O teste de DNA caseiro que revelou troca de bebês na maternidade há 70 anos

Richard Beauvais e Eddy Ambrose receberam um pedido de desculpas formal da província de Manitoba, no Canadá, onde ocorreu a troca.

25 mar 2024 - 17h28
(atualizado em 26/3/2024 às 16h58)
Richard Beauvais (à esquerda) e Eddy Ambrose foram trocados na maternidade, há quase 70 anos
Richard Beauvais (à esquerda) e Eddy Ambrose foram trocados na maternidade, há quase 70 anos
Foto: JOHN WOODS/THE CANADIAN PRESS / BBC News Brasil

Um kit simples de teste de DNA caseiro, recebido como um presente de Natal, mudou para sempre a vida de dois canadenses.

Richard Beauvais, da cidade costeira de Sechelt, em British Columbia, cresceu a vida toda acreditando que era indígena. Mas o teste genético que ele fez mostrou que tinha ascendência ucraniana, judaica ashkenazi e polonesa.

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Na mesma época, e a quase 2,4 mil km de distância, a irmã de Eddy Ambrose, de Winnipeg, Manitoba, criada em uma família ucraniana, também fez um teste de DNA — e descobriu que não era parente de Eddy.

Em vez disso, Beauvais era seu irmão biológico. A revelação mudaria a vida deles.

Richard Beauvais e Eddy Ambrose nasceram no mesmo dia, no mesmo hospital, na pequena cidade de Arborg, em Manitoba, em 1955, mas foram trocados na maternidade — e levados para casa pelos pais biológicos um do outro.

Na quinta-feira (21/3), quase 70 anos depois, Beauvais e Ambrose receberam pessoalmente um pedido formal de desculpas do primeiro-ministro de Manitoba, Wab Kinew, pelo trauma que sofreram devido ao erro.

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"Tomo a palavra hoje para apresentar um pedido de desculpas que já devia ter sido feito há muito tempo, pelas ações que prejudicaram duas crianças, dois pares de pais e duas famílias ao longo de muitas gerações", afirmou Kinew na Assembleia Legislativa de Manitoba.

Na infância, os dois levaram vidas totalmente diferentes, informou o advogado deles, Bill Gange, à BBC.

Beauvais, de 68 anos, foi criado como um membro da nação métis — um povo indígena do Canadá com ascendência indígena e europeia.

O pai dele morreu quando ele tinha três anos, deixando-o responsável pelos irmãos mais novos enquanto sua mãe chorava pela perda.

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Ele frequentou uma escola para crianças indígenas e, mais tarde, foi retirado à força de sua família no chamado Sixties Scoop — uma política assimilacionista no Canadá, em que crianças indígenas eram colocadas em lares adotivos fora de suas comunidades.

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Enquanto isso, Ambrose cresceu em uma fazenda na zona rural de Manitoba, "com uma família ancestral ucraniana muito amorosa e solidária", que cantava canções folclóricas ucranianas para ele antes de dormir, conta Gagne. Mas também acabou sendo adotado posteriormente, ao se tornar órfão aos 12 anos.

Ao longo de sua vida, Ambrose nunca teve conhecimento de sua ascendência indígena.

'Nova família'

Durante muitos anos, Beauvais teve orgulho de dirigir o único barco de pesca totalmente indígena na costa de British Columbia.

"Agora ele percebe que todos são indígenas, menos ele", observou Gange. "Há uma enorme mudança em suas histórias de vida."

Em seu pedido de desculpas, Kinew destacou que, surpreendentemente, as vidas dos dois homens se sobrepuseram ligeiramente ao longo dos anos.

Quando criança, Ambrose convidou uma garota na cidade vizinha para fazer parte de seu time de beisebol no recesso, contou Kinew, "sem saber que ela era na verdade sua irmã biológica".

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E, na adolescência, o amor de Beauvais pela pesca o levou à mesma costa que sua irmã biológica, que estava lançando sua vara de pescar ao lado dele — os dois não sabiam que eram parentes.

Apesar das perdas, Gange disse que ambos estão muito orgulhosos de quem se tornaram e das famílias que os criaram. Eles também ganharam uma nova família com a descoberta.

Ambrose entrou em contato com seus parentes biológicos e virou membro da Federação Métis de Manitoba.

Beauvais também planeja se conectar com sua família biológica e, desde então, suas duas filhas adultas tatuaram "Ambrose" nos braços, para marcar o sobrenome que o pai teria tido.

Os dois homens também procuraram um advogado, Gange, para exigir um pedido de desculpas e uma indenização financeira da Província de Manitoba.

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Gange disse que inicialmente a província não comentou sobre o caso — e alegou que o hospital onde ocorreu a troca era gerido pelo município e, portanto, não era da sua responsabilidade.

Mas depois da eleição de Kinew — o primeiro premier indígena de Manitoba desde 1887 —, o tom mudou.

O pedido de desculpas é uma admissão significativa "de que foi cometido um erro que afetou todos eles", declarou Gange, referindo-se tanto a Beauvais quanto a Ambrose, assim como às suas famílias.

"[É] o primeiro-ministro, em nome da província, dizendo em voz alta e na cara deles: 'Isso não deveria ter acontecido com vocês', e acho que é um reconhecimento importante."

Não houve nenhuma palavra, no entanto, em relação a uma possível indenização financeira, embora Gange tenha dito que vai continuar batalhando por isso.

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O advogado baseado em Winnipeg já buscou com sucesso indenização para outros canadenses trocados na maternidade no passado, mas nesses casos, os indivíduos haviam nascido em hospitais administrados pelo governo federal.

Beauvais e Ambrose são o terceiro caso conhecido de troca de bebês em Manitoba. Dois outros casos foram registrados na província de Newfoundland.

Gange disse que é difícil saber quão raras — ou comuns — são essas histórias.

Ele observou que Beauvais e Ambrose fizeram a descoberta "apenas por acaso", graças ao teste de DNA caseiro.

"Este é apenas meu palpite, mas acredito que à medida que [os kits de teste de DNA caseiros] se tornarem mais predominantes, vamos encontrar outros casos como este."

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