no Brasil. Carminha sabe o que é rodar, que pode rodar. Odete simplesmente atropela, com o poder de quem é inatingível.

Carminha sente, Odete pensa. Carminha paga pra ver, Odete paga para ter, inclusive um homem, enquanto Carminha os têm aos seus pés, que o diga Max, literalmente um capacho, como bem alertava Nina em sua vingança.

Carminha é ardilosa, sexy. Odete é direta, bonita, mas não seria capaz de levar um homem à loucura – não pelos métodos de Carminha, que expressa e esconde conscientemente sua malandragem, se é que me entendem.

Carminha se descabela, Odete olha por cima – até o pileque da filha, com whisky, é chique. Ela quer ver Heleninha bem para que funcione, seja útil, assim como o filho. Carminha despreza violentamente a filha e morre pelo amor que jamais terá do filho.

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Carminha saca da vida, quer dinheiro, mas não abre mão de um amante para amar, e que a ame, além da família. Odete tem dinheiro, sempre teve, a família não faz diferença, e a relação com os filhos é prática, distanciada.

Odete Roitman ser menos interessante do que Carminha não é um problema de interpretação, Débora Bloch arrasa, mas de atributos da personagem.
Foto: Divulgação

Odete é psicanalisada, tem uma régua racional e eficaz para medir tudo. Carminha aprendeu ralando, nos corres, nas esquinas. Cai, levanta, ganha e perde da rival Nina. Odete jamais será atingida em seu pedestal - não tem rivais à altura.

Carminha consegue provocar o que somente grandes personagens conseguem, empatia, apesar do mau caráter. No final de Avenida Brasil, quando sabemos mais sobre sua história, quase a perdoamos.

Mas não ligamos muito para o destino de Odete. Na primeira versão de Vale Tudo, a comoção foi por conta de quem a assassinou, não pelo assassinato. Se Carminha morresse, sentiríamos muito, enquanto Odete, que morreu de tiro, teria um infarto se pisasse na mansão do Divino.

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Seria atingida pelo mal gosto estético, pela falação em altos decibéis, pelos barracos constantes. Os mundos de Carminha e Odete nunca se encontrariam, mas isso é mais profundo do que parece.

A paixão por Carminha acontece em um momento de afirmação do orgulho periférico nacional. Depois dela, as vilãs ricaças, loiras, empresárias, tiveram menos apelo. Odete Roitman é protagonista de um outro momento do país.

Vale Tudo terminou em 1989, ano em que elegemos Collor, cuja presumível beleza de padrão branco-macho-alfa abalou corações. Avenida Brasil é de 2012, depois de dois governos Lula, de políticas de cotas, de Cidade de Deus e de Sobrevivendo no Inferno, do Racionais MCs.

Carminha é nóis na fita, Odete odeia gírias. O povão ama Carminha, que só é pobre de grana. Odete, milionária, é pobre de espírito. Carminha nos ensinou a sermos mais brasileiros. E a reconhecer a elite que nos odeia, representada por personagens como Odete Roitman.

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Fonte: Visão do Corre
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