O 'renascimento' da Colômbia, que já foi comparada ao Afeganistão e tenta superar passado sangrento

Com investimento pesado em infraestrutura e aposta no fim da guerra civil de mais de meio século, país liderado por Juan Manuel Santos espera deixar para trás colapso econômico e terror, mas ainda se vê diante de grande desigualdade social.

7 out 2017 - 06h54
(atualizado às 11h29)
Bogotá
Bogotá
Foto: BBC News Brasil

O país cresce em ritmo moderado, mas consistente - entre 2 e 3%, nos últimos 5 anos; desde o começo do ano passado, está investindo US$ 61 bilhões em obras de infraestrutura como transporte público, estradas, portos, aeroportos e rede de comunicações; a taxa de desemprego no último mês de julho ficou em 9,7% e, embora a informalidade ainda seja alta, a cifra se mantém em um dígito há quase três anos.

Os números da Colômbia parecem excepcionais para uma nação considerada falida há pouco mais de dez anos, quando especialistas previam o colapso total de uma economia comparável, na época, à do arrasado Afeganistão - também afogado em décadas de violência na política e no crime organizado.

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Por si, esses resultados justificam um certo otimismo. Mas os colombianos, principalmente os que vivem em centros urbanos, esperam um futuro ainda mais brilhante - uma espécie de "renascimento", parecido com o que se projetava sobre o Brasil alguns anos atrás.

O processo de pacificação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) avança de forma aparentemente irreversível, o que deve pôr fim a uma guerra civil de 53 anos, e o diálogo de paz com a segunda guerrilha do país, o Exército de Libertação Nacional, também já está instalado.

"Os números variam, mas é quase certo que o conflito armado tenha retirado entre 1 e 2 pontos percentuais do crescimento do PIB colombiano a cada ano", estima o professor de ciências políticas e ex-embaixador na Holanda Eduardo Pizarro, autor de uma série de livros sobre as Farc, incluindo o recém-lançado Cambiar el futuro (Mudar o futuro, em tradução livre, ainda sem edição no Brasil).

"As Farc e o governo não estão chegando à paz simplesmente porque se arrependem sinceramente de um processo sangrento que custou, só nas últimas duas décadas, mais de 220 mil vidas e o deslocamento de mais de 1 milhão de colombianos obrigados pelo conflito a deixar seus lares", diz Pizarro.

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Arma que pertencia às Farc sendo destruída na Colômbia
Foto: BBC News Brasil

"Mas porque está evidente que o atual modelo de enfrentamento militar se esgotou e se tornou insustentável, em termos de recursos humanos e financeiros, tanto para a guerrilha quanto para as forças governamentais. A paz era o único caminho e o compromisso com ela se solidificou a partir do momento em que ela deixou de ser negociada por representantes políticos dos dois lados e colocou frente a frente, líderes guerrilheiros e oficiais de alta patente do Exército."

'Passado de sofrimento'

A perspectiva de fim de um dos mais longos conflitos guerrilheiros do planeta voltou a atrair para a Colômbia a atenção mundial. Com isso, o presidente Juan Manuel Santos acabou ganhando o Prêmio Nobel da Paz de 2016 e o país, de fortíssima tradição católica, recebeu a visita do papa Francisco no começo de setembro.

"Obviamente um país de pouco menos de 50 milhões (de pessoas) como a Colômbia, e com uma economia muito mais modesta do que seus vizinhos mais poderosos, não tem como aspiração se tornar uma potência de nível mundial como, por exemplo, se perfilou o Brasil há alguns anos", diz o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Los Andes, de Bogotá, Carlos Nasi, também especialista em estudos sobre grupos insurgentes do país.

"Mas não há como negar que os acontecimentos dos últimos meses se mostraram bastante positivos no sentido de deixarmos mais distantes um passado de sofrimento. Os colombianos não se devem deixar levar, porém, por um otimismo muito exagerado, que possa resultar em frustração em pouco tempo."

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Congresso colombiano, no centro histórico de Bogotá
Foto: BBC News Brasil

Nasi vê com ceticismo, por exemplo, a tese de que a simples deposição de armas por parte das guerrilhas tenha um efeito automático sobre o resultado do PIB do país.

"A ideia de que o conflito armado é o único entrave para o crescimento da economia não passa de um mito", afirma. "A Colômbia não deixará de ser um país absolutamente desigual em termos sociais apenas com o fim da guerra civil. Ainda haverá a necessidade de promover, por meio de ações do Estado, a integração dos colombianos que vivem nas vastas regiões agrícolas dos grotões do país com os centros urbanos - nos quais a percepção de otimismo é predominante."

O padrão de promover maior desenvolvimento nos centros metropolitanos do país se deu principalmente no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000.

Com a desarticulação dos cartéis de narcotráfico de Medellín e de Cali, o Estado colombiano passou a investir pesado na infraestrutura dessas cidades - principalmente nos setores de transporte urbano, educação e saúde.

O metrô de Medellín completa 22 anos em novembro. Nas últimas semanas, os mais de 10 milhões de habitantes da capital, Bogotá, estavam eufóricos com o anúncio do início das obras de seu muito esperado transporte subterrâneo em 2019, após fase de ajustes e desapropriações. A primeira linha, que deve estar inaugurada em 2022, consumirá US$ 33 bilhões.

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Ameaças políticas

As maiores ameaças à esperança de uma Colômbia mais próspera e menos injusta, no entanto, estão no campo da disputa política.

O processo de pacificação das Farc tem como base oito pontos fundamentais, nos quais se incluem - além do desarmamento e da conversão da guerrilha em força política - a reparação às vítimas e implementação de uma reforma agrária nas vastas áreas que até aqui eram controladas pelos insurgentes.

Juan Manuel Santos
Foto: BBC News Brasil

No final de 2016, o ex-presidente Álvaro Uribe - que tem alta popularidade no interior do país e almeja voltar a controlar o poder em Bogotá a partir das eleições presidenciais de 2018 - liderou um movimento contrário às condições de paz com as Farc ao convencer a população de que o processo representava a impunidade para os crimes cometidos pela guerrilha.

Com isso, o processo de paz acabou derrotado num plebiscito não vinculante (sem poder de lei) convocado pelo governo de Santos, que assumiu o ônus de levar o diálogo adiante mesmo assim.

O preço político pago por Santos tem sido alto. A última pesquisa do Instituto Gallup, de agosto, indica que 69% desaprovam a gestão do presidente, enquanto a popularidade de Uribe, principalmente no interior, supera os 50%.

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"Para que o atual ambiente de otimismo se sustente nos próximos anos, será fundamental que a atração de investimentos e a prometida melhora na economia colombiana mostre resultados no curto prazo, sendo perceptível no dia a dia das classes que estão na base da pirâmide social", diz Marisol Gómez, analista do principal jornal colombiano, El Tiempo.

"É um desafio enorme, uma vez que o governo terá de investir um amplo volume de recursos para levar o Estado, na forma de titulação de terras, educação, saúde e outros itens de assistência social, a áreas onde a guerrilha o impedia de chegar até agora."

Outro desafio, aponta Marisol, é o de evitar que guerrilheiros desmobilizados - treinados para ações militares e com pouco ou nenhum preparo para a vida em sociedade - sejam cooptados por grupos de narcotraficantes que, embora pulverizados e sem o poder dos antigos cartéis de se infiltrar nas instituições, se mantêm ativos.

Na visão da maioria dos analistas e dos habitantes da capital, porém, ficarão para trás os atentados terroristas, os sequestros frequentes e os ataques mortais que determinavam toques de recolher e impediam o desenvolvimento de uma vida normal na Colômbia.

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