O que fábricas de munições da 1ª Guerra têm a nos ensinar sobre jornadas estressantes de trabalho

A curto prazo, fazer uma maratona de trabalho pode não ter consequências graves, mas pesquisas mostram que transformar jornadas longas em hábito resulta em prejuízo para funcionários e empregadores.

29 set 2019 - 16h15
'Municionetes' às vezes ficavam mais de 50 horas trabalhando por semana, quando não 72 horas
'Municionetes' às vezes ficavam mais de 50 horas trabalhando por semana, quando não 72 horas
Foto: Trinity Mirror / Mirrorpix / Alamy Stock Photo / BBC News Brasil

No mundo das startups e dos CEOs, paixão, foco e ambição costumam ser apresentados como ingredientes para a produtividade. Neste discurso, o céu - e não o relógio - é o limite para o esforço materializado em horas de trabalho.

Pesquisas sobre tempo no trabalho, no entanto, sugerem que o excesso leva as pessoas a serem menos produtivas, não mais. Muitas horas de labuta também estão associadas ao aumento de doenças cardiovasculares, diabetes e outros efeitos negativos à saúde - que por sua vez podem afetar... a produtividade no trabalho.

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Então, quantas horas são demais? A partir de qual ponto a produtividade cai? A única maneira de saber isso é medir a produção de trabalhadores de verdade. E são dados antigos, da Primeira Guerra Mundial, que estão ajudando a responder algumas dessas perguntas, como em uma publicação de 2015 com base nessas informações.

Durante a guerra, a Grã-Bretanha precisava fabricar rapidamente armas e munições. Como tantos homens estavam no front, as mulheres, que normalmente naquela época não trabalhavam em fábricas, foram chamadas para fazer o serviço como municionetes. O trabalho delas incluía tarefas como perfurar peças e manusear pedaços de metal para fazer armas. Suas jornadas às vezes chegavam a 50 horas de trabalho por semana e, em alguns casos, até 72 horas.

Em 1915, o governo criou o Comitê de Saúde dos Trabalhadores da Munição (HMWC) para monitorar as condições de trabalho e aconselhar sobre questões como expediente. O comitê conseguiu coletar um rico conjunto de dados que podem nos dizer muito sobre o que acontece quando as pessoas trabalham demais.

As informações são especialmente úteis devido à natureza do trabalho e das trabalhadoras: havia apenas um turno e cada trabalhador fazia as mesmas tarefas - fáceis de contar. Como as informações são inequívocas e mensuráveis, são ótimos dados para os pesquisadores.

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A análise de 2015 desses dados mostrou que, à medida que o número de horas trabalhadas aumentava, a produção também, mas apenas até certo ponto. A produção por hora atingiu um pico no ponto de cerca de 40 horas de trabalho por semana e depois caiu.

O autor do estudo, John H. Pencavel, professor do departamento de economia da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, sugere que há um ponto-chave no número de horas que as pessoas trabalham por semana.

"Após este ponto (que provavelmente varia de acordo com o tipo de trabalho), uma hora a mais gera mais resultado (ou melhor desempenho) se o trabalhador já trabalhou 30 horas do que se já trabalhou 40 horas em uma semana ", explica à reportagem, por e-mail.

Trabalhadores manuais conseguem rastrear suas horas e tarefas mais facilmente
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Em seu livro Diminishing Returns at Work: The Consequences of Long Working Hours ("Diminuindo o retorno no trabalho: as consequências das longas horas de trabalho", em tradução livre), Pencavel mostra, também com dados do setor de munições, que as semanas em que a produção era mais alta não coincidiam com semanas em que as jornadas eram mais longas.

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Isso significa que, a partir de um determinado momento, trabalhar mais horas não ajuda - e, ainda, aumenta os custos operacionais.

A importância do tempo de folga

Não se trata apenas da quantidade de horas trabalhando: os dias de folga também são importantes quando se trata de produtividade.

As municionetes, por exemplo, costumavam trabalhar muitos dias seguidos sem descanso. O trabalho no sábado ainda era comum na época e os domingos voltaram a ser dias de trabalho por causa da guerra.

Ocasionalmente, no entanto, elas precisavam tirar um domingo de folga. O HMWC coletou dados que cobrem essas duas condições - dia de expediente e de folga - e percebeu que uma semana inteira de trabalho sem um dia de descanso não beneficia ninguém. A produção não aumenta e os trabalhadores ficam descontentes.

Mas algumas condições no setor de munições são particulares. As municionetes faziam trabalho manual e repetitivo em condições perigosas. As mulheres superavam os poucos homens e jovens empregados nas fábricas em uma proporção de quatro para um.

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Dado que elas aceitaram a ocupação como uma forma de servir a seu país e eram pagas por tarefa, e não por hora, é justo presumir que suas motivações também eram semelhantes.

Cem anos depois, os resultados do excesso deste trabalho manual não parecem ser tão diferentes para trabalhos mais intelectuais. Trabalhar por muitas horas é algo que sai pela culatra tanto para os empregadores quanto para os funcionários - isso em métricas variadas, dos resultados e qualidade da produção à criatividade e habilidade interpessoal dos trabalhadores.

Isso não quer dizer que uma maratona para concluir um projeto ou cumprir um prazo não valha a pena. E alguns podem argumentar que, apesar de trabalharem por horas a fio, alguns CEOs e executivos prosperaram em suas funções.

Embora certamente possa haver discrepâncias, não há um conjunto consistente de pesquisas apontando que longas horas sejam o ideal; já no suporte a semanas de trabalho mais curtas, há amplas evidências.

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As pessoas precisam de fins de semana e outros tipos de folga para se recuperar do trabalho e retornar à labuta renovadas e produtivas. Um estudo com trabalhadores israelenses que ficaram as mesmas duas semanas fora do escritório constatou que todos experimentaram algum tipo de alívio no período de folga - não importando se, antes do descanso, o funcionário se sentisse ou não estressado.

"É a natureza cotidiana, aparentemente interminável e inevitável do estresse crônico que causa burnout", escrevem os autores.

O ato de ir trabalhar recorrentemente desgasta as pessoas; o intervalo permite que elas se recuperem.

Mas alguns tipos de trabalhadores não podem evitar um bloco de trabalho de longas horas, como aqueles nas emergências hospitalares, cirurgiões, marinheiros, pilotos de avião, mineiros... Os estudos sobre esses grupos geralmente se concentram nos efeitos da privação do sono, porque trabalhar muitas horas contínuas significa não dormir. Os riscos variam de acordo com a profissão, mas são consistentemente negativos quando longas horas de trabalho levam ao sono insuficiente.

Estabelecendo limites

O ato de ir trabalhar recorrentemente desgasta as pessoas; o intervalo permite que elas se recuperem
Foto: Kevin Schafer / Alamy Stock Photo / BBC News Brasil

Uma vantagem dos trabalhadores manuais em relação aos de ocupação mais intelectual é que suas horas trabalhadas e tarefas concluídas são registradas com mais facilidade.

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É muito mais difícil quantificar a produção se o seu trabalho é promover relacionamentos de longo prazo com outras empresas, por exemplo. À medida que a natureza do trabalho muda, é ainda mais difícil descobrir o que constitui "trabalho".

"O que pode ser complicado para as profissionais intelectuais é controlar o tempo trabalhado", diz Erin Reid, professora associada de recursos humanos e administração da Universidade McMaster, no Canadá. "Espera-se que muitos deles respondam e-mails ou mensagens de texto de trabalho a todo momento do dia, no final de semana e, muitas vezes, nas férias. Como resultado, mesmo que eles estejam tecnicamente 'fora do trabalho', ainda estão envolvidos com ele, o que pode ser muito desgastante."

Reid diz que, além de se tornarem menos produtivas, pessoas em jornadas extensas também podem perder a alegria ou satisfação no trabalho.

As soluções para evitar o excesso de trabalho parecem enganosamente simples e envolvem o estabelecimento de limites e o gerenciamento de cargas de trabalho.

"Mas, para ser sincero, longas horas de trabalho e demandas fora do horário são impostas aos funcionários pela gerência e geralmente fazem parte de um ambiente de trabalho ou de uma cultura profissional", diz Reid. "Pedir aos trabalhadores que resolvam o problema por si mesmos pode levar a correções temporárias e incompletas."

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Em outras palavras, cabe aos empregadores e gerentes controlarem o volume de trabalho de seus funcionários.

Pencavel observa que alguns empregadores sabem as consequências do excesso de trabalho em seus resultados e funcionários, embora outros não estejam muito informados.

"Eles atuam há algum tempo de uma determinada maneira e, por isso, não veem motivo para mudanças", diz.

Ainda assim, há casos de empregadores que possibilitaram mudanças após revisar os resultados da empresa.

"Por que não vemos mais empregadores fazendo isso, ou seja, testando jornadas diferentes?", pergunta Pencavel. "Não sei porque não o fazem."

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