Sociedade racista molda corporações policiais também racistas

Agentes de segurança pública, absorvidos pelo racismo estrutural, seguem correspondendo aos anseios da elite

16 nov 2023 - 14h03
Adolescente negro é perseguido por investigador da Polícia Civil identificado como Paulo Hyun Bae Kim
Adolescente negro é perseguido por investigador da Polícia Civil identificado como Paulo Hyun Bae Kim
Foto: reprodução/Twitter/Aquiles_Argolo

Um adolescente negro foi perseguido por um investigador da Polícia Civil identificado como Paulo Hyun Bae Kim. No vídeo, vemos Kim tentando render o menor, apontando a arma para ele de forma deliberada. A população ainda tentou pedir ajuda a uma policial militar fardada que não só recusou a ajudar, como chuta o jovem perseguido e manda ele se afastar. O rapaz que filmava os absurdos cometidos pelos agentes de segurança pública de São Paulo, ao cobrar posicionamento da Polícia Militar Feminina, é ameaçado de prisão.

Eu não sou historiador, mas queria convidar vocês para refletir sobre algumas coisas do passado do nosso país. Diferente do que muitos acham, a PM não foi criada durante a ditadura militar. Nessa época, ela foi reestruturada e passou a ter uma identidade ideológica, “melhorias” de treinamento, acesso a tecnologia, entre outras coisas. A história das polícias militares do nosso país começa em 1809, com a chegada de João VI, que adotou o modelo da guarda real portuguesa. Ela foi fundada simplesmente para defender a nobreza (burguesia) do povo, já que, diferente de Portugal, o Brasil não estava em guerra com nenhum país.

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Não preciso nem falar que a grande maioria da população nessa época era formada por pretos e pardos, também não preciso falar que os levantes da população escravizada aumentavam frequentemente, que os quilombos estavam cada vez mais fortes, que já existia uma movimentação da sociedade querendo uma república e que o parlamento inglês já havia proibido o tráfico de escravizados. Logo, suponho que a criação de uma polícia militarizada tinha como intuito combater a população brasileira e defender os interesses do rei.

Acredito que, durante esse período, os escravizados eram perseguidos, agredidos e, muitas vezes, caçados pela polícia. Muitas leis, inclusive, foram criadas para otimizar a repressão a pessoas negras, como a lei dos vadios e a lei da capoeira. A primeira proibia que pessoas ficassem sem fazer nada nos grandes centros e a segunda que criminalizava a prática da capoeira. Sendo mais direto, me parece que, para além de defender os interesses da burguesia, a PM foi usada para reprimir, de forma ainda mais violenta, tudo que vinha da cultura negra.

Se a gente saltar para os dias de hoje, vemos que a lógica é exatamente a mesma. A desumanização de corpos negros segue sendo uma realidade. No caso acima, estamos falando de um menor que não foi capaz de gerar o mínimo de empatia pelos seus agressores que, em tese, deveriam estar ali para servi-lo e protegê-lo. Porém, aquele corpo, diferente dos brancos que traficam para os ricos ou que roubam loja chique no shopping, não é tratado como indivíduo pertencente à sociedade e digno de atenção. Para ele é destinada toda truculência e agressividade que está no DNA da sociedade quando falamos em pessoas negras, sobretudo pobres. E se está no DNA na sociedade, está também no DNA dos agentes de segurança.

Diferenças entre preconceito, racismo e discriminação Diferenças entre preconceito, racismo e discriminação

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É urgente a reflexão de que a Polícia Militar, Polícia Civil, polícia do Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e até os guardas municipais são indivíduos formados dentro de uma sociedade extremamente racista que aprendeu a ver o corpo negro como indigno de compaixão. Não tem como mudar as polícias se não mudarmos a sociedade.

Com isso, não estou isentando culpa de nada, muito pelo contrário, acho que toda violência policial deveria ter punições mais severas e essa lógica de militar julgar militar só abranda as penas e legitima as violências contra a população. O que ando refletindo é que, se pararmos para pensar, o elo fraco dessas instituições também é formado por pessoas pobres que viram na polícia um meio de sobreviver. E adivinha? No final é preto e pobre perseguindo preto e pobre, que acabam se matando para que a mesma burguesia de outrora não seja incomodada.

Não adianta a gente discutir esses agentes de segurança pública falando apenas dos praças. As elites dessas organizações também devem ser cobradas, assim como os secretários de segurança e toda estrutura da sociedade capitalista que, ao longo dos anos, vem assassinando pessoas para defender o capital burguês promotor da desigualdade e violência.

O que é racismo estrutural
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Fonte: Redação Nós
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