Estudantes conscientes e escolas resilientes: como a educação pode ser ponte para resistir à crise climática

Crise climática impacta a educação no Brasil, sobretudo os estudantes mais carentes, trazendo desafios estruturais, emocionais e sociais

2 dez 2025 - 14h07
(atualizado em 3/12/2025 às 10h57)
Escola alagada no Rio Grande do Sul após as enchentes no Estado, EEEM Guararapes, no município de Arroio do Meio
Escola alagada no Rio Grande do Sul após as enchentes no Estado, EEEM Guararapes, no município de Arroio do Meio
Foto: Divulgação / Estadão

Quando o clima muda, a educação também precisa se adaptar, afinal não há aprendizagem possível em um planeta em colapso. Essa colocação até pode soar alarmante, mas reflete uma realidade inegável: as mudanças climáticas deixaram de ser uma previsão científica distante e já fazem parte do cotidiano das escolas brasileiras. As enchentes no Rio Grande do Sul, que interromperam o ano letivo de milhares de estudantes, e as ondas de calor extremo no Mato Grosso do Sul, que inviabilizaram o funcionamento das salas de aula, são sinais claros de que a crise ambiental também é uma crise educacional.

Nos últimos anos, vimos escolas inteiras se transformarem em abrigos, professores adaptando o ensino remoto às pressas e estudantes que, de um dia para o outro, perderam seus livros, suas casas e, muitas vezes, a sensação de segurança.

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As mudanças climáticas afetam a educação tanto pela infraestrutura danificada e pelos dias sem aula, quanto pela instabilidade emocional e social que geram nas comunidades escolares.

O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025, do Todos Pela Educação, destaca um dado do Banco Mundial de que todos os anos, diversos países vivenciam um ou mais episódios de fechamento de escolas causados por eventos relacionados ao clima. No Brasil, a maior parte das faltas acontece durante as estações chuvosas, mesmo quando as aulas não são suspensas – afinal, em muitos casos, não há meios de chegar à escola. São de sete a 12 dias de aula perdidos, anualmente, devido a enchentes. O calor dentro e fora das salas de aula também é um fator relevante e, muitas vezes, negligenciado. Temperaturas acima de 24 °C podem afetar as condições de aprendizagem, especialmente em crianças, cuja regulação corporal ainda está em desenvolvimento.

Para além disso, ainda há o viés emocional, que também merece atenção. Uma pesquisa recente da PUC-Rio mostrou que 68,5% dos adolescentes e jovens relataram sentimentos de ansiedade, medo ou insegurança em relação às mudanças climáticas. Agora, imagine esse grau de insegurança somado à vulnerabilidade social? A UNICEF aponta que uma em cada três crianças brasileiras já vive em áreas de alto risco climático e a maioria está matriculada na rede pública. Neste cenário, o impacto é ainda mais desigual, já que são justamente os estudantes mais carentes que enfrentam as maiores barreiras para continuar aprendendo diante de enchentes, secas e deslocamentos forçados.

Escola atingida pelos temporais no Rio Grande do Sul, no município de Estrela. Escola Estadual Moinhos, em Estrela, após a descida das águas. Ela já havia sido atingida nas enchentes de setembro do ano passado no Vale do Taquari
Foto: Divulgação/Prefeitura de Estrela / Estadão

A dimensão dos traumas causados pelas mudanças climáticas, frequentemente invisibilizada, precisa ser reconhecida como parte do planejamento educacional em tempos de emergência climática. A educadora Carolina Campos, fundadora do Vozes pela Educação, tem se destacado justamente por trazer esse tema à tona. Em suas contribuições para o documento “Educação Resiliente”, elaborado em parceria com o Todos Pela Educação, defende que a saúde mental dos estudantes deve ocupar lugar central nas estratégias de resposta à crise climática. E o Brasil começa a dar passos nesse sentido. O Plano Nacional de Educação (PNE), em sua Meta 8, estabelece a importância de garantir escolas mais seguras, sustentáveis e preparadas para os efeitos das mudanças climáticas. O texto prevê, entre outras estratégias, a obrigatoriedade da educação ambiental no ensino básico, a garantia de conforto térmico nas escolas públicas e a elaboração de planos de mitigação e adaptação à crise climática por parte das instituições de ensino.

Essa agenda ganhou força recentemente com o Guia de Ações Educacionais para Emergências Climáticas, lançado pelo Ministério da Educação em setembro de 2025. O documento oferece orientações para que as redes de ensino se antecipem às emergências, planejem respostas rápidas e construam protocolos de retomada das aulas de forma segura e coordenada. Mas, para que essa visão se torne realidade, é preciso de um plano de implementação prático e consistente.

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O conceito chamado de escolas resilientes propõe uma abordagem sistêmica que vai além da infraestrutura física. Ele envolve planejamento pedagógico adaptativo, gestão participativa de riscos, canais de comunicação eficientes e o uso inteligente de dados e tecnologia para garantir continuidade educacional mesmo em contextos de crise.

Às vésperas da COP30, realizada em Belém, a ONU divulgou o relatório “Emissions Gap Report 2025” (Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2025), publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em que alerta que o planeta caminha para um colapso climático, com projeções de aumento da temperatura média global de até 2,8°C caso as políticas atuais sejam mantidas. As emissões de gases de efeito estufa cresceram 2,3% no último ano, impulsionadas por desmatamento, uso da terra, queima de combustíveis fósseis e o fenômeno El Niño.

O Brasil tem uma oportunidade única de colocar a educação no centro da agenda climática de forma estruturante. Formar estudantes conscientes e garantir escolas resilientes são pontos fundamentais. A crise climática está redesenhando o presente, e a educação é a ponte que pode nos levar a um futuro mais seguro, inclusivo e sustentável.

Que o encontro em Belém tenha sido também um marco de uma nova geração de políticas educacionais climáticas, capazes não só de proteger nossas crianças e jovens como também de mobilizar a aprendizagem em prol das boas decisões para o planeta.

Diretora-presidente da Fundação Telefônica Vivo. Formada em Administração Pública pela FGV-EAESP e com mestrado na área de Desenvolvimento Econômico e Político pela SIPA-Columbia University. Na Fundação Telefônica Vivo, já liderou a área de Educação, promovendo iniciativas inovadoras e o uso de tecnologia para apoiar o desenvolvimento de crianças e jovens. As opiniões da colunista não representam a visão do Terra.
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