COP30: consórcio de Governadores da Amazônia é patrocinado por empresas acusadas de crimes ambientais

Hydro, Vale e JBS ganham destaque na conferência, enquanto povos originários brigam por mais destaques nas negociações

18 nov 2025 - 05h00
Resumo
Empresas com históricos de crimes ambientais, como Hydro, Vale e JBS, são apoiadoras do Consórcio de Governadores da Amazônia na COP30, gerando críticas enquanto povos indígenas reivindicam maior participação nas negociações climáticas.
Consórcio Interestadual da Amazônia Legal exibe como apoiadoras três empresas com histórico de acusações e condenações por crimes ambientais: Hydro, Vale e JBS
Consórcio Interestadual da Amazônia Legal exibe como apoiadoras três empresas com histórico de acusações e condenações por crimes ambientais: Hydro, Vale e JBS
Foto: Adrielle Farias/Terra

Os primeiros dias da COP30, a primeira conferência do clima realizada na Amazônia, foram marcados por manifestações de povos indígenas que reivindicam maior participação na Blue Zone, área restrita em que ocorrem as negociações centrais sobre mudanças climáticas. Enquanto os povos originários pedem por mais espaço nesse núcleo decisório, o Hub Amazônia, mantido pelo Consórcio Interestadual da Amazônia Legal dentro da mesma área, tem como apoiadoras três empresas com histórico de acusações e condenações por crimes ambientais. 

Hydro, Vale e JBS aparecem em destaque em um painel logo na entrada do espaço oficial do consórcio, que reúne os governadores da região da Amazônia Legal --Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Mato Grosso, além de uma parte do Maranhão-- ,com o objetivo de projetar uma agenda conjunta de sustentabilidade. O apoio, no entanto, acabou sendo alvo de críticas após a exposição das marcas das companhias envolvidas em desastres e infrações ambientais, segundo apurou o Terra junto a participantes da COP em Belém.

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Em nota, a Vale e a Hydro justificaram suas presenças na COP30, citando a necessidade de um "esforço coletivo e consistente" e a "oportunidade única de diálogo global sobre o futuro do clima". A JBS e o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal não se posicionaram até a última atualização desta reportagem.

Líder de emissões de gases no setor de carnes 

A JBS, maior processadora de proteína animal do mundo, é apontada como a empresa do setor de carnes que mais emite gases de efeito estufa globalmente, de acordo com um relatório recente da ONG Profundo sobre o impacto climático das indústrias de carnes e laticínios. Além disso, em setembro deste ano, o Greenpeace Brasil divulgou um estudo indicando que unidades da JBS teriam adquirido gado criado ilegalmente na Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu, em Mato Grosso.

Segundo o relatório da ONG, a cadeia produtiva da JBS incluía animais provenientes de produtores multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento ilegal. Na ocasião, a companhia afirmou que as compras seguiam suas políticas internas e as diretrizes do setor, e informou ter bloqueado posteriormente as aquisições da fazenda citada no estudo.

Consórcio Interestadual da Amazônia Legal exibe como apoiadoras três empresas com histórico de acusações e condenações por crimes ambientais: Hydro, Vale e JBS
Foto: Adrielle Farias/Terra

Desastres de Mariana e Brumadinho 

Já a Vale é uma das maiores mineradoras do mundo com forte presença no Pará por meio da extração de minério de ferro. A empresa está envolvida nos rompimentos das barragens de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, duas das maiores tragédias socioambientais do País.

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O desastre de Mariana, ocorrido em 2015 com o rompimento da barragem de Fundão, deixou 19 mortos, afetou mais de 600 mil pessoas, despejou toneladas de rejeitos e contaminou o Rio Doce. Considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, ele envolveu a barragem operada pela Samarco Mineração, da qual são donos a Vale e a britânica BHP Billiton.

Vista aérea de Mariana (MG) após o desastre da barragem da Samarco 10/11/2015 REUTERS/Ricardo Moraes
Foto: Reuters

O colapso da estrutura liberou mais de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos, alcançando 41 cidades e três terras indígenas, numa área correspondente a mais de 220 campos de futebol na Mata Atlântica. De acordo com o Ibama, a análise de toda a área atingida mostra que ao menos 400 espécies da fauna e flora foram impactadas, incluindo entre 64 e 80 espécies de peixes, 28 de anfíbios, entre 112 e 248 de aves, e 35 de mamíferos.

Em 2024, o governo federal firmou um acordo de indenização com a mineradora no valor de R$ 132 bilhões. Embora investigações tenham sido abertas para apurar responsabilidades, passados dez anos do desastre, ninguém foi condenado.

Quatro anos depois, em 2019, foi a vez de uma barragem da própria Vale se romper em Brumadinho, deixando 272 mortos. Mesmo com indícios iniciais de que a empresa tinha conhecimento dos riscos de ruptura, nenhuma condenação criminal foi registrada até hoje. A mineradora firmou um acordo prevendo o pagamento de R$ 37 bilhões em indenizações.

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Desastre em Brumadinho deixou mais de duas centenas de mortos e rastro de destruição em Minas
Foto: Wilton Junior/Estadão - 30/01/2019 / Estadão

O impacto ambiental em Barcarena

Também entre as patrocinadoras está a Hydro, multinacional norueguesa do setor de alumínio, condenada pela Justiça Federal no ano passado a pagar R$ 100 milhões por um desastre ambiental em Barcarena, no Pará. De acordo com a decisão do juiz federal titular da 9ª Vara, José Airton de Aguiar Portela, a empresa contaminou e poluiu uma área do município em 2009, após o transbordamento de rejeitos sólidos de suas instalações.

A primeira denúncia, apresentada em dezembro de 2012 pelo Ministério Público do Pará (MPPA) e posteriormente ratificada pelo Ministério Público Federal (MPF), narra que, em razão do transbordamento da bacia de depósito de rejeitos sólidos (DRS), ocorrido em 27 de abril de 2009 no interior das dependências da Alunorte, houve contaminação do meio ambiente e poluição do Rio Murucupi.

Segundo a Justiça, com base em fotografias, autos de infração, laudos periciais, relatórios de fiscalização do Ibama e estudos do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da Faculdade de Química da Universidade Federal do Pará (UFPA), além do depoimento de diversos moradores de Barcarena na condição de testemunhas, o magistrado concluiu que a empresa se omitiu de evitar um dano que era previsível. 

Vista aérea da refinaria de alumina Alunorte, controlada pela Norsk Hydro, em Barcarena (PA) 30/09/2008 REUTERS/Paulo Santos
Foto: Reuters

“Em razão de vantagens econômicas decorrentes do processamento da bauxita, em detrimento do interesse da coletividade a um meio ambiente sadio e equilibrado, Hydro se omitiu ao dever de evitar um dano previsível ao subdimensionar os extravasores e a borda livre das paredes norte e oeste do depósito de rejeitos sólidos, assumindo o risco pelo transbordamento do material cáustico decorrente do aumento da pluviosidade local", apontou o juiz. 

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A sentença acrescenta ainda que "a poluição resultou no lançamento de resíduos sólidos altamente cáusticos e contendo metais pesados, como alumínio, ferro, sódio e titânio, sem o tratamento adequado em área de preservação formada por vegetação e nascentes d’água do Rio Murucupi, modificando drasticamente as características físico-químicas e microbiológicas ao longo de 9 quilômetros do rio, e na extensão da poluição aos rios Barcarena, Pará, Dendê e Arienga, na alteração da estrutura das comunidades bióticas locais, na mortandade de peixes, répteis e animais terrestres, na contaminação dos poços artesianos e na exposição dos ribeirinhos à intoxicação por metais pesados e queimaduras na pele.”

O juiz ainda avaliou que a Hydro Alunorte não tomou medidas imediatas para socorrer os ribeirinhos, compensar a ausência de água potável e minimizar os danos causados, além de ter sido responsável pelo transbordamento de grande quantidade de lama tóxica, suficiente para contaminar nascentes de rios. Segundo a sentença, a empresa impediu a entrada de fiscais do Ibama em sua sede no dia do evento e negou a ocorrência do dano, embora tivesse ciência do transbordamento e estivesse tentando ocultar o vazamento com sacos de areia e valas cavadas com retroescavadeiras.

“A empresa não comunicou imediatamente o dano aos órgãos ambientais e negou a ocorrência da poluição aos fiscais do Ibama. A Alunorte passou a colaborar com a fiscalização do Ibama somente após as autuações fiscais. A empresa ré tinha ciência de que devia fazer o alteamento da bacia de depósito de rejeitos sólidos desde dezembro de 2008 e não fez, assumindo o risco para o dano de poluição causado em abril de 2009”, disse a decisão.

Indígenas protestam por espaço

Povo Munduruku bloqueia entrada da Blue Zone da COP30 em Belém
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Se, de um lado, as empresas têm seus nomes garantidos aparecendo na Zona Azul da COP30, de outro, indígenas pedem por espaço. Na última sexta-feira, 14, depois de mais de três horas de protestos em frente à Zona Azul, área restrita da COP30 da qual essas empresas são apoiadoras do hub de governadores, indígenas do povo Munduruku entraram em reunião com Andre Corrêa do Lago, presidente da COP30, e as ministras Marina Silva e Sônia Guajajara.

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Entre as principais reivindicações dos povos estão a revogação do decreto 12.600, que concede as hidrovias dos rios Tapajós, Tocantins e Madeira, e a falta de espaço para as populações indígenas nas reuniões realizadas dentro da Zona Azul da conferência.

Ao Terra, na ocasião, o advogado do povo Munduruku, Marco Polo, reforçou que o protesto foi pacífico, mas necessário para que as lideranças fossem ouvidas. “Os indígenas da Amazônia fizeram viagens longas para estarem aqui. Eles são os que mais têm condições de falar sobre a questão do clima, a defesa da floresta, a defesa dos rios. Ninguém mais além de indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas tem a capacidade de falar desses problemas”, afirmou.

"Presença inevitável, mas é preciso combater desigualdade"

Pedro Rivas, coordenador da pós-graduação em ESG da ESPM, explica que a presença das empresas em conferências climáticas é inevitável, mas que precisa ser transparente. “Eu entendo que esperar que essas empresas não participem não seria razoável no sentido de que elas movimentam a sociedade. Existem interesses políticos e econômicos ligados às suas atividades”, afirma.

Segundo Rivas, o problema não é a presença das empresas, mas a forma como elas atuam e influenciam o debate.

“O que é preciso observar é de que forma as empresas participam das conversas aqui e trazer transparência para esse advocacy que pode acontecer. As empresas buscam proteger seus negócios e interesses, mas não é um evento para ser de interesse privado. É o interesse da sociedade, é o interesse da humanidade.”

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O portão principal do espaço onde ocorre a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP- 30) em Belém foi fechado na manhã desta sexta-feira, 14, por causa de um protesto de indígenas Mundurukus em frente à zona azul, onde ocorrem as negociações. A entrada para a conferência da ONU está sendo feita por uma entrada lateral.
Foto: FLAVIO CONTENTE/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Ele destaca a importância de separar os papéis e estabelecer limites claros. “É justamente sobre colocar cada coisa no seu lugar e pôr o limite. Hoje, um movimento da ciência planetária, que são os cientistas, os guardiões do planeta, com representantes como o professor Carlos Nobre, apresentou um manifesto pedindo a urgência de um mapa claro para o fim dos combustíveis fósseis. Em todos os lugares para onde vamos, vemos esse apelo, essa reclamação, para que seja elaborado um plano claro, mas ainda não há clareza sobre como transformar ou implementar essas mudanças de maneira efetiva, dentro da demanda que o clima e a sociedade exigem, mesmo considerando todos os interesses econômicos envolvidos", destaca. 

Rivas reforça a necessidade da participação corporativa, mas destaca a urgência de equilibrar poder e representação.

“A participação é inevitável, porque não dá para discutir o futuro da energia sem países e empresas que estão no centro dessa questão. Não ter essas vozes seria uma perda enorme", diz ele. "Mas, é preciso criticar e combater a falta de igualdade nesse espaço", acrescenta com relação a garantir mais espaço aos povos indígenas.

O que dizem as empresas

Em nota enviada ao Terra, a Vale afirmou que tradicionalmente participa das COPs, por entender que, para avançar na agenda climática, é necessário um esforço coletivo e consistente, que envolve diferentes setores da sociedade. "A empresa tem participado e apoiado iniciativas conjuntas, como coalizões e outros fóruns, como forma de estimular a implementação de bons modelos e aceleração de soluções de descarbonização que já existem e são economicamente provadas (como energia renovável, o potencial do biocombustível e a produção de aço de baixo carbono)", disse.

A Vale acrescentou que atua há 40 anos na Amazônia, "aliando produção com proteção, conservação e recuperação da floresta, além de apoiar comunidades locais". A empresa afirma que contribui para a proteção "de cerca de 1,1 milhão de hectares de florestas, sendo 800 mil hectares localizados na Amazônia, em parceria com o ICMBio. É uma área cinco vezes maior que a cidade de São Paulo. As operações ocupam apenas cerca de 3% desse território, enquanto 97% permanecem preservados. Na última década, a Vale investiu mais de R$ 1 bilhão em ações socioambientais, P&D e incentivo à cultura na região".

Já a Hydro disse que a COP30 representa uma oportunidade única de diálogo global sobre o futuro do clima e o papel da Amazônia nesse contexto, uma região que afirma ser parte essencial da história e das operações da empresa no Brasil.

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"Para a companhia, apoiar iniciativas que fortalecem o debate público sobre sustentabilidade contribui para ampliar a visibilidade das discussões sobre soluções concretas aos desafios climáticos e reforça a importância da participação empresarial na construção de caminhos sustentáveis. A decisão reflete o compromisso da Hydro com a transição para uma economia de baixo carbono e com o desenvolvimento socioeconômico sustentável da região amazônica", disse ao Terra.

A Hydro afirmou apoiar projetos e iniciativas paralelas à COP30 que promovem debates sobre transição energética, descarbonização e desenvolvimento sustentável da Amazônia. A empresa acrescentou que seu apoio ao Consórcio de Governadores da Amazônia integra sua estratégia de sustentabilidade e desenvolvimento responsável, contribuindo tecnicamente para temas de interesse coletivo, sem interferir na formulação de políticas governamentais.

Marcha Global Pelo Clima reúne mais de 30 mil pessoas no primeiro sábado da COP30
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*Essa reportagem foi produzida como parte da Climate Change Media Partnership 2025, uma bolsa de jornalismo organizada pela Earth Journalism Network, da Internews, e pelo Stanley Center for Peace and Security.

Fonte: Portal Terra
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