D. Pedro II: os 200 anos do imperador que queria viajar (mas não podia)

Com o trono assumido, o último monarca do Império brasileiro fez a primeira viagem ao exterior aos 46 anos [...]

2 dez 2025 - 08h21
(atualizado em 3/12/2025 às 08h39)

Em tempos de vias precárias e de altos custos para a população em geral, no século XIX, viajar significava percorrer as páginas dos livros de aventura de Júlio Verne.

Nem para o imperador (e viajante) D. Pedro II, a história seria generosa.

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Compromissado com o trono assumido, precocemente, aos 14 anos, o último monarca do Império brasileiro faria sua primeira viagem ao exterior apenas, em 1871, aos 46 anos de idade.

Como lembra a historiadora Lucia Maria Paschoal Guimarães, "quando completou 36 anos, Pedro lamentava que, se o seu pai fosse vivo, teria ocupado uma cadeira no Senado e poderia ter corrido o mundo".

Mas nunca é tarde para começar a viajar.

Família Real no Egito, em 1871
Família Real no Egito, em 1871
Foto: Domínio Público / Viagem em Pauta

Para a historiadora Lilia Schwarcz, porém, as viagens do monarca itinerante tinham uma função estratégica: demarcar as fronteiras do Império, "além de contribuir para alargar a recepção da imagem da monarquia interna e externamente."

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No livro "As barbas do imperador : D. Pedro II, um monarca nos trópicos", Schwarcz lembra que o imperador precisava ser visto por todo canto, "prestigiando assim as localidades mais distantes".

Para celebrar o bicentenário de nascimento de D. Pedro II, neste 2 de dezembro, o Viagem em Pauta relembra algumas das viagens do imperador viajante.

Recentemente, os diários e documentos relativos às suas viagens pelo Brasil e pelo mundo, incluindo as cadernetas restauradas, foram reconhecidos pela Unesco como patrimônio documental da humanidade e apresentadas ao público pela primeira vez.

As viagens de D. Pedro II

Nordeste

A longa viagem de 134 dias pela região, acompanhado da esposa Teresa Cristina, aconteceu em 1859, quando visitou as províncias da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba.

O curso do rio São Francisco era um dos objetivos da viagem, onde o imperador se encantou com a monumentalidade das quedas de Paulo Afonso, município na Bahia.

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"Na distância de menos de légua é que se ouviu o ruído da cachoeira. Logo que me apeei comecei a vê-la, e só voltei para casa podendo torcer a roupa do corpo molhada por causa do exercício", escreveu sobre a sequência de sete cachoeiras, onde "a poeira de água" podia ser vista a léguas de distância.

A baiana Paulo Afonso, por Germano Wahnschaffe (Domínio Público)
Foto: Viagem em Pauta

Sul

Em 1880, esteve no Rio Grande do Sul e no Paraná.

Foi nessa segunda província em que lançou a pedra fundamental da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, cuja construção foi iniciada naquele mesmo ano com a passagem da comitiva imperial.

"Ao meio-dia segui para Paranaguá. Desembarquei cerca das 2 e segui para o lugar da estação bem arranjada para a colocação de pedra", como lembra o imperador.

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O desembarque no porto de Paranaguá foi seguido por mais de 600 km, percorridos em carroças por destinos como Antonina, Curitiba e Ponta Grossa, entre outras paragens paranaenses.

Um dos destaques do roteiro foi a simpática Morretes, entre a Serra e o Litoral paranaenses. Como não costuma ser diferente, até hoje, a descida da serra foi sob chuva, nevoeiro a encobrir a paisagem e vistas cenográficas da Estrada da Graciosa.

"A ponte sobre o Nhudiaquara, que passei é de madeira, porém pareceu-me bela. As nuvens não me deixaram admirar as montanhas ao lado da estrada e sobretudo o Marumbi que tem 1.700 metros de altura. Cheguei a Morretes pouco depois de 5 h.

A estrada é bordada de casas e plantações. Vi cafezeiros e pequenos canaviais. Muita gente à entrada de Morretes e grande entusiasmo de todos, principalmente, dos italianos das colônias com as suas bandeiras."

Diário de Pedro II , em 4 de junho de 1880

Sudeste

Outra viagem marcante para D. Pedro II foi a de Minas Gerais, em 1881, em uma jornada que incluiu viagens de trem e cavalo por diversas cidades.

O roteiro imperial passaria por cidades mineiras, entre outras, Queluz, Mariana, São João del-Rei e Ouro Preto, onde a descida para o município pareceu-lhe igual à de Petrópolis.

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"Às 4 h 20' passava por defronte da casa de D. Felicidade e às 5 ½ chegada a Ouro Preto cuja vista encantou-me. Apareceu-me na imaginação como Edimburgo", registrou em seu diário, no dia 30 de março de 1881.

Foto: Bruno Cardoso / Pexels.com / Viagem em Pauta

Primeira viagem ao exterior

Mesmo de origem privilegiada e com vasta erudição, aquele membro da elite brasileira só sairia do país, na vida adulta.

Em apenas quatro ocasiões (1871, 1876, 1887 e 1889), o imperador deixou o Brasil para visitar países da América do Norte, Europa, África e Oriente.

No final de maio de 1871, Pedro deixava Cabo Frio, enjoado pelos efeitos dos ventos de nordeste. "No dia 25, pouco depois das 5h, começou N.E. forte e tive de ir estudar os homens horizontalmente. Contudo vomitei pouco", escreveu em seu diário.

Nessa primeira viagem, esteve em países europeus, como Portugal, Bélgica, Inglaterra, Austro-Hungria e Itália, além do Egito.

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"Ele tinha 46 anos quando fez a sua primeira excursão ao exterior, coisa que os membros da elite brasileira faziam aos vinte", lembra a historiadora Lucia Maria Paschoal Guimarães.

Na segunda vez fora do Brasil, Pedro esteve no Canadá e nos Estados Unidos, onde visitou Nova York, San Francisco, Washington e Nova Orleans. Essa viagem ficou marcada pelo encontro com Graham Bell, quando conheceu a "transmissão dos sons pelo fio elétrico", como chegou a descrever a invenção do telefone.

Por recomendação médica, em 1887, fez sua terceira viagem ao exterior, na Europa, passando por Portugal, Espanha, França, onde se consultou com um médico, em Paris, e seguiu para as águas termais de Baden-Baden, na Alemanha, chegando pela estação de Estação de Estrasburgo e atravessando o Reno, no dia 2 de agosto de 1887.

D. Pedro II (Domínio Público)
Foto: Viagem em Pauta

A mais amarga das viagens seria a sua derradeira, rumo ao exílio, decorrente da Proclamação da República, dois dias antes de partir para a Europa.

A bordo do navio Paraíba, e logo no Alagoas, a Família Imperial deixava o país, sem tocar "em nenhum porto do Brasil", rumo a Portugal, em 17 de novembro de 1889, acompanhada de outros autoexilados, como André Rebouças e as famílias Loreto.

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A edição de 18 de novembro da Gazeta de Notícias contava também que D. Pedro levava apenas a roupa do corpo, pois não tivera tempo de arrumar as malas. O imperador chegaria ao Velho Continente, para nunca mais sair, no dia 7 de dezembro daquele mesmo ano.

No dia 2 de dezembro do mesmo ano de falecimento de um dos seus grandes amores, a Condessa de Barral, o último imperador do Brasil morria, vítima de uma pneumonia, confinado no pequeno Hotel Bedford, em Paris, capital da França.

"Ano melhor que o passado para mim, desejo a todos os que estimo. Não careço de falar da família", foi seu último registro, em 1º de dezembro de 1891.

Um dos últimos registros da Família Imperial no Brasil, em 23 de maio de 1889, pelo fotógrafo Otto Hees (Acervo Museu Histórico Nacional)
Foto: Viagem em Pauta

Bicentenário de Dom Pedro II]

Localizado na serrana Petrópolis, no Rio de Janeiro, o Museu Imperial abriga cerca de 300 mil itens relacionados ao Império brasileiro.

Nos 200 anos de D. Pedro II, a instituição terá algumas ações, como a abertura da exposição "Fale-me de Pedro - nas minúcias da memória", no dia 3 de dezembro, que retrata a vida do imperador, da infância à morte, e a construção de sua imagem nos lugares de memória, especialmente em Petrópolis.

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Entre os destaques, a exibição também mostrará desenhos produzidos pelo monarca em diferentes fases da vida, estudos de tradução, volumes de sua biblioteca particular e cartas trocadas com seu pai.

Museu Nacional
Foto: Viagem em Pauta

No mesmo dia, o museu abre ao público a Sala do Traje Majestático, onde fica o conjunto utilizado por Dom Pedro II na cerimônia de coroação, em 1841.

Já no dia 4 de dezembro, será retomado o espetáculo "Som e Luz", experiência imersiva que conta a história do Segundo Reinado com iluminação cenográfica e trilha sonora.

* fontes: Museu Imperial / FAPERJ / Brasiliana Iconográfica / IBGE / Secretaria de Cultura do Paraná

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