O que se sabe sobre o roubo das obras de Matisse e Portinari em São Paulo

De acordo com a administração municipal, as gravuras, assim como todas as obras expostas, contavam com seguro.

8 dez 2025 - 10h56
(atualizado às 12h01)
Foram levadas oito gravuras de Matisse e cinco de Portinari
Foram levadas oito gravuras de Matisse e cinco de Portinari
Foto: Instagram/BMA / BBC News Brasil

Em ação criminosa ocorrida na manhã de domingo (7/12) dois bandidos armados invadiram a Biblioteca Municipal Mário de Andrade, no centro de São Paulo, e roubaram obras do francês Henri Matisse (1869-1954) e do brasileiro Candido Portinari (1903-1962).

Foram levadas oito gravuras do primeiro e cinco do outro, segundo informou, em nota divulgada à imprensa, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa da cidade. As obras faziam parte da exposição Do Livro Ao Museu: MAM São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade, que se encerrava no domingo.

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De acordo com a administração municipal, as gravuras, assim como todas as obras expostas, contavam com seguro. O prefeito Ricardo Nunes declarou, no domingo, que os criminosos foram identificados pelas câmeras de segurança e estão sendo procurados pela polícia.

Um funcionário da pasta afirmou à reportagem que, pelas imagens colhidas pela câmera, fica claro que os bandidos sabiam exatamente quais gravuras pretendiam levar. A ação foi rápida. Todas as obras subtraídas estavam no mesmo setor da exposição.

De acordo com o servidor, que pediu para não ter seu nome divulgado, tudo indica que os autores do roubo tenham visitado anteriormente a exposição pelo menos uma vez. A mostra entrou em carta no dia 4 de outubro, com entrada gratuita. E os trabalhos de Matisse e de Portinari foram amplamente divulgados como destaques.

Em nota publicada no domingo, a Secretaria de Segurança Pública detalhou que os dois homens armados renderam uma vigilante e um casal que visitava a mostra. Como era de manhã, o local estava tranquilo.

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Os criminosos seguiram até a cúpula de vidro da instituição e ali pegaram as pinturas de Matisse e de Portinari. Colocaram tudo em uma sacola de lona e, então, fugiram pela porta principal.

As oito obras de Matisse roubadas foram Le Clown, Le Cirque, Monsieur Loyal, Cauchemar de L'Eléphant Blanc, Le Codomas, La Nageuse Dans L'Aquarium, L'Avaleur de Sabres e Le Cowboy. Já as gravuras de Portinari eram de uma série sobre o romance Menino de Engenho, de José Lins do Rego (1901-1957).

A exposição foi realizada em parceria pela biblioteca com o museu. Ficou em cartaz desde o início de outubro até ontem e celebrou a conexão histórica de ambas as instituições com o modernismo, tendo como fio condutor o papel do sociólogo, artista e escritor Sérgio Milliet (1898-1966), que dirigiu a Mário de Andrade e ajudou a fundar o MAM — foi diretor artístico do museu e organizou três bienais, na época em que estas eram realizadas pela entidade.

As instituições e os artistas

Considerada a mais importante biblioteca pública de São Paulo, a Mário de Andrade foi fundada há 100 anos e é a mais antiga coleção pública de livros do município. Tem hoje o segundo maior acervo documental do país, somente atrás da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro.

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Entre livros, periódicos, mapas, fotos e outros documentos, são mais de 7 milhões de itens em suas coleções.

Já o Museu de Arte Moderna, cuja sede atual fica no Parque do Ibirapuera, é uma instituição fundada em 1948, sob inspiração do homônimo nova-iorquino, o MoMA. Em seu acervo, de cerca de 5 mil obras, predominam criações de artistas brasileiros do século 20.

O francês Henri Matisse é considerado, ao lado de Pablo Picasso (1881-1973) e de Marcel Duchamp (1887-1968), como um dos três nomes seminais da arte do século 20. Ao longo de sua carreira ele trafegou entre o fauvismo à defesa da tradição clássica na pintura.

Portinari é considerado um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. Costuma ser lembrado globalmente pelos painéis Guerra e Paz, realizados especialmente para adornar a sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York.

Não à toa, o artista é o nome brasileiros das artes plásticas que alcançou maior projeção internacional.

Em 2006, 12 gravuras do século 19 foram furtadas da Biblioteca Mario de Andrade
Foto: Eli Kazuyuki Hayasaka / Creative Commons / BBC News Brasil

Caso anterior

Em 2006, 12 gravuras do século 19 foram furtadas da Biblioteca Mario de Andrade. Raras, as obras de 1834 e 1835 tinham como destino o mercado clandestino de colecionadores de arte.

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São ilustrações pintadas à mão pelo artista suíço Johann Jacob Setinmann (1800-1844), mostrando paisagens brasileiras. As pinturas integram a obra Souvenirs de Rio de Janeiro, uma publicação do alemão Karl Hermann Konrad Burmeister (1807-1892).

Elas foram recuperadas em 2024 pela Polícia Federal. Conforme divulgado na época, o material estava com um colecionador brasileiro que havia adquirido as peças de forma legal em um casa de leilões de Londres.

Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel reformado da Polícia Militar (PM) de São Paulo e consultor de segurança José Vicente da Silva Filho diz à reportagem que tanto o caso da Mário de Andrade quanto o recente furto a obras do Museu do Louvre, em Paris, demonstram como essas instituições não investem em equipamentos básicos de segurança.

"Há pelo menos 20 anos existem sensores que alertam para qualquer entrada indevida, com barulho ou mesmo com nuvens de fumaça que não prejudicam nenhum bem mas atrapalham [a visibilidade de] o assaltante", diz ele. "É curioso como essas instalações não adotam procedimentos comezinhos de segurança, que são muito baratos e muito eficientes".

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O consultor de segurança Eytan Magal, especialista em riscos e soluções, explica que todo crime parte de um "clássico triângulo", ou seja, precisa da motivação, do atrativo e da vulnerabilidade.

Em casos como o ocorrido na biblioteca, o ponto que precisa ser reforçado é justamente este último. "É nítida a falta de controle no acesso. Assim como no Louvre, houve acesso rápido, os bandidos entraram e saíram rapidamente, em plena luz do dia", comenta.

Para ele, esse tipo de ação, ou seja, roubo de obras de arte, geralmente ocorre sob encomenda de interessados.

Presidente do Conselho Empresarial de Segurança da Associação Comercial do Rio de Janeiro, o consultor Vinícius Cavalcante avalia como deficitária a segurança em instituições culturais do Brasil, em geral. "Colocam câmeras em monitoramento panorâmico e vigilantes, normalmente desarmados, mas o planejamento praticamente inexiste", critica.

"Na maioria dos locais, não há qualquer tipo de ensaio para nortear como a segurança se comportará em caso de ocorrências reais de sinistro e a ação das forças de segurança pública em socorro nunca são ensaiadas", diz Cavalcante.

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O especialista afirma que "não há receitas de bolo" para evitar casos assim, mas que cada caso precisa ser avaliado conforme "fatores estruturais e conjunturais", para que a segurança seja efetiva em exposições e eventos culturais.

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