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Socorristas que atuaram na tragédia da Kiss relatam aprendizado na Bahia

7 out 2013 - 18h49
(atualizado às 18h51)
Socorristas que trabalharam na tragédia da Kiss relatam aprendizados em congresso de saúde na BA
Socorristas que trabalharam na tragédia da Kiss relatam aprendizados em congresso de saúde na BA
Foto: Mário Bittencourt / Especial para Terra

Nem sempre a teoria funciona na prática. Em se tratando de atendimento de vítimas múltiplas, o que se deve fazer é controlar a emoção, ter união, disciplina e uma boa logística de transporte de pacientes. Esses são os principais aprendizados de quatro socorristas que trabalharam no atendimento às vítimas do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 27 de janeiro de 2013, que matou 242 pessoas.

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Pela primeira vez, dois médicos, um enfermeiro e uma fisioterapeuta estiveram juntos para relatar a experiência a cerca de 450 pessoas que participam no sábado, em Vitória da Conquista (BA), de um congresso de saúde que terminou no domingo.

O médico anestesista Cláudio Guimarães Azevedo lembrou que a primeira cena que viu da tragédia foi um veículo Kombi passando na rua com cinco corpos. "Aquilo foi impactante", afirmou, destacando em seguida o fator positivo de Santa Maria ser uma cidade militar.

"Pelo fato de a cidade ter três quartéis, isso colaborou muito para o transporte dos pacientes para outras cidades. Ao contrário do que a mídia divulgou na época, optamos mais por transportar os pacientes menos graves, pois tinham mais chance de sobreviver na viagem até Porto Alegre (a 251 quilômetros de Santa Maria)", disse.

Azevedo destacou que, "mesmo não sendo uma cidade que não estivesse preparada para um acontecimento daquele porte, o resultado poderia ter sido muito pior se não fosse empregado a logística usada no dia da tragédia". Cláudio é militar e, pela atuação no socorro às vítimas, teve a patente elevada de capitão a major e ganhou diversas medalhas.

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O médico pneumologista Sérgio Boldisseroto afirmou que outro ponto que colaborou para que mais pessoas não morressem foram as intubações feitas em todos pacientes que chegavam com problemas de respiração. "Foram 87 intubações, entre a madrugada e a manhã (do dia 27 de janeiro)", falou.

Criar um centro de comando para as equipes de saúde não se perderem e haver desorganização também foi fundamental, disse o médico. "A lição que fica é: tu não vais conseguir fazer tudo, tu tens que se concentrar naquilo que tu fazes; tu estás no comando, tu comandas; não atende paciente. E o que está atendendo não tenta comandar. A lição é a questão organizacional. Foca nas tuas habilidades, se coloca num lugar onde tu tens um nível de excelência maior e fica só com aquilo ali." 

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Foto: Mário Bittencourt / Especial para Terra

Os profissionais relataram que houve o lado emotivo entre eles foi muito abalado também. "Fomos descansar uma semana depois, e aí veio o lado emocional, tinha médico chorando, enfermeiro chorando, técnico, deu uma descompensada. Foi criado um CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) para atender as equipes", relatou o enfermeiro José Carlos Pereira, coordenador do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência de Santa Maria.

Voluntários

Os profissionais destacaram ainda o trabalho voluntariado, que ajudou muito, sobretudo no transporte das vítimas para os hospitais. A maioria delas foi levadaspor taxistas. "Muitos foram os voluntários também que se apresentaram nas unidades médicas da cidade oferecendo ajuda", contou a fisioterapeuta Janice Cristina Soares.

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Algumas pessoas do público entrevistadas pelo Terra disseram que, pelos relatos, ao menos localmente, é preciso se investir muito em saúde e realizar constantemente treinamentos de socorros a vítimas múltiplas em grandes catástrofes. "O atendimento aqui já é ruim com poucas pessoas, imagine se tiver uma tragédia dessas como em Santa Maria", comentou a estudante de fisioterapia, Jéssica Barbieri, 22 anos.

Condutor de uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), Marivaldo Nascimento, 35 anos, disse que "é preciso investir em capacitação e compra de equipamentos mais adequados para o atendimento aos pacientes". 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

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Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

Fonte: Especial para Terra
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