Em entrevista exclusiva à RFI e à France 24 nesta quarta-feira (24), às margens da Assembleia Geral da ONU em Nova York, o presidente francês Emmanuel Macron comentou a decisão de reconhecer um Estado Palestino e criticou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu que, segundo ele, não tem como prioridade libertar os reféns. Ele também abordou temas como a guerra na Ucrânia, as invasões do espaço aéreo europeu por drones e caças russos, e a reação da OTAN.
Macron afirmou que, quanto à questão palestina, a posição da França nunca mudou e que o país sempre apoiou a ideia de dois Estados. "Não mudamos de ideia nem fizemos nenhum movimento estratégico", disse. "Decidi, em nome do nosso país, dar esse passo. Não houve hesitação, houve uma análise profunda e, acima de tudo, o desejo de que isso desencadeasse ações úteis", acrescentou, afirmando que este não é um reconhecimento simbólico, mas "abre um processo que permite um caminho para a paz".
Segundo ele, a decisão foi tomada para apoiar a libertação dos reféns mantidos pelo Hamas. "Podemos ver claramente que a guerra total não permite isso. Até os coloca em perigo", disse, defendendo um cessar-fogo e a continuidade dos trabalhos humanitários que, para ele, só serão possíveis se o Hamas for desmantelado e desmilitarizado.
"Se quisermos atingir esses objetivos, precisamos encontrar um caminho político. Ou seja, precisamos romper com o ciclo de violência em que, de certa forma, todos os palestinos são reduzidos ao grupo terrorista islâmico Hamas. E, estrategicamente, é por isso que considerei o reconhecimento uma necessidade neste momento da guerra", enfatizou, afirmando que o reconhecimento é a única maneira de isolar o Hamas.
O presidente francês reconheceu que a guerra permitiu ao exército israelense restaurar sua capacidade de dissuasão na região. "Um dos colapsos de 7 de outubro — todos nós, é claro, nos lembramos das vítimas, daqueles que foram massacrados e mortos por essa barbárie terrorista, dos feridos e dos reféns — foi também o colapso da credibilidade de Israel na região", disse. "Essa credibilidade foi restaurada por meio de ações de segurança notáveis contra alvos terroristas, que decapitaram a organização terrorista Hamas", afirmou.
Macron, no entanto, declarou que o plano do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu "é um fracasso factual após dois anos de guerra". "O Hamas está desaparecendo por meio da guerra? A resposta é não", disse. "A guerra total em Gaza está causando mortes de civis, mas não está acabando com o Hamas", afirmou.
Netanyahu "sacrifica os reféns"
A comunidade judaica na França lamentou o fato de o presidente francês não ter estabelecido a libertação dos reféns como pré-condição para o reconhecimento da Palestina. Ao ser questionado, ele respondeu que a libertação dos reféns é uma prioridade para a França, mas não é para o Hamas nem para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
"O Hamas não quer a libertação dos reféns", ressaltou. "E, além disso, o Hamas, ao contrário do que se diz, não quer dois Estados. Ele nunca quis isso; quer a destruição de Israel", afirmou.
"Mas o primeiro-ministro Netanyahu não busca a libertação dos reféns acima de tudo. Ele sacrifica os reféns. Caso contrário, não teria lançado uma operação terrestre na Cidade de Gaza, onde ninguém sabe se há reféns. Caso contrário, não teria decidido realizar ataques em Doha, onde as negociações estavam em andamento com base em uma proposta americana entre negociadores do Hamas, Catar, Egito, Estados Unidos e Israel. Então, se esta é a pré-condição, estamos nos colocando em posição de deixá-la nas mãos de pessoas cujo objetivo não é esse", afirmou.
"A libertação dos reféns é a prioridade absoluta para nós, independentemente deste plano, mesmo que nem tudo funcione. É por isso que continuaremos lutando, e pelo cessar-fogo em Gaza, porque nada justifica as vidas tiradas hoje", reafirmou.
Reconhecimento como plano de paz
O presidente francês admitiu que o fato de uma dezena de países reconhecerem um Estado Palestino não tem impactos diretos na guerra nem efeitos práticos imediatos na vida dos palestinos. Mas, para ele, o ato não é uma finalidade. "Não é apenas um reconhecimento que colocamos na mesa, é um plano abrangente de paz e segurança para todos", afirmou.
Segundo ele, o plano está baseado em três pilares: o cessar-fogo e a libertação dos reféns, a criação de dois Estados e a arquitetura de segurança regional.
Ele disse que conversou com o presidente americano Donald Trump, que, segundo ele, tem a capacidade de influenciar o governo israelense sobre a Cisjordânia e a situação humanitária em Gaza. "E eu disse ao presidente Trump ontem: você tem um papel de destaque a desempenhar."
Sem deixar claro qual foi a resposta do presidente americano, afirmou que, assim como ele, Trump acreditava que as operações militares e a retomada das atividades de assentamento na Cisjordânia "eram totalmente contraproducentes" e "não tinham nada a ver com o Hamas".
Sobre o plano de ministros israelenses de anexar a Cisjordânia em represália ao reconhecimento do Estado Palestino, Macron disse que a França está claramente engajada no assunto. "O que o presidente Trump me disse ontem foi que europeus e americanos estão na mesma posição. Portanto, não devemos chegar ao ponto de anexar a Cisjordânia. De jeito nenhum", disse, respondendo afirmativamente à pergunta da jornalista sobre se esse poderia ser um "limite" que não deveria ser ultrapassado.
Quanto à possibilidade de intensificação da ofensiva israelense em Gaza como retaliação ao reconhecimento, o presidente francês disse que "infelizmente acredita que não é necessário isso para que a operação seja terrível". "Quando vejo o que acontece em Gaza, o único risco é a nossa passividade", afirmou.
Apoio americano na Ucrânia
Macron afirmou contar com o apoio do presidente americano tanto na questão de Israel e Gaza quanto no dossiê ucraniano. Ele disse ver de forma positiva a mudança de posição do presidente dos Estados Unidos em relação à guerra na Ucrânia.
Trump declarou, na noite de terça-feira, na Assembleia da ONU, que a Ucrânia poderia recuperar seu território original e até ir além.
"Isso quer dizer que, hoje, os Estados Unidos e o presidente Trump, muito claramente, têm uma nova perspectiva", afirmou. "Onde antes ele dizia que as coisas deveriam ser resolvidas rapidamente porque a situação era muito difícil, agora constata a capacidade do exército ucraniano de resistir", disse. "Ele reconhece nossa capacidade coletiva de fazer ainda mais, e eu acho que isso é muito importante, porque os Estados Unidos são fornecedores de equipamentos de defesa e ofensivos extremamente relevantes."
"Claramente, hoje, a Europa faz o maior esforço, mas nós, europeus, precisamos do equipamento e do apoio americano, como ocorreu desde o primeiro dia. Então, esse engajamento é essencial, pois é o que permitirá resistir ainda mais, ou até mesmo retomar o território", afirmou.
"E acredito que a mudança de percepção sobre a economia russa e a capacidade da Rússia de sustentar esse esforço de guerra também é um ponto importante", disse o presidente francês, sem deixar claro se é possível confiar plenamente no novo engajamento americano. Macron limitou-se a dizer que "agora vamos trabalhar".
Ele também descartou a possibilidade de um cessar-fogo rápido. "O presidente Putin não quer a paz", reafirmou, sem descartar totalmente uma possível negociação futura entre Putin e Zelensky. "Eu acho e espero que esse momento virá."
Pressão sobre o continente europeu
Sobre a pressão no continente europeu, com a invasão de drones e aeronaves russas nos espaços aéreos da Polônia, da Romênia e da Estônia, Macron afirmou que "a OTAN reagiu de maneira proporcional".
O presidente francês relativizou as invasões do espaço aéreo europeu, classificando-as como "testes" da Rússia. "O objetivo da Rússia é dizer que, se vamos apoiar a Ucrânia, precisamos oferecer garantias de segurança", disse, ao mesmo tempo, em que afirmou não acreditar que uma eventual escalada seja do interesse russo.
"Agora, é totalmente legítimo que os Estados que foram alvos — e todos os outros — sejam intransigentes, e é assim que devemos agir coletivamente", afirmou. "Se houver novas provocações ou violação de espaço aéreo, ou terrestre, será importante reagir."
"Não podemos permitir que se instale a ideia de que a Polônia, a Estônia ou a Romênia estão em situação de fraqueza, porque a etapa seguinte seria a Alemanha e, depois, nós", analisou.
Programa nuclear iraniano
Outra questão abordada na entrevista foi o programa nuclear iraniano. Macron encontrou o presidente iraniano, Massoud Pezechkian, na tarde desta quarta-feira.
O presidente francês comentou a reativação, por parte da França, Reino Unido e Alemanha, das sanções contra o Irã.
"Ontem me encontrei com o Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica, (Rafael) Grossi, e em breve me reunirei com o presidente iraniano. Temos trabalhado intensamente com nossos parceiros americanos nessa questão. Nosso objetivo é obter resultados concretos, ou seja, o retorno dos investigadores e dados objetivos que nos deem uma nova visibilidade sobre a impossibilidade de o Irã adquirir uma arma nuclear", afirmou.