“Achei que ia envelhecer e morrer mais rápido”, diz jovem que entrou na puberdade aos 4 anos e na menopausa aos 16

Júlia Micaelly, de 20 anos, passou por uma menopausa cirúrgica aos 16 e usa sua história para apoiar outras mulheres

4 ago 2025 - 04h59
Resumo
Júlia Micaelly, diagnosticada com puberdade precoce aos 7 anos, perdeu os ovários após um cisto agressivo aos 16, entrando em menopausa cirúrgica, mas usa sua experiência para apoiar outras mulheres e inspirar sua futura carreira em medicina obstétrica.
Diagnosticada com puberdade precoce aos 7 anos, jovem perde ovários após cisto agressivo
Diagnosticada com puberdade precoce aos 7 anos, jovem perde ovários após cisto agressivo
Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

A maranhense Júlia Micaelly Ribeiro Carvalho tinha apenas 4 anos quando a mãe notou algo incomum: a menina apresentava pelos nas axilas e na região íntima. Anos depois, veio o diagnóstico de puberdade precoce. Aos 16, após uma cirurgia de emergência para conter uma hemorragia causada por cistos, Júlia perdeu os dois ovários e entrou na menopausa antes da vida adulta.

Em entrevista ao Terra, Júlia, hoje com 20 anos, relembra o descaso médico ao chegar ao hospital com intensas dores, o desafio de lidar com os fogachos da menopausa mesmo sendo tão jovem, e os medos que enfrentou.

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“Me senti louca. Achei que iria envelhecer e morrer mais rápido, e ninguém conseguia me explicar o que estava acontecendo. Pensava que nenhum homem iria me querer, já que não posso engravidar naturalmente. Cheguei a acreditar que nunca iria casar”, desabafa.

Os primeiros sinais

Os pelos nas axilas e na região íntima, ainda aos 4 anos, não foram os únicos 'sinais' de que algo estava mudando. Quando corria, Júlia exalava um suor com odor forte, um cheiro que, segundo ela, 'criança não tem'. Na época, a mãe não compreendia o que estava acontecendo e procurou um pediatra, mas o especialista afirmou que não havia motivo para preocupação.

“Minha mãe falava: ‘Olha, tem um cheiro forte! Olha esses pelinhos aqui’, levantou meu braço e mostrou pra ele. E o pediatra respondeu: ‘Calma, mãezinha, isso aí é só um pico hormonal. Não é nada demais, não se preocupe. Esse pelinho vai desaparecer, vai parar. [...] Quando ela correr e tiver com aquele suor forte, passa só um algodãozinho com essência de rosa, uma vez por dia’”, relembra a maranhense.

Após ouvir as orientações, a mãe de Júlia não se preocupou. No entanto, três anos depois,  a mãe de uma amiguinha voltou a tocar no assunto, após as crianças tomarem banho juntas. “Ela notou e achou muito estranho, porque eu tinha a mesma idade da filha dela, mas já apresentava características que a filha não tinha. [...] E sugeriu que minha mãe me levasse a uma endocrinologista, pois poderia ser um problema hormonal”, conta.

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“Minha mãe diz que, na hora, teve um estalo: ‘Meu Deus, é verdade! Um médico dos hormônios... Se é hormonal, por que eu não pensei nisso antes?’”, detalha a jovem.

Ao entrarem no consultório, a médica imediatamente perguntou a idade de Júlia. Na época, ela tinha 7 anos, media cerca de 1,60 mestros e apresentava traços corporais desenvolvidos. Ao ouvir a resposta, ficou surpresa e não teve dúvidas do diagnóstico: “Ela com certeza tem puberdade precoce”.

7 anos com ossos de uma menina de 12

Uma série de exames confirmaram a puberdade precoce. A idade óssea de Júlia correspondia à de uma criança de 12 anos. O passo seguinte foi iniciar o tratamento para retardar os sintomas. “A medicação era uma injeção. Se não conseguisse pelo governo, custava R$ 1,2 mil, e eu precisava de três ao mês. Imagina o impacto financeiro? Não tínhamos condições. Meu pai era enfermeiro, minha mãe, estudante. Fizemos um requerimento, e deu certo”, conta.

“O meu caso já estava muito avançado. Se não tomasse as injeções naquele momento, eu menstruaria, e tudo iria por água abaixo. Era questão de meses. Fiz um exame para avaliar os ovários e os folículos já estavam maduros. Me lembro até hoje da médica dizendo: ‘Olha, tá vendo isso aqui? São os folículos. Minha filha, isso aqui está prontinho. Não é pra sua idade’. Eu tentava entender. Já tinha crescido muito, por isso era tão alta. Foi uma corrida contra o tempo”, relata.

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Ela não foi a única da família a enfrentar a puberdade precoce: uma prima também teve a condição, mas, diferente de Júlia, não conseguiu fazer o tratamento e menstruou aos 8 anos.

Susto aos 16 anos: cisto agressivo e hemorragia

Júlia seguiu com as injeções até os 11 anos, combinadas com acompanhamento médico até os 14. Sua menstruação era regular: durava de 3 a 4 dias, sem cólicas ou fluxo intenso. Mas tudo mudou no mês em que completou 16 anos.

A estudante narra que começou a sentir uma cólica forte, como nunca tinha sentido, no início da noite. A mãe recomendou tomar um remédio para aliviar o incômodo, mas, acreditando ser a chegada da menstruação, a jovem não deu tanta importância. Na manhã seguinte, acordou com dores ainda mais intensas. 

“Quando eu fui levantar, parece que eu senti. Ouvi exatamente um barulho de ‘poof’ dentro de mim”, relembra Júlia. 

Ela conta que imediatamente colocou a mão na barriga e sentiu como se um “líquido” subisse pelo corpo, da região do útero até o peito. “Era quente, subiu ardendo pelo corpo todo. Era o sangue subindo”, diz.

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“Eu tentava respirar e não conseguia. Achei que era minha bexiga e que esse líquido que estava subindo era a urina. Já sabia que era algo grave, pela dor e pelo o que escutei. Senti rompendo alguma coisa”, detalhou a estudante. 

Júlia se arrastou pelo chão à procura da mãe e, ao abrir a porta, começou a gritar por socorro. A mulher acordou e conseguiu carregar a filha até a cama. A adolescente tentava explicar o que sentia, mas ambas não tinham dimensão da gravidade do que havia acontecido. “Tórax, barriga, costas... tudo estava infestado de sangue, hemorragia — e por isso a minha dor”, explicou.

Ela nunca suspeitou da existência de um cisto, pois não teve qualquer sintoma que pudesse indicar que algo estava errado. “A minha última ultrassom foi com 14 anos e eu tinha acabado de fazer 16. O cisto se desenvolveu nesse meio-tempo, foi totalmente silencioso, mas [quando estourou] foi muito agressivo. Não senti nada — e, quando senti, foi para morrer”, detalha Júlia.

Graças a uma vizinha, a adolescente pôde ser socorrida e levada a uma unidade de saúde, em São Luís, no Maranhão.

No hospital, o 'descaso' dos médicos

A equipe médica não acreditava que o caso era grave. “Deram morfina, não adiantou. A dor não passou. Minha mãe pediu para que fizessem uma ultrassom e o médico olhou pra mim e falou: ‘Tá perto de menstruar? Tu não acha que isso é cólica, não?’”, disse. 

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“Eu falei: ‘Sei dor de cólica e isso aqui não é dor de cólica’. E ele: ‘Mas você tem certeza?’. Eles não estavam acreditando em mim. Disseram que eu não estava com expressão de dor suficiente para uma hemorragia”, relembra.  

Júlia chegou ao hospital às 6h, mas só foi submetida a um exame por volta das 14h, depois de vomitar bastante e os remédios não reduzirem os seus sintomas. Uma médica constatou que o ovário esquerdo havia se rompido e a jovem estava com hemorragia interna por toda região abdominal.

“Você está sangrando por dentro. Isso daqui tem que ser retirado. Você está com uma hemorragia seríssima”, disse a médica para a paciente.

A jovem foi encaminhada para um hospital macrorregional da região. Neste meio tempo, o pai de Júlia, na época, estudante de medicina, foi informado da situação e tentou conseguir uma cirurgia de urgência. 

“Quando meu pai chegou, ele passou a mão na minha cabeça. Na hora que ele me viu, falou: ‘Minha filha está morrendo, tem que ser agora’. Ele começou a chorar e saiu desesperado", relembra. 

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A jovem foi transferida para um segundo hospital. O procedimento aconteceu por volta das 23h. No entanto, durante a cirurgia, o ovário direito de Júlia — que também apresentava um cisto — acabou rompendo.

“Eu ouvi o médico dizer: ‘O ovário esquerdo dela não tem mais jeito. Ele enraizou com um cisto. Não tem mais nada aqui’. Meu pai disse que era como se fosse um balão estourado. Não tinha mais nada. Estraçalhou. O direito estava do tamanho de uma laranja, o que é muito grande. Disseram que se o deixassem daquela forma, amanhã teriam que me abrir novamente porque ele iria estourar dentro de mim", diz. 

“O médico bateu nele com os dois dedos e [o ovário] estourou na mão dele. Meu pai, que estava na sala de cirurgia, saiu. Disse que foi demais pra ele. Ele foi chorar. Chorou muito”, detalha. 

Havia a suspeita que a condição tivesse sido causada por câncer nos ovários e, por isso, parte do material retirado foi analisado. O resultado foi negativo. 

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A mãe de Júlia ficou muito abalada ao saber que a filha ficou sem os dois ovários. “Minha mãe chorou tanto. Parecia que eu tinha morrido pra ela. Foi um choro, ela gritava. Eu nunca vi minha mãe gritar, chorar tanto quanto naquele dia. Eu, dentro do quarto, escutava como se ela estivesse do meu lado. Comecei a ficar abalada", lembra

Júlia começou a compreender a gravidade da situação e entrou em pânico. O medo de nunca poder engravidar tomou conta de seus pensamentos.

Julia se casou recentemente e criou uma rede de apoio para mulheres com histórias semelhantes a dela
Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Menopausa precoce aos 16 anos

Devido à perda dos órgãos, Júlia teve algo chamado “menopausa cirúrgica”. De acordo com a médica ginecologista da Dasa, Lorrany Viola, a condição acontece por falta dos hormônios sexuais, em decorrência do envelhecimento ovariano.

“Nestes casos, as pacientes são conduzidas com hormônios sintéticos até que atinjam a idade de entrarem na menopausa ideal. Existem também os casos de pacientes que entram na menopausa precoce por falha ovariana também precoce. Raramente acontecem tão cedo assim, mas podem comprometer a vida reprodutiva da mulher”, explicou a especialista ao Terra

Desta forma, a estudante precisou passar por um tratamento hormonal. “Foi muito difícil no começo porque eu senti todos os sintomas duas semanas após a minha cirurgia. Ainda estava me recuperando do pós-operatório e tendo fogacho, que é o calor da menopausa. Foi desesperador”, diz. 

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“O calor da menopausa não passa. Ele é de dentro pra fora. Nisso, podia ligar o ar-condicionado, o ventilador, não passava a sensação. Era coisa de eu estar debaixo do chuveiro e eu sentia calor. Chorava de desespero”, detalha. 

Ela explica que se sentiu muito sozinha e incompreendida durante o período. 

“Eu me senti louca. Tudo o que eu sentia era novo, ninguém sabia como me ajudar", conta.Para lidar com seus pensamentos, Júlia criou uma rede de apoio online por meio do TikTok. Na plataforma, compartilhou a sua história e encontrou outras mulheres que passaram pelo mesmo. A experiência a ajudou a encontrar a carreira que deseja seguir: medicina obstétrica.

Além disso, a jovem se casou e sua mãe guardou óvulos para que Júlia pudesse ter filhos no futuro.

“Meu marido é muito tranquilo com isso. Ele tem um pensamento muito positivo e me ajuda muito. Às vezes fico assim: ‘Será que vai dar certo?’ e ele sempre está ali comigo, o tempo todo”, concluiu. 

Fonte: Redação Terra
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