Banhos de cheiro em Belém unem conhecimento tradicional e espiritualidade e fazem sucesso na COP30

"Chama Gringo" faz sucesso durante a Conferência das Partes e se junta a outros banhos como "Chega-te a mim" e "Passa no Enem"

18 nov 2025 - 14h41
Nomes peculiares dos perfumes e banhos de cheiro, como "Passa no Enem" e "Chama Gringo", despertam curiosidade de turistas em Belém durante a COP30
Nomes peculiares dos perfumes e banhos de cheiro, como "Passa no Enem" e "Chama Gringo", despertam curiosidade de turistas em Belém durante a COP30
Foto: Mariana Castro / Redação Terra

No mercado do Ver-o-Peso, maior feira a céu aberto da América Latina, o setor das ervas não é apenas ponto de atração de turistas, mas também abriga as erveiras, Patrimônio Cultural Imaterial do Pará, que mantêm conhecimentos tradicionais da Amazônia, passados de geração em geração. Os banhos de cheiro e perfumes regionais unem espiritualidade e cura e se tornaram símbolo do espaço em Belém, sede da COP30. “Ele [o banho de cheiro] é uma composição de ervas perfumadas, ervas aromáticas e ervas atrativas”, explica a erveira Izabel Barbosa. 

Entre o público paraense, o espaço é ponto certo de encontro durante as festas de São João e no Ano Novo. Na tradição regional, esses são períodos onde o paraense tipicamente procura um banho de cheiro para atrair boas energias.

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Durante a COP30, os turistas também se encantaram com os nomes que estampam os rótulos dos perfumes, nos pequenos vidros coloridos encontrados nas bancas do mercado. Izabel explica que a maioria deles são referências aos nomes das ervas que fazem parte da composição e remetem às tradições indígenas e de religiões de matriz africana que são base para esses conhecimentos, como o “Chega-te a mim”, o “Chora nos meus pés” ou o “Abre caminhos”.

Enquanto no começo da comercialização no mercado os clientes buscavam as próprias ervas para produzirem seus banhos, com o passar do tempo, as erveiras passaram a oferecer as soluções já prontas para uso e a combinar as ervas para criar novas opções. É o caso do recente “Chama Gringo”, sensação em tempos de COP. “Ele já é uma composição de ervas: de ‘Chama’, de ‘Abre caminhos’ e etc. A gente elaborou esses”, explica a erveira.

Izabel Barbosa pertence à quarta geração de erveiras da família e trabalha no mercado do Ver-o-Peso, em Belém, desde os 11 anos
Foto: Mariana Castro / Redação Terra

Tradição passada através das gerações

Izabel é parte da quarta geração de erveiras da família, seguindo a profissão da mãe, da avó e da bisavó, que ocuparam a mesma banca no mercado do Ver-o-Peso. A alcunha da avó, Maria de Lourdes, a ‘Cheirosa’, virou praticamente nome de família. Décima de onze filhos, Izabel conta que todos os tios e tias maternos atuaram no setor de ervas do mercado.

Hoje, além de uma tia, quatro de seus irmãos e irmãs, cinco sobrinhos, o marido e dois filhos dela também trabalham no local. “Agora, a esposa do meu filho mais velho começou a ir comigo há mais ou menos dois meses. Com o fluxo de clientes maior por causa da COP, eu precisei ter mais pessoas comigo pra gente poder dar um atendimento melhor”, relata ela sobre a presença da família.

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A história se repete entre as 80 barracas que compõem o setor. “A gente não aceita que outras pessoas de fora entrem, a gente diz que o nosso setor é muito organizado. O que pode entrar é filho ou irmão, tem que ser alguém da família”, diz Izabel. A iniciativa, segundo o ponto de vista das erveiras, é voltada para o cuidado com a manutenção do conhecimento tradicional, que é fortemente baseado na oralidade e passado entre os integrantes da mesma família. As barracas de ervas são de propriedade da Prefeitura de Belém e cedidas às erveiras por um aluguel “simbólico” anual, segundo relatou a entrevistada.

Izabel conta ainda que frequentou o Ver-o-Peso a vida inteira e começou a ajudar a avó e outros profissionais do setor ainda adolescente. “Quando eu tinha 11 anos, eu comecei a ficar em definitivo. A minha avó não sabia ler e escrever, aí eu peguei e lia pra ela, e eu comecei a ficar e ajudar várias pessoas, porque na época era muita gente analfabeta. Comecei a ganhar um dinheirinho aqui, outro ali. Elas me pagavam pra eu fazer as somas, quanto que dava os valores das coisas, e eu fui ficando”, relatou. Antes de completar 15 anos, ela já havia juntado o dinheiro para conseguir a autorização de administrar a própria barraca.

A manutenção da tradição também convive em paralelo com a necessidade de modernização e aprimoramento. Izabel conta que, há alguns anos, a prefeitura ofereceu um curso de manipulação de ervas, ministrado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), que possibilitou a troca de conhecimentos e o aprendizado para a organização de receitas com os ingredientes que antes eram medidos em ‘punhados’.

"Passa no Enem" é um dos banhos de cheiro vendidos no mercado Ver-o-Peso em Belém
Foto: Mariana Castro / Redação Terra

Hoje, Izabel atua também na divulgação do trabalho das erveiras em outros estados e, inclusive, na capital federal. Ela lembra ainda de um episódio que a marcou quando tentava se preparar para uma vaga em um concurso público. “Eu fui fazer um curso preparatório e, em uma dessas palestras, a pessoa disse pra gente que lá no Ver-o-Peso, ‘naquele setor das macumbeiras, elas pegam água da chuva pra fazer garrafada, pra encher aquelas garrafas'”, conta ela.

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Além se defender das acusações falsas, Izabel diz que o momento reforçou nela a necessidade de seguir na profissão de erveira e divulgar a sua importância para a cultura amazônica e brasileira. “Foi aí que eu disse ‘não, é aqui que eu tenho que ficar’. É aqui que eu tenho que lutar pelo que a minha avó, a minha bisavó e a minha mãe lutaram a vida toda”, conta ela. “É onde eu ia mostrar mais o meu trabalho, que é uma coisa que eu amo, que eu domino, que a gente tem um entendimento, até porque eu passei um período na casa de Umbanda, no terreiro, onde eu também aprendi muitas coisas. Então eu tenho esse espiritual e esse conhecimento tradicional”, completa.

Fonte: Portal Terra
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