Gabeira: "Bolsonaro está cedendo o último ponto ao Centrão"

Para ex-deputado federal e jornalista, presidente faz um retorno ao passado, de político do 'baixo clero', ao indicar Ciro Nogueira como ministro responsável pela articulação política

22 jul 2021 - 05h10
(atualizado às 07h25)

O processo de aproximação do presidente Jair Bolsonaro com o Centrão, segundo o ex-deputado federal e jornalista Fernando Gabeira, resultou no abandono de bandeiras que o elegeram em 2018 e um retorno ao passado de deputado do "baixo clero". Gabeira destacou que o senador Ciro Nogueira (PI), que ficará responsável pela articulação entre governo e Congresso como ministro da Casa Civil, é presidente do Progressistas - partido que abrigou Bolsonaro durante a maior parte de sua vida parlamentar. Para ele, o presidente cedeu seu "último ponto" ao grupo com a indicação e, em busca de prestígio no Congresso, já não pode mais retroceder na sua associação com o Centrão.

Presidente Jair Bolsonaro durante entrevista
Presidente Jair Bolsonaro durante entrevista
Foto: Amanda Perobelli / Reuters

O que a entrada do senador Ciro Nogueira representa no atual momento do governo?

Representa uma associação profunda com o Centrão. Houve um processo progressivo de aproximação até o momento em que o Centrão falou: 'Queremos a própria mediação (de governo e Congresso)'. Eles queriam realmente uma presença dominante e, a partir daí, acho que eles vão realmente controlar ao máximo aquilo que for possível dentro do governo, ministérios e cargos-chave.

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Ciro Nogueira é presidente do Progressistas, um dos principais partidos do Centrão; ao nomeá-lo, o presidente não corre o risco de ter um ministro 'imexível', ou seja, difícil de demitir pelas consequências que isso poderia trazer para a base do governo?

Na verdade, dessas circunstâncias, Bolsonaro já não pode mais fugir. Ele já está cedendo o último ponto. O ministro agora é alguém de confiança do Centrão. E, mais ainda, é um ministro do PP, um partido ao qual Bolsonaro sempre pertenceu e ao qual ele acaba se juntando novamente. Bolsonaro deixou o PP numa história de renovação, de 'nova política', mas esse é o verdadeiro ninho dele, é o partido em que atuou por mais tempo. Não só o Centrão assume o governo de forma mais estrutural, como Bolsonaro volta um pouco à sua trajetória como deputado.

O que significa essa reforma ministerial para os interesses eleitorais do presidente??? ?

Eu acho até que existe uma possibilidade de ele voltar ao PP, e enfrentar as eleições com a cara do que ele realmente é: alguém que foi deputado do baixo clero, ligado ao Centrão.

Mas ele ainda tem condição de empunhar uma bandeira anticorrupção?

Acho que não. Nem vai pretender, eu creio. Se houver uma polarização entre Lula e ele, o tema corrupção tende a ficar em segundo plano.

O Ministério do Trabalho havia sido extinto sob a promessa de gerar eficácia na máquina federal. O que representa agora esse desmembramento do 'superministério' da Economia?

Eu não creio que ele esteja trabalhando com a noção de eficácia. Está trabalhando com a ideia de recuperar prestígio e espaço político. A abertura e a reconstrução do Ministério do Trabalho é uma tentativa de utilizar um espaço para ampliar a influência política direta - algo que, dentro do contexto do 'superministério' da Economia, ficava mais limitado. Isso reduz um pouco o papel do (ministro Paulo) Guedes. Ele coloca o Onyx (Lorenzoni), que é um aliado bastante alinhado com Bolsonaro. Esse é um caminho, também, para se preparar para as eleições de 2022.

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Quais as chances de a manobra dar certo e o clima com o Congresso melhorar?

Há várias hipóteses. Não creio que o governo ganhará eficácia. Essas pessoas não são necessariamente voltadas para essa preocupação. O governo está se preparando para as eleições de 2022, de um lado, e, de outro, se preparando para fortalecer sua retaguarda no Congresso diante de qualquer pedido de impeachment. O preço que Bolsonaro vai pagar é, naturalmente, aquilo que o Centrão vai cobrar em cargos, verbas e espaços. Aliás, esse é um preço já cobrado. O fato de eles terem mais latitude no Parlamento já permitiu que houvesse isso que o Estadão denunciou, o orçamento secreto. Arthur Lira vai ter R$ 11 bilhões para distribuir para deputados e partidos mais próximos sem a transparência necessária. No Congresso, eles já estão tomando uma série de medidas para se fortalecer. No Executivo, vão procurar as ligações-chave. Eventualmente, um ou outro escândalo vai surgir. Não se entrega a um grupo fisiológico grandes porções do governo sem que isso tenha repercussão.

A mudança tem influência nas chances de um pedido de impeachment ser ou não aceito?

Acho que a intenção dele é essa: atender amplamente ao grupo que o apoia no Congresso para que esse grupo devolva em fidelidade e, sobretudo, em blindagem em relação aos processos de impeachment. Bolsonaro já está em choque com o vice-presidente da Câmara, então ficou perigoso para ele. O Centrão oferece essa blindagem, desde que lhe sejam oferecidas também as vantagens que ele quer. Mas existe um limite, em que o Centrão analisa as vantagens que obteve, e pode obter, e as consequências de um suicídio político. Não se jogam ao mar junto com o presidente. Não se matam politicamente, vão só até a beira do túmulo.

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