Em tempos de vias precárias e de altos custos para a população em geral, no século XIX, viajar significava percorrer as páginas dos livros de aventura de Júlio Verne.
Nem para o imperador (e viajante) D. Pedro II, a história seria generosa.
Compromissado com o trono assumido, precocemente, aos 14 anos, o último monarca do Império brasileiro faria sua primeira viagem ao exterior apenas, em 1871, aos 46 anos de idade.
Como lembra a historiadora Lucia Maria Paschoal Guimarães, "quando completou 36 anos, Pedro lamentava que, se o seu pai fosse vivo, teria ocupado uma cadeira no Senado e poderia ter corrido o mundo".
Mas nunca é tarde para começar a viajar.
Para a historiadora Lilia Schwarcz, porém, as viagens do monarca itinerante tinham uma função estratégica: demarcar as fronteiras do Império, "além de contribuir para alargar a recepção da imagem da monarquia interna e externamente."
No livro "As barbas do imperador : D. Pedro II, um monarca nos trópicos", Schwarcz lembra que o imperador precisava ser visto por todo canto, "prestigiando assim as localidades mais distantes".
Para celebrar o bicentenário de nascimento de D. Pedro II, neste 2 de dezembro, o Viagem em Pauta relembra algumas das viagens do imperador viajante.
Recentemente, os diários e documentos relativos às suas viagens pelo Brasil e pelo mundo, incluindo as cadernetas restauradas, foram reconhecidos pela Unesco como patrimônio documental da humanidade e apresentadas ao público pela primeira vez.
As viagens de D. Pedro II
Nordeste
A longa viagem de 134 dias pela região, acompanhado da esposa Teresa Cristina, aconteceu em 1859, quando visitou as províncias da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba.
O curso do rio São Francisco era um dos objetivos da viagem, onde o imperador se encantou com a monumentalidade das quedas de Paulo Afonso, município na Bahia.
"Na distância de menos de légua é que se ouviu o ruído da cachoeira. Logo que me apeei comecei a vê-la, e só voltei para casa podendo torcer a roupa do corpo molhada por causa do exercício", escreveu sobre a sequência de sete cachoeiras, onde "a poeira de água" podia ser vista a léguas de distância.
Sul
Em 1880, esteve no Rio Grande do Sul e no Paraná.
Foi nessa segunda província em que lançou a pedra fundamental da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, cuja construção foi iniciada naquele mesmo ano com a passagem da comitiva imperial.
"Ao meio-dia segui para Paranaguá. Desembarquei cerca das 2 e segui para o lugar da estação bem arranjada para a colocação de pedra", como lembra o imperador.
O desembarque no porto de Paranaguá foi seguido por mais de 600 km, percorridos em carroças por destinos como Antonina, Curitiba e Ponta Grossa, entre outras paragens paranaenses.
Um dos destaques do roteiro foi a simpática Morretes, entre a Serra e o Litoral paranaenses. Como não costuma ser diferente, até hoje, a descida da serra foi sob chuva, nevoeiro a encobrir a paisagem e vistas cenográficas da Estrada da Graciosa.
"A ponte sobre o Nhudiaquara, que passei é de madeira, porém pareceu-me bela. As nuvens não me deixaram admirar as montanhas ao lado da estrada e sobretudo o Marumbi que tem 1.700 metros de altura. Cheguei a Morretes pouco depois de 5 h.
A estrada é bordada de casas e plantações. Vi cafezeiros e pequenos canaviais. Muita gente à entrada de Morretes e grande entusiasmo de todos, principalmente, dos italianos das colônias com as suas bandeiras."
Diário de Pedro II , em 4 de junho de 1880
Sudeste
Outra viagem marcante para D. Pedro II foi a de Minas Gerais, em 1881, em uma jornada que incluiu viagens de trem e cavalo por diversas cidades.
O roteiro imperial passaria por cidades mineiras, entre outras, Queluz, Mariana, São João del-Rei e Ouro Preto, onde a descida para o município pareceu-lhe igual à de Petrópolis.
"Às 4 h 20' passava por defronte da casa de D. Felicidade e às 5 ½ chegada a Ouro Preto cuja vista encantou-me. Apareceu-me na imaginação como Edimburgo", registrou em seu diário, no dia 30 de março de 1881.
Primeira viagem ao exterior
Mesmo de origem privilegiada e com vasta erudição, aquele membro da elite brasileira só sairia do país, na vida adulta.
Em apenas quatro ocasiões (1871, 1876, 1887 e 1889), o imperador deixou o Brasil para visitar países da América do Norte, Europa, África e Oriente.
No final de maio de 1871, Pedro deixava Cabo Frio, enjoado pelos efeitos dos ventos de nordeste. "No dia 25, pouco depois das 5h, começou N.E. forte e tive de ir estudar os homens horizontalmente. Contudo vomitei pouco", escreveu em seu diário.
Nessa primeira viagem, esteve em países europeus, como Portugal, Bélgica, Inglaterra, Austro-Hungria e Itália, além do Egito.
"Ele tinha 46 anos quando fez a sua primeira excursão ao exterior, coisa que os membros da elite brasileira faziam aos vinte", lembra a historiadora Lucia Maria Paschoal Guimarães.
Na segunda vez fora do Brasil, Pedro esteve no Canadá e nos Estados Unidos, onde visitou Nova York, San Francisco, Washington e Nova Orleans. Essa viagem ficou marcada pelo encontro com Graham Bell, quando conheceu a "transmissão dos sons pelo fio elétrico", como chegou a descrever a invenção do telefone.
Por recomendação médica, em 1887, fez sua terceira viagem ao exterior, na Europa, passando por Portugal, Espanha, França, onde se consultou com um médico, em Paris, e seguiu para as águas termais de Baden-Baden, na Alemanha, chegando pela estação de Estação de Estrasburgo e atravessando o Reno, no dia 2 de agosto de 1887.
A mais amarga das viagens seria a sua derradeira, rumo ao exílio, decorrente da Proclamação da República, dois dias antes de partir para a Europa.
A bordo do navio Paraíba, e logo no Alagoas, a Família Imperial deixava o país, sem tocar "em nenhum porto do Brasil", rumo a Portugal, em 17 de novembro de 1889, acompanhada de outros autoexilados, como André Rebouças e as famílias Loreto.
A edição de 18 de novembro da Gazeta de Notícias contava também que D. Pedro levava apenas a roupa do corpo, pois não tivera tempo de arrumar as malas. O imperador chegaria ao Velho Continente, para nunca mais sair, no dia 7 de dezembro daquele mesmo ano.
No dia 2 de dezembro do mesmo ano de falecimento de um dos seus grandes amores, a Condessa de Barral, o último imperador do Brasil morria, vítima de uma pneumonia, confinado no pequeno Hotel Bedford, em Paris, capital da França.
"Ano melhor que o passado para mim, desejo a todos os que estimo. Não careço de falar da família", foi seu último registro, em 1º de dezembro de 1891.
Bicentenário de Dom Pedro II]
Localizado na serrana Petrópolis, no Rio de Janeiro, o Museu Imperial abriga cerca de 300 mil itens relacionados ao Império brasileiro.
Nos 200 anos de D. Pedro II, a instituição terá algumas ações, como a abertura da exposição "Fale-me de Pedro - nas minúcias da memória", no dia 3 de dezembro, que retrata a vida do imperador, da infância à morte, e a construção de sua imagem nos lugares de memória, especialmente em Petrópolis.
Entre os destaques, a exibição também mostrará desenhos produzidos pelo monarca em diferentes fases da vida, estudos de tradução, volumes de sua biblioteca particular e cartas trocadas com seu pai.
No mesmo dia, o museu abre ao público a Sala do Traje Majestático, onde fica o conjunto utilizado por Dom Pedro II na cerimônia de coroação, em 1841.
Já no dia 4 de dezembro, será retomado o espetáculo "Som e Luz", experiência imersiva que conta a história do Segundo Reinado com iluminação cenográfica e trilha sonora.
* fontes: Museu Imperial / FAPERJ / Brasiliana Iconográfica / IBGE / Secretaria de Cultura do Paraná