Patrocínio

Racismo deve ser nomeado, encarado como problema e combatido em sala, dizem especialistas

Levantamento aponta que 7 em cada 10 professores já vivenciaram situação de racismo nos últimos 5 anos; 81% dos alunos já foram atingidos

25 abr 2024 - 05h00
(atualizado em 26/4/2024 às 16h48)
Racismo afeta rotina de estudantes e professores nas escolas do País
Racismo afeta rotina de estudantes e professores nas escolas do País
Foto: Arquivo/Agência Brasil

A ocorrência de episódios de racismo nas escolas acende o alerta para a necessidade e importância de uma educação antirracista no Brasil. No cenário nacional, 7 em cada 10 professores já vivenciaram ou presenciaram uma situação de racismo nos últimos 5 anos, segundo levantamento feito pela Nova Escola, organização de impacto social. 

A pesquisa, que ouviu 1.605 educadores e gestores das redes pública e privada, ainda mostra que 73% dos atos de racismo vêm dos estudantes; o restante, por parte dos familiares. Desse recorte, as vítimas mais afetadas são os estudantes, que representam 81% dos mais atingidos pelo racismo nas instituições de ensino.

Publicidade

Em março deste ano, uma adolescente de 12 anos, por exemplo, foi agredida e ofendida por outros cinco alunos na EMEB Prof.ª Hebe de Almeida Leite Cardoso, que fica em Novo Horizonte, município do interior de São Paulo. O caso é investigado pela delegacia da cidade e, segundo a Secretaria da Segurança do Estado de São Paulo, a ocorrência foi registrada como preconceito de raça ou de cor

Conforme consta no boletim, a menina sofreu lesões no corpo e foi xingada de 'macaca' e 'cabelo de bombril'. Em meio às investigações, os alunos suspeitos de cometerem a agressão foram transferidos para outra turma da mesma unidade escolar.

Das demais vítimas de racismo nas escolas, de acordo com a pesquisa, professores, gestores, profissionais da unidade e familiares dos estudantes também são alvos.

Racismo afeta a escola diretamente

Para a especialista pedagógica Dayse Oliveira, que integra o Grupo de Trabalho por Equidade Racial da Nova Escola, os dados demonstram que os professores já reconhecem o racismo como um problema que afeta diretamente a comunidade escolar. A partir dessa perspectiva, ela acredita que a compreensão da realidade em que a instituição está inserida é o primeiro passo para o enfrentamento e implementação de ações.

Publicidade

"É a concretização necessária para que a gente possa atuar nesse tema, para que a gente reconheça. É importante para que a gente consiga combater o racismo. Mas ao mesmo tempo, a pesquisa nos traz uma tristeza", pontua em entrevista ao Terra.

Por outro lado, especialistas ouvidos pela reportagem apontam também a importância de nomear corretamente o que acontece nas escolas. Assim como aconteceu com a adolescente no interior de São Paulo, é essencial saber reconhecer o racismo e preparar toda a comunidade escolar para agir em casos como esse.

Dayse Oliveira é especialista pedagógica e integrante do Grupo de Trabalho por Equidade Racial da Nova Escola
Foto: Acervo Pessoal

Legislação na prática

Para Daisy Oliveira, o cenário também evidencia o desafio e até falta de apoio para a prática de uma educação antirracista. Apesar de 59% dos professores declararem a existência desse trabalho, apenas 5% afirmaram que há iniciativas implementadas e em execução.

Mesmo com a criação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afrobrasileira e Indígena" na educação nacional, a especialista aponta que a legislação não tem refletido de forma efetiva na prática escolar. Isso porque, ainda segundo a pesquisa, somente 31% dos professores afirmam que a lei está sendo aplicada de forma abrangente e 49% alegam que está sendo aplicada de forma parcial.

Publicidade

Outros 34% dos entrevistados dizem que não há atividades em execução ou já executadas sobre o ensino da história e cultura afrobrasileiras e indígenas. 

"O professor também denuncia nessa pesquisa o quanto ele ainda precisa de apoio, precisa de recursos, precisa de instrumentos que o ajudem de fato a levar a educação antirracista para dentro da sala de aula", afirma Dayse Oliveira.

Outro ponto levantado pela especialista é a necessidade de envolvimento de todos os funcionários da escola e dos familiares nesse processo. Para ela, a família pode contribuir para a discussão, trazendo referências e participando das ações de combate ao racismo dentro e fora do ambiente escolar.

"Os professores também percebem que esse trabalho isolado é muito mais difícil, ele é muito mais árduo, além de ser muito mais cansativo para o professor", pondera.

Caso aconteceu em escola de Novo Horizonte, no interior de São Paulo
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

O professor Iago Gomes explica que o fato de o racismo ser um problema estrutural ajuda a entender as dificuldades encontradas ainda hoje para o cumprimento da legislação. Por outro lado, também é preciso observar o quanto o racismo implica na vida do professor e do aluno. 

Publicidade

"A forma como a escola, como a educação é organizada no Brasil tem relação com a forma como o racismo organiza a sociedade", aponta. "Sendo assim, quando a gente vai falar de consequências do racismo na educação, a gente precisa pensar na evasão escolar, nos índices de analfabetismo, no acesso a materiais didáticos, nas condições físicas da própria escola". 

O professor, que também é pesquisador de relações étnico-raciais, aponta que essas desigualdades afetam as instituições de ensino e influenciam indicadores sociais, regionais e econômicos.

"Quem é que sofre mais as consequências dessas desigualdades dentro da educação? Os estudantes negros, os professores negros, que são a maioria dentro da escola pública -- os estudantes, no caso -- e que, dentro dessas consequências, acabam vivenciando um pouco mais os resultados dessa sociedade desigual, marcada pelo fator étnico-racial", frisa.

Iago Gomes é professor e mestre em Educação
Foto: Arquivo Pessoal

O professor ainda acrescenta os estudantes indígenas nessa discussão, afinal, eles também sofrem dentro de uma estrutura racista como a que vivemos. 

"A gente vivencia essa violência constantemente, cotidianamente, dentro dos espaços escolares", ressalta.

Publicidade

Dá para reverter cenário

Como forma de combater o racismo nas escolas, o pesquisador alerta para a necessidade de capacitação e formação especializada para os profissionais de educação.

"Nós não temos formação oferecida, de fato, dentro das escolas, na maior parte das escolas. E, apesar de termos tido avanço nesse ponto, a gente tem cursos, a gente tem muita gente que está discutindo isso, movimentos sociais que debatem essa pauta", acrescenta.

Iago Gomes também considera que a desvalorização e a rotina exaustiva dos professores interferem no planejamento de metodologias e em um ambiente mais saudável e digno de trabalho para a comunidade. Para ele, é imprescindível que o professor tenha condições de estudar e se preparar para desenvolver uma educação antirracista junto à comunidade escolar. 

"A gente precisa quebrar várias barreiras. Uma delas é a leitura, o letramento racial crítico. Para isso, a gente precisa ler, estudar, construir diálogos dentro da instituição", destaca. 

Publicidade

Qual você já leu? Conheça os livros escolhidos pelos famosos Qual você já leu? Conheça os livros escolhidos pelos famosos

Fonte: Redação Terra
Fique por dentro de vestibulares, Enem e dicas para a sua carreira!
Ativar notificações