Bukele: Brasil poderia imitar estratégia de segurança do presidente de El Salvador

Líderes da direita no Brasil, como o governador de Minas Geraus, Romeu Zema (Novo), e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), defendem e elogiam modelo.

8 dez 2025 - 05h06
(atualizado às 07h41)
Apoiadores seguram um cartaz em suporte ao presidente Nayib Bukele, de El Salvador
Apoiadores seguram um cartaz em suporte ao presidente Nayib Bukele, de El Salvador
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Desde a reeleição em 2024, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, tem conseguido manter uma popularidade tão elevada que supera inclusive a aprovação a seu próprio governo.

Em uma escala de zero a 10, os salvadorenhos atribuíram nota 8,15 a Bukele em uma pesquisa de junho do Instituto Universitario de Opinión Pública, enquanto avaliaram seu governo em 7,85.

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Uma das principais razões apontadas para o fenômeno é a projeção pelo presidente de uma imagem de "linha-dura" contra o crime organizado.

Para 75% dos entrevistados pelo Opinión Pública, a segurança pública é a área em que Bukele mais se destaca.

"A segurança continua sendo o pilar mais sólido da aprovação do presidente", diz o instituto, que também destaca, no entanto, que "avaliações desfavoráveis sobre a economia, o acesso à moradia, o desempenho municipal e o respeito aos direitos humanos emergem como aspectos que corroem a percepção positiva geral".

A ressalva ecoa as críticas que a gestão tem recebido de que Bukele age de forma autoritária e violenta, promove um encarceramento em massa e viola os direitos dos cidadãos.

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A combinação entre alta aprovação, projeção internacional e milhões de seguidores nas redes sociais transformou Bukele em referência para lideranças conservadoras de vários países, inclusive do Brasil, que veem no modelo salvadorenho uma oportunidade de se destacar em uma área que costuma concentrar as principais preocupações da população.

O episódio mais recente no Brasil mostra como isso pode gerar ganhos políticos imediatos. Após a megaoperação policial que deixou 121 mortos no Rio em outubro, o governador Claudio Castro (PL-RJ) registrou 47% de aprovação entre moradores da capital fluminense, segundo pesquisa AtlasIntel, embora a ação tenha sido criticada por sua violência e sido considerada uma chacina por organizações de direitos humanos, o que as autoridades fluminenses negam.

Não surpreende, portanto, que diversos políticos tenham após esse episódio defendido a adoção no Brasil de um modelo de segurança pública como o de Bukele.

'Tenho certeza que a esquerda não quer que você veja isso'

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo)
Foto: AFP via Getty Images / BBC News Brasil

Um dos defensores mais explícitos da ideia de importar para o Brasil a política de segurança pública de El Salvador tem sido o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que visitou o país neste ano.

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"Eu tenho certeza que a esquerda não quer que você veja isso", diz Zema no começo de um vídeo publicado em sua página no Youtube, gravado no país e publicado em junho deste ano — uma espécie de minidocumentário que mostra o governador conversando com pessoas na rua que confirmam que a segurança melhorou no país e dando entrevistas à mídia local com sua visão sobre o tema.

"O que eu espero é que essa lição, que nós estamos vendo in loco, sirva pra muitos outros países. Que nós venhamos a ter países com coragem de estar copiando o que foi feito aqui", disse Zema.

O governador criticou o governo brasileiro no vídeo e diz que o país deveria aprender com outro que considera ter características parecidas.

"Eu acho que nós temos de ter a humildade de vermos aquilo que está funcionando em qualquer lugar do mundo que seja, e melhor ainda que seja num país subdesenvolvido, que tem características semelhantes ao Brasil, com organizações criminosas atuantes infernizando a vida das pessoas, matando, coagindo, extorquindo, como acontecia aqui, pra poder se inspirar. Mas infelizmente o governo federal do Brasil não teve esse interesse. Deveria ter."

Em uma das falas no vídeo, Zema diz que as facções criminosas deveriam ser classificadas como organizações terroristas no Brasil, proposta que chegou a constar de um projeto de lei que alteraria a Lei Antiterrorismo no Brasil, mas acabou retirada do texto, após críticas.

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Em entrevista ao portal de notícias Metrópoles, Zema defendeu também a construção de um Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), como o de El Salvador, na Amazônia.

"Tínhamos de construir pelo menos um Cecot no meio da floresta amazônica, num lugar bem isolado, e falar: terrorista, membro de organização criminosa, vai ficar aqui agora, nesse Cecot brasileiro aqui, sem acesso a nada, totalmente isolado", disse.

O Cecot, inaugurado por Bukele em janeiro de 2023, tornou-se símbolo da "guerra contra as gangues". Também passou a representar o isolamento, a falta de transparência e as críticas ao regime de exceção vigente no país.

A prisão foi apresentada à população em cadeia nacional como "a maior das Américas". Ao anunciá-la, Bukele escreveu no X: "El Salvador conseguiu deixar de ser o país mais inseguro do mundo para ser o país mais seguro das Américas".

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Em seguida, acrescentou: "Como conseguimos? Colocando os criminosos na prisão. Há espaço? Agora, sim. Eles poderão dar ordens de dentro da cadeia? Não. Conseguirão escapar? Não. Uma obra de sentido comum."

Em novembro, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) também viajou a El Salvador e participou do Fórum Parlamentar de Inteligência e Segurança.

O evento, segundo o site oficial, coloca parlamentares e representantes de governos para "aprenderem com especialistas proeminentes sobre combate ao financiamento do terrorismo, segurança cibernética, investimentos estrangeiros predatórios, compartilhamento de inteligência, 5G, IA e outros tópicos relevantes."

Em um discurso durante a visita, ele afirmou que "o Brasil não derrota facções criminosas porque elas estão no governo" e diz que a segurança pública deve ser prioridade.

"Concordo com o presidente Bukele quando ele diz que o primeiro passo para arrumar um país é trazer paz. Porque não adiante ter saúde, educação e estradas se você não tem segurança e pode acabar por uma bala perdida no caminho", diz.

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O parlamentar também citou a ideia de classificação de facções criminosas como terroristas.

"Quando o Congresso propôs classificar facções criminosas como organizações terroristas, o governo Lula se opôs, enquanto outros países da América Latina adotaram a classificação para combater o narcoterrorismo."

A BBC News Brasil procurou Ferreira e Zema para que detalhassem como o modelo de El Salvador poderia ser reproduzido no Brasil, mas eles não responderam.

Bukele anuncia megaprisão em 2023, em sua conta no X
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Outro defensor do modelo é Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que visitou o país em novembro e divulgou vídeos e relatos da viagem em suas redes sociais. Em seu canal no YouTube, ele publicou uma entrevista com o ministro da Segurança Pública, Gustavo Villatoro, a quem chamou de "CEO da segurança pública", destacando dados que mostram queda acentuada nos homicídios.

Na entrevista, Villatoro diz o país vinha recebendo fórmulas internacionais há décadas de como resolver o problema, sob o gerenciamento de políticos e magistrados que "agiam como marionetes deste sistema perverso".

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Ele disse que "globalistas" chegaram a acusar a atual administração de radicalismo, mas que eles governam para os salvadorenhos. "Nunca resolveram o problema de 97% da população. Só governavam para os 3%. Eram essas instituições internacionais e algumas ONGs", disse.

O ministro da segurança pública de El Salvador, Gustavo Villatoro, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, em entrevista publicada no Youtube do deputado
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

O modelo Bukele

A popularidade de Bukele disparou após uma onda de repressão ao crime que reduziu drasticamente a taxa de homicídios no país.

Sob sua presidência, El Salvador deixou de figurar entre as nações mais violentas do mundo e passou a ser apresentado como um dos países mais seguros da América Latina.

Pesquisas de opinião indicam que Bukele continua altamente popular, embora os índices venham caindo e haja questionamentos crescentes sobre o desempenho de outras áreas do governo.

Para o professor Michał Stelmach, do Departamento de Estudos Latino-Americanos e Comparados da Universidade de Łódź, a rápida transformação da segurança pública explica boa parte dessa aprovação.

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Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirmou que "a sensação tangível de segurança supera, para muitos cidadãos, as preocupações com a deterioração da democracia e as violações de direitos humanos".

Segundo ele, "duas dinâmicas coexistem: melhorias reais na segurança aumentam a aprovação, enquanto um clima de medo esconde a profundidade do descontentamento revelado nas pesquisas".

O declínio da criminalidade resulta, segundo o pesquisador, da implementação de uma política de segurança "extremamente repressiva", de "mão de ferro", que inclui medidas como:

1) um estado de emergência prolongado;

2) a militarização da segurança pública, das instituições e da sociedade;

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3) a expansão do aparato de segurança;

4) uma legislação mais severa, incluindo a redução da idade de responsabilidade criminal para 12 anos, o prolongamento da prisão preventiva e o aumento das penas de prisão para membros de gangues;

5) a expansão dos poderes policiais, militares e judiciais (com a prisão preventiva se tornando a medida padrão);

6) a construção de uma megaprisão e o encarceramento em massa;

"Essas medidas reduziram a presença e a visibilidade das gangues nas ruas e diminuíram drasticamente a violência nas ruas", diz.

Ele acrescenta que o governo lançou operações de escala e velocidade "sem precedentes". "O Estado interrompeu as redes de comunicação dentro e fora das prisões, desmantelando as estruturas de liderança e minando a capacidade das gangues de organizar contra-ataques", explica.

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Mas o modelo também enfrenta críticas.

Organizações de direitos humanos afirmam que milhares de pessoas foram presas de forma arbitrária durante a campanha contra as gangues.

A Anistia Internacional descreveu o fenômeno como uma "substituição gradual da violência das gangues pela violência estatal" em relatório publicado no ano passado.

"Os custos são enormes para a sociedade, as instituições estatais e a democracia", afirma Stelmach, que lembra que quase 90 mil pessoas foram presas desde março de 2022.

"Há relatos generalizados de violações dos direitos humanos e abusos processuais, como espancamentos durante prisões e interrogatórios, detenções arbitrárias, mortes sob custódia, julgamentos em massa, restrições ao acesso a advogados, concentração de poder nas mãos do presidente, desmantelamento da independência judicial e militarização contínua do controle do crime", diz.

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"O resultado é uma melhora espetacular nas estatísticas de criminalidade, uma queda significativa nos homicídios, mas alcançada a um custo social e institucional muito alto."

Em paralelo, o governo de Bukele enfrentou diversas acusações de ter negociado com os grupos criminosos do país para reduzir a violência.

Em dezembro de 2021, autoridades salvadorenhas foram sancionadas pelos EUA a partir da Lei Magnitsky (a mesma que atingiu autoridades brasileiras, como Alexandre de Moraes).

Uma nota divulgada pelo Departamento do Tesouro dos EUA afirmou que "uma investigação sobre funcionários do governo de El Salvador e líderes de gangues encarcerados, como a Mara Salvatrucha 13, ou MS-13, designada pelo Tesouro, revelou negociações secretas entre estes funcionários e a organização criminosa".

O governo americano diz que essas autoridades "lideraram, facilitaram e organizaram uma série de reuniões secretas envolvendo líderes de gangue encarcerados, nas quais membros conhecidos de gangues foram autorizados a entrar nas instalações prisionais e se reunir com a liderança sênior das gangues."

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A nota diz ainda que "essas reuniões fizeram parte dos esforços do governo de El Salvador para negociar uma trégua secreta com a liderança das gangues."

Segundo o Tesouro americano, o governo Bukele "ofereceu incentivos financeiros às gangues salvadorenhas MS-13 e 18th Street Gang (Barrio 18) para garantir que os incidentes de violência de gangues e o número de homicídios confirmados permanecessem baixos".

O texto afirma ainda que a liderança das gangues concordou em oferecer apoio ao partido de Bukele nas eleições, e que as gangues receberam privilégios para os líderes encarcerados, como fornecimento de telefones celulares e prostitutas.

Fórmula pode ser reproduzida no Brasil?

Stelmach avalia que, embora seja possível imitar certas táticas, o modelo Bukele não pode ser facilmente reproduzido em outros países, como o Brasil.

"O primeiro fator é o tamanho reduzido de El Salvador — tanto em território quanto em população —, o que torna a centralização e o controle das operações de segurança muito mais fáceis", diz.

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Ele reforça que outros países enfrentariam limites como os da própria Constituição, do federalismo, sistemas de mídia mais pluralistas e maior pressão pública e supervisão social.

"A operação do Rio mostra que ações brutais de segurança podem render ganhos políticos de curto prazo, mas também provocam protestos e críticas internacionais. Em muitos contextos, as tentativas de 'copiar Bukele' podem rapidamente produzir resultados opostos aos pretendidos", avalia.

Stelmach também destaca que a capacidade das gangues de reagir às ações do governo salvadorenho era limitada. Segundo ele, a estrutura desses grupos "era significativamente menor do que a das principais organizações criminosas brasileiras ou mexicanas".

O pesquisador afirma que, "ao contrário dos cartéis, as gangues salvadorenhas não tinham o poder de fogo de nível militar, a profundidade territorial e a infraestrutura logística necessárias para um confronto sustentado com as forças do Estado".

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Ele acrescenta que, no Brasil, a dinâmica é distinta. Stelmach explica que "em megacidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, isso é muito mais difícil, "especialmente nas favelas, onde a presença do Estado é esporádica e geralmente limitada a operações de prisão de curto prazo".

Segundo o pesquisador, assim que essas operações terminam, "os grupos criminosos rapidamente se reconstituem, recrutando novos membros".

'Replicar o modelo no Brasil seria um desafio'

Roberth Muggah, cofundador do Instituto Igarapé, afirmou à BBC News Brasil que o modelo de Nayib Bukele já inspira líderes e aspirantes em países como Argentina, Equador, República Dominicana e Honduras. Segundo ele, comentaristas de direita nos Estados Unidos também passaram a citar El Salvador como evidência de que a repressão extrema pode funcionar.

Na avaliação dele, a resposta para saber se haverá uma segurança duradoura ou apenas a substituição de uma forma de violência por outra definirá se a estratégia de Bukele será adotada ou apenas lembrada como um alerta.

Muggah diz que replicar o modelo no Brasil seria um desafio. "O Brasil é uma federação continental de 215 milhões de habitantes, com 27 governos estaduais, dois sistemas policiais e barreiras constitucionais mais fortes", lembra.

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"Qualquer suspensão nacional de direitos esbarraria nas regras formais de emergência do Brasil, que exigem supervisão do Congresso, bem como do Supremo Tribunal Federal, que recentemente restringiu a letalidade policial e classificou a crise prisional como uma "situação inconstitucional"."

Ele avalia que os cenários criminais também são diferentes entre os dois países: enquanto a campanha de Bukele teve como alvo as maras, cujo modelo de negócio se baseia no controle territorial e extorsão de pessoas e pequenas empresas, PCC e Comando Vermelho atuam no atacado, com comércio transnacional de cocaína. "Interromper as exportações em contêineres de Santos ou as longas rotas fluviais para o Atlântico é uma tarefa muito diferente de sufocar as extorsões aos motoristas de ônibus em San Salvador."

Ele afirma também que mesmo que se tentasse uma varredura no estilo salvadorenho, com prisões em massa, isso poderia fortalecer as redes de comando criminosas baseadas nas prisões, "ao mesmo tempo em que desencadeariam litígios de direitos e disputas intergovernamentais." O especialista lembra que tentativas anteriores de militarização da segurança, como a intervenção federal do Rio, "produziram resultados visíveis a curto prazo, mas não reduções duradouras do crime organizado."

Ele conclui que o Brasil pode aprender lições sobre "coordenação e presença visível do Estado", mas não imitar o modelo Bukele.

"É muito provável que isso levasse à sobrecarga das prisões, provocando reações judiciais e deslocando a violência para cidades do interior, ao longo das fronteiras e hidrovias, em vez de desmantelar a economia das drogas."

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'Combate ao crime é quase a única coisa que os salvadorenhos valorizam na gestão de Bukele'

Lucrecia Molinari, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET), na Argentina, diz que pesquisas de opinião recentes mostram consenso de que o combate ao crime é 'quase a única coisa' que salvadorenhos aprovam na gestão de Bukele.

Há, ao mesmo tempo, preocupação com a dívida pública, a economia do país e outros temas.

"Entrevistados têm muita dificuldade em destacar qualquer outra medida. É muito provável que, à medida que a segurança se estabilize e se naturalize, as demandas em outras dimensões vão aumentar", disse ela à BBC News Brasil.

Ela cita pesquisas feitas entre 2021 e 2023 que apontam que a preocupação com insegurança e violência deixou de ser citada como os principais problemas do país, enquanto que a economia virou prioridade.

"Isso foi percebido pelo próprio Bukele, que no início de seu segundo mandato apontou novos objetivos, como a construção de megaprojetos que dessem a El Salvador a imagem de um país moderno e de um Estado forte e presente", disse.

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Ela cita a mais recente Pesquisa de Domicílios para Fins Múltiplos (EHPH), que mostrou que o número de domicílios em situação de pobreza extrema quase dobrou entre 2019 e 2022.

"Outro sinal de alarme na economia são a alta insegurança alimentar, devido ao aumento do preço dos alimentos e outros fatores, e o aumento da pobreza extrema."

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