A novela Vale Tudo foi um sucesso considerável dentro dos novos números de audiência das novelas globais. Quando começou a ventilar que iria ter um remake da trama as atenções já se voltaram para a promessa. Junto com todas essas especulações, saber que teríamos uma ótima atriz como Taís Araújo em um dos principais papéis, aqueceu também a curiosidade da maioria. A novela foi se desenvolvendo e, ao que parece, a autora optou por podar o protagonismo de Raquel, personagem de Taís e vivido na primeira versão por Regina Duarte. No terço final da novela a personagem que, até então, seria a protagonista foi se tornando totalmente dispensável para a trama. A Raquel da primeira versão é quem desmascara Odete Roitman perante sua própria família e também assume a culpa de um assassinato para salvar sua filha Fátima da cadeia, momentos cruciais da protagonista que não aconteceram na nova versão.
Acredito que à Taís Araújo tenha sido proposto uma personagem totalmente diferente do rumo que a Raquel tomou. Uma mulher negra que ascenderia financeiramente, que lutaria contra o racismo, machismo e preconceito de classe, uma personagem que romperia com estigmas sociais atribuídos a mulheres negras. O que me faz imaginar que, talvez, a derrocada da personagem da Raquel tenha um simbolismo muito maior que atravessa não só a Taís, mas tudo que ela representa.
Pessoas negras dentro da indústria do entretenimento sempre estiveram à margem de qualquer protagonismo, infelizmente, por vezes, reféns de papéis onde a violência era a único atrativo da personagem. Desde novelas escravagistas onde negros serviam para ser escada de personagem branco ou açoitado por querer sua liberdade, enquanto mulheres negras estavam nos papeis de “Tia Nastacia”, ou da mucama hiperssexualizada. E por mais que as novelas não fosse de época os estereótipos não mudaram muito, eram negros sendo o amigo do protagonista, negras sendo sexualizadas e sofrendo em familias disfuncionais.
Romper com os estereótipos dentro dos meios de massa, por vezes, depende muito de uma pessoa branca, já que são elas que, na grande maioria das vezes, estão nos cargos que podem fazer as coisas acontecerem. Não que o Movimento Negros e todas as pessoas pretas não pressionem para que isso ganhe visibilidade e se torne algo a ser questionado, mas, infelizmente, quem tem a caneta ainda não somos nós. Dito isso, a impressão que dá é que, para algumas pessoas brancas, isso é um favor, logo no menor sinal de não subserviência os acordos são rapidamente rompidos. Não sei se é o caso, mas sabe quando a pessoa acredita que está te fazendo um favor, que você deveria está lambendo o chão por onde ela passa e no menor sinal de contestação essa pessoa acha ruim e tenta te sabotar?
Estamos falando de duas mulheres, que têm o mesmo lado político, de raças diferentes. Eu costumo usar uma frase, que nem todo mundo gosta, que é “quando temos duas mulheres de raças diferentes não existe rivalidade feminina, existe racismo”, e mais uma vez, não sei se é o caso, mas no dia a dia vemos coisas muito parecidas com essa. Pessoas brancas, de esquerda, caindo nos seus próprios egos, com receio de perder controle e protagonismo. A necessidade de ser visto como salvador branco e colher os agradecimentos deste local sobrepõe tudo, inclusive o espectro político.
A sensação que fica é que o discurso racial dentro dos meios de comunicação são mais frágeis do que na própria sociedade. Não existirá local seguro para pessoas negras enquanto não houver um núcleo destinado para produções, onde pessoas brancas seriam apenas coadjuvantes. O sonho ideal seria uma emissora focada nessas produções, mas esse é um caminho que o capital somado ao racismo não permitirá de maneira tranquila. Ao meu ver, não há dúvidas de que enquanto pessoas negras tiverem que trabalhar com brancos altivos, veremos situações como essas ocorrem corriqueiramente.