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RS: como reconhecer o Transtorno de Estresse Pós-Traumático e proteger a mente?

Em meio às enchentes que vêm afetando o Rio Grande do Sul, a psiquiatra Dra. Jéssica Martani fala sobre as consequências dos traumas para a saúde mental

9 mai 2024 - 13h39
(atualizado em 10/5/2024 às 10h45)
Transtorno de Estresse Pós
Transtorno de Estresse Pós
Foto: Traumático será uma das consequências enfrentadas pelas vítimas das chuvas no RS - Gustavo Mansul/Palácio Piratini / Bons Fluidos

Sofrer grandes traumas resulta em cicatrizes emocionais que podem ferir nossa alma. Gostaria de falar com vocês sobre o Transtorno de Estresse Pós-Traumático, TEPT, anteriormente chamado de "neurose traumática de guerra". Com o tempo estudioso começaram a perceber que tal transtorno não acontecia apenas em pessoas que participavam da guerra, por isso, em 1980, houve a renomeação do transtorno.

A verdade é que não estamos blindados contra eventos extremamente ruins. Exposição à violência, desastres e catástrofes podem acontecer e deixar destroços emocionais.

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Os eventos ocorridos no Rio Grande do Sul são devastadores, e as pessoas expostas a tais situações podem desenvolver o que chamamos de traumas de magnitudes comparadas a situações pós-guerra, que, se não bem elaborados, podem se transformar no transtorno de estresse pós-traumático.

O que é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático?

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é uma condição complexa que se manifesta após vivências traumáticas. Este transtorno é caracterizado por memórias intrusivas dos acontecimentos. É como se o filme da nossa mente estivesse com defeito e não saísse da pior cena, que se repete de maneira intensa no último volume e sem pausas.

As memórias são invasivas, se repetem e destroem a saúde mental. Em situações comuns, como trabalhar ou estar com a família, a mente é invadida por uma sombra aterrorizante de lembranças do ocorrido. Pesadelos e flashbacks fazem com que nosso corpo reaja e sinta sensações de medo, impotência, horror e culpa que, ocorrendo de maneira contínua, podem nos levar à angústia e ansiedade.

Geralmente, tais eventos traumáticos são experiências diretas, vivenciadas de formas diferentes. O Transtorno de Estresse Pós-Traumático afeta tanto às vítimas de uma situação, quando pessoas que tentaram ajudar, por exemplo, como policiais, médicos, bombeiros, equipe de salvamento, etc.

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Situações indiretas também são gatilhos?

Mas não são somente indivíduos que vivenciaram diretamente o evento que podem ter o transtorno. Experiências indiretas também podem ocasionar TEPT em pessoas com predisposição, por exemplo, em alguém que conhece outro que vivenciou um trauma. Ver imagens chocantes na televisão também pode ser devastador para nossa mente, já que somos seres empáticos e é comum que nos coloquemos no lugar do outro, sentindo a dor como se estivesse acontecendo conosco.

O corpo não sabe separar o que é real do virtual. Por isso, não é recomendada a exposição contínua deste tipo de notícia, principalmente em pessoas que já têm uma patologia psiquiátrica, como ansiedade, depressão, transtornos de personalidade, entre outros. Portanto, se você é sensível, se atualize, mas não mergulhe profundamente nesse tipo de conteúdo.

Quando falamos da exposição indireta, a maioria dos envolvidos irá se recuperar. Geralmente, o que ocorre é um transtorno de estresse agudo que apresenta solução, porém, se os sintomas persistirem por mais de um mês, podemos pensar no diagnóstico de TEPT.

Sinais do TEPT

Os sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático são variados e agrupados em quatro categorias principais:

1. Intrusões de pensamentos: pensamentos repetitivos e indesejáveis do ocorrido, bem como flashbacks e pesadelos. A pessoa não consegue controlar sua mente, que se torna um ambiente tóxico;

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2. Esquiva: é muito comum que a pessoa evite todas as maneiras falar sobre o assunto ou evite tudo que remeta ao evento, como, por exemplo, os locais, pessoas e situações ligadas ao trauma;

3. Hiper-reatividade: é comum que a pessoa fique em constante estado de alerta, assustada com pequenos gatilhos, irritável com explosões de fúria desproporcionais aos eventos, que podem ser seguidos por sintomas físicos como, por exemplo, taquicardia, falta de ar, tremores, entre outros. Também podem acontecer crises desenfreadas de choro, além de comportamentos autodestrutivos;

4. Alterações de humor: é muito comum haver uma sensação de tristeza, culpa, angústia, vontade de chorar, sensação de estar deslocado, desinteresse por atividades que antes eram prazerosas, dificuldades de sentir prazer, dificuldade de estar próximos aos amigos, alterações de foco e atenção.

Em crianças, entre as principais características está a regressão do desenvolvimento. Por exemplo, uma criança que já aprendeu a fazer xixi no banheiro pode voltar a fazer xixi na cama, ter problemas na fala, dificuldade de se comunicar, mutismo, carência excessiva, isolamento ou irritabilidade.

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"Estabelecer uma rotina pode ser crucial"

Tive o prazer de entrevistar a psicóloga Carina Pirró do @terapianoinsta para falar deste tema e, segundo a profissional, em momentos de crise como este, é natural perdermos algo muito importante já que o nosso senso de controle e previsibilidade.

"Diante desse cenário de grande instabilidade emocional, estabelecer uma rotina simples e estruturada pode ser crucial para trazer um sentimento de segurança e controle em meio ao caos. Além disso, permitir-se expressar emoções e compartilhar experiências com outras pessoas pode ser terapeuticamente benéfico, promovendo um senso de conexão e apoio mútuo", disse.

Carina Pirró ainda acrescenta que, mesmo com recursos limitados, identificar uma pequena ação que traga conforto ou solidariedade pode ajudar a cultivar um senso de propósito e resiliência.

Muitas vezes, o diagnóstico é difícil e exige uma abordagem empática e delicada da equipe de saúde, já que o tema é delicado e muitas vezes a pessoa não quer falar sobre a temática.

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Diagnóstico

O diagnóstico de TEPT é clínico e segue os critérios do DSM-5, exigindo que o paciente tenha sido exposto a um evento traumático e apresente sintomas específicos por mais de um mês. O tratamento inclui psicoterapia, especialmente a terapia de exposição, e pode ser complementado por medicamentos diversos, como antidepressivos, antipsicóticos, benzodiazepínicos, estabilizadores do humor, além de melhora de estilo de vida, entre outros.

Para aqueles que convivem com TEPT, a compreensão e o apoio são fundamentais. Psicoterapias que ajudam a lidar com sentimento de culpa e autocrítica podem ser particularmente benéficas. Mesmo diante dos desafios, muitos encontram alívio e melhora através do tratamento adequado, embora a jornada para a recuperação possa ser longa e requeira dedicação tanto dos pacientes quanto dos profissionais de saúde mental.

Este transtorno é um lembrete de que as cicatrizes psicológicas são tão reais quanto as físicas, e que o cuidado com a saúde mental é essencial. Por isso, busque ajuda médica e psicoterápica.

Referência: 1. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, Texto Revisado (DSM-5-TR). American Psychiatric Association Publishing, Washington, DC, pp 301-313.

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