A Espatódea, árvore exótica de origem africana e amplamente usada como ornamental no Brasil, tem flores tóxicas que ameaçam abelhas e beija-flores, levando estados a regularem seu plantio para proteger a biodiversidade.
A Espatódea (Sphatodea campanulata), árvore proveniente das terras africanas, já foi bastante usada no Brasil para ornamentar os jardins urbanos de várias cidades. Por trás da sua beleza, no entanto, há uma substância presente em suas flores que é uma ameaça para as abelhas, essenciais na polinização e para a sobrevivência de alguns pássaros.
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A palavra tem origem no grego antigo, sendo que spathe significa espata - uma espécie de folha em forma de bainha que envolve as flores. O sufixo -oidea ou -oide significa "semelhante a". Portanto, espatódea significa "semelhante a uma espata".
A característica inseticida dessa planta levou autoridades de diversos Estados e municípios brasileiros a tomar medidas para conter a disseminação da Espatódea. Em Santa Catarina, por exemplo, a produção e plantio da árvore é proibida desde janeiro de 2019 em todo o território catarinense. A Lei Estadual nº 17.694/2019 prevê multas para aqueles que desrespeitarem a proibição, com valores que podem atingir até R$ 1.000 por planta ou muda, e dobro em caso de reincidência.
"Esta espécie é muito utilizada como planta ornamental em áreas urbanas. As flores da espatódea são chamativas pois são vermelhas e muito grandes, apresentam grande quantidade de néctar e mucilagem" explica a professora doutora Kayna Agostini, pesquisadora na área de biologia da polinização, da Universidade Federal de São Carlos.
Curitiba (PR), Araucária (PR) e Limeira (SP) já adotaram regulamentações similares às de Santa Catarina. Estados como Mato Grosso e Espírito Santo também implementaram legislações restritivas, impondo sanções aos infratores.
Toxicidade para abelhas
De acordo com Kayna, estudos revelam o envenenamento de colônias de abelhas Tiúba e Uruçu-boca-de-renda pelo pólen da Espatódea, possivelmente uma estratégia utilizada pela planta para impedir que as abelhas utilizem o seu pólen como alimento. Com isso, impedem sua coleta sem que haja polinização. A mucilagem das flores --secreção presente em grandes quantidades nos botões florais, presentes no néctar-- também é tóxica, levando à morte das abelhas.
"A presença de mucilagem torna as flores da espatódea verdadeiras armadilhas para as abelhas. Ao entrarem no cálice para coletar néctar, os insetos acabam ficando presos em seu interior e morrem algum tempo depois. Além de causar a morte de abelhas, observou-se que as flores dela apresentam alcaloides tóxicos para espécies de beija-flores nativas", destaca a pesquisadora.
Também há casos de grão de pólen da Espatódea que são levados para a colmeia e acabam intoxicando outras abelhas e causando a morte delas.
Árvores ornamentais amigas das abelhas
A pesquisadora sugere que, ao longo do tempo, a Espatódea deve ser totalmente substituída por espécies nativas que não afetem a biodiversidade. De acordo com ela, a comercialização de mudas da Espatódea deve ser proibida para evitar sua disseminação.
Conforme a Agência de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Mato Grosso do Sul, flores coloridas e plantas aromáticas atraem abelhas, principalmente aquelas com cores claras --branca e amarela-- e com floração em massa.
Algumas plantas indicadas para quem quer atrair abelhas e deixar o jardim mais bonito são malícia, sapateira e urucu. Outras plantas amigas das abelhas, que preferem aquelas de grande porte, são as da família Myrtaceae: goiabeira, jabuticabeira e pitangueira
Por outro lado, Kayna pondera que é preciso cautela para substituir as plantas adultas.
"Recentemente, o Relatório Temático Sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, produzido pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, trouxe informações relevantes sobre espécies exóticas e que devem ser levadas em consideração pelos tomadores de decisão. As flores da árvore exótica são nocivas para as abelhas nativas e podem comprometer sua manutenção", acrescenta.
Curiosidades e alertas
As abelhas, embora entre os insetos mais importantes na cadeia de alimentação humana, são constantemente esquecidas ou até exterminadas. De forma direta ou indireta, estão ligadas ao ciclo de perpetuação de mais de 85% das plantas com flores das matas, florestas e áreas verdes, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, da sigla em inglês).
As abelhas ainda são responsáveis pela polinização de quase 70% das culturas agrícolas. Estima-se que 1/3 de todos os alimentos que chegam nas mesas sejam oriundos dos serviços de polinização dos insetos.
A apicultura, no entanto, está ameaçada em todo o mundo. A morte de abelhas já é considerada epidêmica e levou à denominação da Síndrome do Desaparecimento das Abelhas.
Os prováveis vilões principais são os inseticidas do tipo neonicotinoides, conforme o geneticista Lionel Gonçalves em entrevista ao Cenário Agro. "Eles são produtos sistêmicos, ou seja, que penetram na planta, em suas raízes e no solo; sendo levados a quilômetros de distância pelo lençol hídrico", explicou.
"Estamos numa luta bastante inglória. De um lado, estão governo e multinacionais responsáveis pela produção e venda de agrotóxicos e do outro, a natureza, que precisamos preservar. É necessário que tenhamos mais contato com a natureza, que tenhamos mais amor pelos insetos", finaliza o pesquisador.