A Maternidade-Escola da UFRJ se tornou referência no acolhimento ao luto gestacional, implementando há 15 anos ações como a criação da Enfermaria da Finitude e um espaço para despedidas, além de oferecer apoio psicológico, promovendo maior humanização do atendimento em casos de perda de bebês.
Grávida de 39 semanas da primeira filha, Lígia Aquino entrou em trabalho de parto enquanto estava em casa e fez o que toda mãe faz: pegou as malas e foi, acompanhada do marido, para a maternidade para o tão sonhado momento do nascimento de Laura.
No entanto, ao entrar na sala de preparação para o parto recebeu a notícia que menos esperava: o bebê estava sem batimentos cardíacos. A perda gestacional foi dita por uma técnica em enfermagem de maneira direta e sem nenhum cuidado.
"Eu fiquei em estado de choque e demorei para entender que minha bebê havia morrido. Dois dias antes eu havia feito ultrassom e ela estava bem. Foi uma gravidez sem riscos e de repente recebi essa notícia. Sem nenhum cuidado ou acompanhamento de uma psicóloga", recorda.
Lígia recebeu a indução ao parto natural, mas não funcionou e ela precisou passar por uma cesárea para o nascimento de Laura. "Fiquei internada na ala de partos e ouvindo outras mães ganhando seus bebês. Uma enfermeira entrou no quarto e chegou a perguntar como estava a minha amamentação. Foi um trauma muito grande e tudo isso só piorou o meu luto", conta a mulher, que devido à internação não pode acompanhar o enterro da bebê.
Relatos como o de Lígia não são raros, mas para garantir direitos e melhor atendimento às famílias, em agosto deste ano, passou a vigorar a política de humanização do luto materno e parental , que determina um atendimento respeitoso, que ajude na recuperação das pessoas que passaram por esse trauma.
A lei 15.139 traz uma série de determinações às maternidades públicas e privadas, incluindo a possibilidade de as famílias poderem ter um último momento com o bebê, fazer fotos ou receberem registros como as digitais do pezinho e poderem se despedir. Também foi determinada a possibilidade de registrar o nome do bebê na certidão de óbito, e se for do interesse da família, enterrar ou cremar.
Além disso, fica a assegurada às mulheres que tiveram perdas gestacionais a investigação sobre o motivo do óbito, bem como o acompanhamento específico em caso de nova gestação.
"É essencial que essa família seja acolhida e se respeite aquele momento de luto. É preciso validar a dor dessas pessoas", acrescenta Lígia, que após a morte de sua bebê fundou o Instituto do Luto Parental, uma ONG para acolher famílias que enfrentam a dor da perda gestacional, perinatal, neonatal e infantil.
Maternidade oferece acolhimento há anos
Muito antes da lei entrar em vigor, a maternidade da Maternidade-Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) implementou ações de acolhimento às mães e famílias enlutadas pela perda de um bebê na gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida.
Há cerca de 15 anos, a maternidade instalou a Enfermaria da Finitude, para onde essas mães vão após a perda. O local fica afastado da ala onde ocorrem os nascimentos e mães e bebês ficam internados.
Os profissionais observaram que a convivência daquelas mulheres que estavam vivendo um luto com outras mães de filhos nascidos vivos ou em aleitamento intensificava o sofrimento delas.
"A maternidade tem um perfil de gestações de alto risco e com o passar dos anos, os próprios profissionais foram sentindo a necessidade desse atendimento mais acolhedor a mães e famílias que perdem seus bebês. E aos poucos as ações foram sendo criadas e implantadas", explica Penélope Marinho, médica e gerente de atenção à saúde da Maternidade Escola do Complexo Hospitalar da UFRJ/Ebserh.
Outra ação, foi criar um ambiente na maternidade onde as famílias podem se despedir do bebê com privacidade. No espaço chamado morge, os pais que desejarem podem passar um tempo com o bebê e, assim, criar memórias.
A sala é pequena, mas pais e familiares, como os avós ou irmãos, podem permanecer pelo tempo que precisarem. O local tem nas paredes desenhos de anjos e nuvens coloridas que dão mais leveza ao ambiente.
"Apesar de toda a dor é um momento de encontro entre os pais e o bebê. Então é importante para eles verem as características do bebê, eles podem fazer a impressão da digital do pezinho, pegá-lo no colo e vesti-lo", acrescenta Camila Haddad, psicóloga e chefe do Setor Multiprofissional da Maternidade Escola do CH-UFRJ/Ebserh.
As funcionárias ainda oferecem roupinhas, caso à família não tenha e também entregam dois coraçõezinhos de pano, produzidos por voluntárias, como lembrança do bebê que partiu. Um é enterrado com o bebê e outro fica com a família.
"Uma das maiores queixas dos pais é não ter muitos elementos para se lembrarem dos bebês, então cada pequeno detalhe para construir uma lembrança vale muito. É uma maneira de concretizar o luto", disse Haddad.
Apoio psicológico
Além desse espaço, as mães, que estão com seus bebês na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) com pouca expectativa de vida, podem passar mais tempo com seus recém-nascidos, pegá-los no colo e também receber visita dos familiares mais próximos. Em alguns casos, a equipe prepara uma espécie de biombo, para garantir a privacidade do momento.
"Toda a equipe teve muito cuidado comigo. Me abraçaram no momento difícil, tive o apoio dos médicos da UTI e de uma psicóloga que me acompanhou em todos os momentos", recorda a artesã Pâmela dos Santos Lisboa, de 28 anos.
Após uma gestação de risco, Pâmela perdeu a filha Maria Vitória, que nasceu prematura de 23 semanas e ficou alguns dias internada na UTI da maternidade.
O apoio psicológico, como o que Pâmela recebeu, é oferecido para as mães presencialmente ou por telefone. Ele pode ocorrer durante todo o pré-natal, no nascimento e nos meses seguintes, sendo oferecido pelo tempo em que essa mãe precisar.
Outras determinações da política de humanização do luto na maternidade escola da UFRJ, e que são exemplo, incluem sessões de musicoterapia para as pacientes e equipes de saúde, que tem o objetivo de proporcionar momentos de relaxamento para as mães.