A escalada da crise da Enel que deixa São Paulo no escuro

17 dez 2025 - 15h01

Quatro apagões em dois anos e acúmulo de reclamações impulsionam pressão para que empresa de energia perca concessão. Com milhões de paulistas afetados, prejuízos alcançam casa dos bilhões de reais.Após quatro grandes apagões em dois anos, a Enel enfrenta a iminente cassação da sua concessão para o fornecimento de energia elétrica em 24 municípios da região metropolitana de São Paulo. Os governos municipal, estadual e federal estão alinhados no pedido pelo processo de caducidade, que encerra precocemente o contrato da empresa multinacional, a vencer em 2028.

"É insustentável a situação da Enel em São Paulo. Ela não tem mais condição de prestar serviço, tem um problema reputacional muito sério", disse o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, na terça-feira (16/12), segundo a Agência Brasil. Ele afirmou ainda que a população "fica na mão de forma constante".

Publicidade

De acordo com a própria Enel, 53 mil clientes da região metropolitana continuavam sem luz na manhã de quarta-feira. É o equivalente a 0,62% dos atendidos pela empresa no estado, e 31 mil estavam concentrados na capital.

A crise com a distribuidora chegou ao ápice na semana passada, quando ficaram no escuro cerca de 3 milhões de consumidores na Grande São Paulo, de um universo de 8,5 milhões de clientes paulistas. A interrupção do fornecimento foi provocada por um ciclone extratropical que, associado a uma frente fria, derrubou 330 árvores, afetando a rede de cabos.

O poder estadual reclama da falta de "resposta adequada, comunicação eficiente ou plano de contingência" por parte da Enel, apontando "incapacidade técnica, operacional e gerencial". A empresa não respondeu a um pedido de comentário da DW até o fechamento da reportagem.

Multas e prejuízos em cadeia

Publicidade

O valor total de multas aplicadas contra a Enel ao longo de sete anos supera os R$ 400 milhões, e a empresa é a que mais recebe reclamações entre as concessionárias paulistas, argumenta ainda o governo de São Paulo.

O Procon paulistano, vinculado à cidade de São Paulo, aplicou na segunda-feira multa de R$ 14,2 milhões por conta do mais recente apagão. Entre 2019 e 2024, desde que a Enel assumiu o fornecimento aos paulistas, outras oito multas do Procon estadual à concessionária somaram R$77,7 milhões, com os valores de cada uma variando entre R$1,5 e 13 milhões.

Outros três apagões de grandes proporções aconteceram em menos de um ano, entre novembro de 2023 e outubro de 2024, a cada vez deixando até milhões de pessoas sem luz e perdurando por, no máximo, sete dias. O primeiro deles foi sucedido, em vinte dias, pela saída do então presidente da Enel no Brasil, após cinco anos no cargo.

Só para os dois dias de maior escassez de energia da semana passada, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) calculou perdas de ao menos R$ 1,54 bilhão em faturamento. O apagão de outubro do ano passado provocou prejuízo estimado em R$ 2 bilhões.

Publicidade

"São poucos os empresários que conseguem recorrer a geradores ou realocar os produtos em tempo de não perder os alimentos," afirmou Edson Pinto, diretor-executivo da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp). "Pergunto: quem é que paga a conta?"

Caos para moradores

Moradores das zonas Norte, Sul e Oeste de São Paulo relataram à DW que, na semana passada, se viram obrigados a se deslocar repetidamente ao longo de até quatro dias — desde casas de parentes até padarias ou universidades, em busca de água quente, acesso à internet para trabalhar ou refrigeração para suprimentos.

Fabiana Lepratti, de 46 anos, se viu diante do risco de levar um prejuízo caro: R$80 mil e a interrupção de um tratamento de saúde. Ela faz uso de um medicamento de alto custo, que precisa ser mantido na geladeira.

"Eu tinha quatro doses, e cada uma custa R$20 mil. Fiquei desesperada," relata a moradora do bairro de Água Fria, que ficou sem luz de quarta a sábado. Ela conseguiu levar, numa caixa térmica com gelo, o remédio para a casa de um parente poupado da queda de luz.

Publicidade

Para outros paulistanos, as interrupções de eletricidade já deixaram de ser novidade. "Quando começa a chover, já sei que falta luz," relata Camila Paim, residente no Butantã.

Ao longo de 24 horas, ela viveu o que descreve como uma verdadeira aventura: ficou presa num elevador e se deslocou a três lugares para escapar de sucessivas quedas de energia. "A cidade estava caótica, com os postes desligados, árvores caindo e trânsito. Você não se sentia exatamente seguro de estar na rua."

Já em Paraisópolis, moradores relataram que a falta de luz chegou a durar até seis dias em alguns pontos, gerando sensação de insegurança na comunidade.

Problemas em outros estados

A Enel também opera no Ceará e no Rio de Janeiro, fornecendo energia a mais 7 milhões de clientes.

Publicidade

Nesta quarta-feira, 2% de 3 milhões de clientes fluminenses (64 mil) têm o serviço interrompido. Segundo a empresa, fortes chuvas em porções das regiões Sul e Serrana do estado do Rio de Janeiro, bem como dos municípios de Magé e Campos dos Goytacazes, afetam o fornecimento de energia.

Em seu site, a Enel afirma que "condições climáticas extremas colocam à prova a infraestrutura elétrica e exigem investimentos constantes em tecnologia e prevenção".

Os maiores desafios citados em caso de tempestades incluem a queda de árvores, ventos em velocidades acima da média, a incidência de raios e acúmulo de sujeira, umidade e alagamentos.

A concessionária também é alvo de reclamações no Ceará e já perdeu a concessão em Goiás. O fim do contrato em São Paulo depende agora da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que deverá iniciar o processo a pedido do poder Executivo.

Publicidade
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
TAGS
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se