Rainha do carimbó, Dona Onete comemora a repercussão da COP30 em Belém: 'Nós éramos esquecidos'

Aos 86 anos, a artista é considerada uma voz potente da cultura nortista e aposta no saldo positivo do evento

9 nov 2025 - 05h00

Dona Onete surgiu como um banzeiro, movimentando tudo ao seu redor. O termo paraense define o rebuliço das águas provocado por embarcações ou forças da natureza, mas também traduz o tamanho do impacto da artista. Guardiã da cultura amazônica, ela tem uma vida dedicada às tradições do Norte, mesmo estreando a carreira musical aos 73 anos. De lá para cá, sua obra foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Pará e ela foi 'coroada' como rainha do carimbó, título que recebe com modéstia: "Fico até sem graça", confessa.

Rainha do carimbó, Dona Onete comemora a repercussão da COP30 em Belém
Rainha do carimbó, Dona Onete comemora a repercussão da COP30 em Belém
Foto: Divulgação/Renato Reis
  • Esta reportagem integra a série de reportagens Filhas do Pará, que conta as histórias de grandes artistas paraenses (Gaby AmarantosZaynara e Viviane Batidão), que exaltam a força da região. 

A voz de Ionete da Silveira Gama carrega saberes amazônicos e ancestralidade. Memória viva da comunidade onde se criou, o nome artístico é a forma carinhosa como vizinhos e conhecidos sempre a chamaram: Dona Onete. Nascida em Cachoeira do Arari, a aproximadamente 130 km de Belém, ela viveu parte do início de sua vida em Belém, mas foi em Igarapé-Miri, uma cidade com pouco mais de 60 mil habitantes, onde ela criou raízes fortes.

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Desde muito jovem, Onete sempre teve afinidade com a arte. Versava, dançava e atuava em manifestações populares paraenses. Ela também já escrevia as próprias letras, mas inicialmente foi impedida de lançá-las por seu primeiro marido, com quem se casou aos 19 anos. 

Olhando para trás, Onete vê com otimismo avanço das conquistas femininas e relembra que precisou "ir à luta" muito cedo. "Acho maravilhoso o que está acontecendo. As mulheres estão sendo mais dominantes do que dominadas", celebra. 

'Luto para mostrar o ritmo do meu lugar' 

Rainha do carimbó, Dona Onete comemora a repercussão da COP30 em Belém
Foto: Divulgação/Renato Reis

Ainda naquela época, a relação não a impediu de traçar uma carreira voltada a enaltecer a cultura de sua região. Já adulta, foi professora de História e Estudos Paraenses, fundou grupos artísticos e chegou a ser secretária de Cultura de Igarapé-Miri, entre 1993 e 1995.

Inquieta e opinativa, Dona Onete também se aventurou na militância, atuando como sindicalista e uma das fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará.

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O foco total só se voltou mesmo para o lado artístico aos 73 anos, quando a paraense decidiu colocar no mundo o seu álbum de estreia, Feitiço Caboclo, em 2012. Com mais de 300 composições assinadas, a obra de Onete conta com sucessos como No Meio do PitiúBoto Namorador Banzeiro, que virou até axé na voz de Daniela Mercury. 

Foi com esse histórico e um repertório celebrado pelo povo paraense que Dona Onete se tornou conhecida como a rainha do carimbó.

"Eu fico até sem graça quando me chamam de rainha. Sou somente uma pessoa que está lutando para mostrar o ritmo do meu lugar, da minha cidade, para fora e para dentro do Brasil. Mas juro que também fico muito feliz. Obrigada por gostarem da nossa música", agradece.

'Vencemos o Brasil'

Dona Onete foi atração do 'Amazônia Live', que ocorreu de um palco flutuante no Guamá
Foto: Reprodução/Instagram

Mesmo reticente a reconhecer a grandiosidade de seu trabalho, Onete recebe com carinho as manifestações que vêm de dentro e de fora do Pará, como foi o caso do Rio de Janeiro. Em 2024, a Câmara definiu o Dia Municipal do Carimbó para 18 de junho, a data de seu nascimento. A conquista, segundo ela, foi uma das mais gratificantes da sua trajetória.

"Me sinto muito bem com tudo que está acontecendo, mas o maior orgulho foi ver o nosso carimbó, uma música do ribeirinho, que não era aceita nem pelo nosso povo, ser Patrimônio Cultural e Imaterial de uma cidade famosíssima em tudo, como o Rio de Janeiro. Vencemos o Brasil", opina. Antes da homenagem carioca, o carimbó já havia sido considerado Patrimônio Cultural Imaterial do País, em 2014. 

Neste ano, Onete também foi destaque em um carro alegórico da escola de samba Grande Rio, que entrou na Sapucaí defendendo o enredo Pororocas Parawaras: As Águas dos meus Encantos nas Contas dos Curimbós, inspirado na música Quatro Contas, assinada por ela. 

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'Nós temos história para contar'

Meses depois, a paraense também viveu outro grande momento: em 17 de setembro, Dona Onete subiu ao palco do Amazônia Live, no meio do rio Guamá, para chamar atenção do mundo para a importância da preservação da floresta.

A programação fazia parte da agenda da COP30, que ocorre em Belém entre os dias 10 e 21. Com ela, estavam outras forças femininas do Pará, como Gaby Amarantos e Zaynara

Dona Onete não se arrisca a avaliar os impactos do evento antes mesmo do fim da programação, mas aposta que a Conferência deixará um saldo positivo para o seu Estado.

"Como paraense da gema, acho que eles vão se encantar com o que verão. Nós temos história para contar. História que a gente viveu e vive. Temos coisa bonita para mostrar", destaca. 

Para Dona Onete, a beleza e a cultura do Pará ofuscam qualquer polêmica, incluindo as críticas sobre os preços cobrados nas hospedagens em Belém durante a COP30. Mais do que se preocupar com os comentários negativos, a artista acha importante aproveitar a oportunidade de mostrar o Norte para o mundo. "Nós aqui éramos esquecidos, somente agora que a COP veio que estamos sendo lembrados", opina.

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Segundo a rainha do carimbó, os comentários negativos não são nada perto da simpatia e hospitalidade do povo da Amazônia. "Nós temos muitas coisas que essas pessoas não conhecem, principalmente o nosso carinho, o nosso jeito, o nosso modo de viver, a nossa alimentação", elogia.

Fonte: Portal Terra
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