Anistia no Brasil: quem já foi beneficiado e por que o tema voltou ao debate

Propostas para perdoar envolvidos no 8 de janeiro reacendem discussões sobre os limites da Lei da Anistia e sua aplicação

18 ago 2025 - 11h45
(atualizado às 11h48)
Resumo
Em meio às discussões sobre a possível anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, cresce o debate sobre os limites e os objetivos da Lei da Anistia no Brasil — e quem realmente já se beneficiou dela ao longo da história.
Ato pela anistia na Praça da Sé, em São Paulo
Ato pela anistia na Praça da Sé, em São Paulo
Foto: (foto: Ennco Beanns/Arquivo Público do Estado de São Paulo)

A discussão sobre uma nova anistia voltou ao centro do debate político nacional. Dessa vez, o foco está nos envolvidos nos ataques aos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A proposta divide o Congresso e reacende uma pergunta histórica: quem já foi beneficiado pela Lei da Anistia no Brasil? E, afinal, o que essa lei representa?

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Criada em 28 de agosto de 1979, a Lei nº 6.683, conhecida como Lei da Anistia, foi sancionada durante o governo do general João Figueiredo, o último presidente da ditadura militar. Ela previa o perdão para crimes “políticos ou conexos com estes” cometidos entre 1961 e 1979. O objetivo, na época, era promover a transição do regime militar para a democracia. Na prática, porém, o texto acabou beneficiando tanto opositores do regime — presos políticos, exilados e perseguidos — quanto agentes da repressão, como militares e torturadores.

Quem já foi beneficiado?

A anistia dos anos 70 e 80 contemplou centenas de perseguidos políticos — incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, Fernando Gabeira, Carlos Minc, entre outros nomes da esquerda brasileira que foram presos, exilados ou perseguidos durante o regime. Também favoreceu militares e agentes do Estado, impedindo que fossem julgados por crimes de tortura, desaparecimento forçado ou execução de opositores.

Essa dupla interpretação da lei foi duramente criticada por juristas, parlamentares e organizações de direitos humanos. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter válida a anistia para os agentes da repressão, contrariando inclusive a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Anistia de 2023: o que está em jogo?

Diferente do contexto da transição democrática, o atual debate gira em torno de um suposto perdão a envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Grupos políticos, especialmente ligados à direita e ao ex-presidente Jair Bolsonaro, têm pressionado por uma anistia ampla, que incluiria até mesmo figuras já condenadas por tentativa de golpe de Estado.

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Para o deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), líder do partido na Câmara, comparar os dois momentos históricos é uma distorção.

“Esses momentos não são comparáveis. Final da década de 70, início da década de 80, o Brasil vivia um regime de ditadura militar, com prisões sumárias, tortura, execução, desaparecimento forçado, exílio, censura (...). A anistia que se pede agora é justamente para quem em 2022 não aceitou o resultado das eleições e arquitetou um golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito”, disse.

“É uma anistia para proteger quem tentou um golpe. E esse mesmo grupo sempre se declarou favorável ao regime da ditadura.”

Na mesma linha, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), ex-líder do governo Lula na Câmara, reforça o contraste entre os contextos:

“São momentos da história incomparáveis. Temos, na verdade, situações opostas. Na década de 70, se buscava anistia para quem lutou contra a ditadura; agora buscam anistia daqueles que estavam dando início a um processo de golpe para volta da ditadura militar.”

Já o jurista Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito e voz ouvida por setores conservadores, discorda da interpretação de que houve uma tentativa de golpe. Para ele, o episódio do 8 de janeiro foi um ato de vandalismo, não um atentado à democracia:

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“Não houve, a meu ver, um atentado ao Estado Democrático de Direito, mas sim uma baderna idêntica à que elementos do PT e MST provocaram no Congresso Nacional, também destruindo dependências no governo de Michel Temer.”

“Sem participação das Forças Armadas não há golpe. E, para mim, foge à lógica que, a pedido do Presidente Lula, ainda no exercício do cargo, Bolsonaro tenha mudado o comando das Forças Armadas. Quem pretendesse dar um golpe não aceitaria tal pedido, mas aceitou. Onde está o golpismo?”, questiona.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente da República e general da reserva, defende que a anistia de 1979 teve papel central na transição democrática do país. Para ele, o perdão à época foi resultado de uma tentativa de reconciliação nacional após anos de confronto violento.

“A anistia de 1979 foi construída pela necessidade de pacificação nacional, após um longo período de uma verdadeira guerra entre as organizações subversivas de inspiração comunista que atuavam com ‘modus operandi’ de guerrilha rural e urbana para derrubar o governo da época. A anistia permitiu que o Brasil seguisse em seu amadurecimento social e político, permitindo a redemocratização de 1985”, afirmou.

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Mourão vê como legítima a discussão de uma nova anistia para civis e militares condenados por envolvimento nos atos de 8 de janeiro de 2023. Segundo ele, o país precisa novamente buscar caminhos de reconciliação para reduzir a polarização.

“Mais uma vez, precisamos pacificar a sociedade e diminuir a extremada polarização. Anistia é sobretudo um ato de grandeza, pois o perdão é digno de pessoas magnânimas. Lembro que vários dos anistiados de 1979 hoje estão em cargos e posições do atual governo”, disse.

“Eu mesmo protocolei o primeiro projeto de anistia aqui no Senado. Na minha visão, há que se ter o entendimento de que é legítimo e necessário fazer avançar essa discussão para que pacifiquemos o País.”

E agora?

No Congresso, há projetos tramitando que propõem anistia total ou parcial aos envolvidos no 8 de janeiro. Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal já condenou mais de 100 pessoas por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, com penas que ultrapassam 17 anos de prisão.

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O debate continua polarizado. De um lado, parlamentares e juristas que veem risco de impunidade e incentivo a novas rupturas democráticas. De outro, setores que defendem a pacificação nacional e a anistia como símbolo de conciliação.

Mas a história mostra que, ao contrário de unir o país, a Lei da Anistia deixou feridas abertas — e ainda hoje, 45 anos depois, é contestada por não permitir a responsabilização de torturadores.

A nova anistia, se aprovada, também corre o risco de dividir, e não pacificar.

Fonte: Redação Terra
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