Parlamentar racista deve ser impedido de atuar na política

Não dá mais para (con)viver em uma sociedade que está colapsando por conta das inúmeras desigualdades, cuja nascente é o racismo

1 mar 2023 - 17h12
Vereador Sandro Fantinel (Patriota) atacou trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves, que eram explorados por vinícolas e viviam em condição análoga à escravidão
Vereador Sandro Fantinel (Patriota) atacou trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves, que eram explorados por vinícolas e viviam em condição análoga à escravidão
Foto: Reprodução

O que faz algumas das maiores vinícolas do país (Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton) serem flagradas diretamente envolvidas em um esquema de promoção do trabalho análogo a escravidão? A certeza da impunidade e o saudosismo velado do período colonial, que construiu riquezas a partir da exploração de mão-de-obra escrava de africanos arrastados do seu continente para a América, um crime que ficou sem respostas, sem reparação e sem punição aos criminosos, mas que sustenta seus descendentes ainda hoje.

Os descendentes de escravocratas estão por toda a parte e em todos os assuntos que estruturam a sociedade tal qual conhecemos: na política, na educação, na economia, na saúde, na habitação e no planejamento urbano, na cultura, nas relações coletivas em geral. Até na afetividade a herança escravocrata persiste livremente se manifestando de várias formas.

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Então, toda essa gente, que vive e se mantém desse crime, tem a seu favor a certeza da impunidade. 

E eles se protegem mutuamente, abertamente. Podemos inclusive repetir a pergunta inicial trocando os personagens, mas mantendo os motivos: o que faz um parlamentar acreditar que deve defender trabalho escravo com argumentos escancaradamente racistas e xenofóbicos? A certeza da impunidade e o saudosismo velado do período colonial, que construiu riquezas a partir da exploração de mão-de-obra escrava de africanos, etc,etc,etc.

Em manifestação feita na sessão plenária da Câmara Municipal de Caxias do Sul (RS), o vereador Sandro Fantinel (Patriota) atacou de maneira rasteira os trabalhadores resgatados há cinco dias em Bento Gonçalves, que eram explorados pelas vinícolsa e viviam em condição análoga à escravidão, inclusive, segundo relatos, expostos a violências, maus tratos de todo tipo e até abuso sexual, escancarando sua postura supremacista antinegros e antipobres, usando de velhas falácias eugenistas para justificar o crime das vinícolas. 

A tribuna de um plenário é pública. Em um país de maioria negra declarada, a tranquilidade de um parlamentar em manifestar o seu racismo em um local como esse seria surreal, não fosse a rotina racial antinegra que se manifesta abertamente no país das mais variadas formas e intenções. E não adianta atribuir esse caso a um partido específico, não. Quando o assunto são as opressões que construíram esse país, esquerda e direita dão as mãos, ainda que seja na esquerda que as pautas antirracistas tenham maior aderência e potencial de viabilização, servindo inclusive de plataforma política para muitos que não se tocam que uma das mais eficientes práticas antirracistas seja a garantia do protagonismo negro na política que o excluiu abertamente. Não é por acaso que a direita brasileira, que sempre foi antinegros, já mimetize as pautas da esquerda e alavaquem lideranças políticas negras subopressoras, com a intenção de adentrar nas brechas que a esquerda deixa em aberto.

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Embora seja uma questão genuinamente política, o racismo não está confinado em vertente partidária ou em ideologia de esquerda e de direita. Está entranhada no senso comum da sociedade, naturalizada nas práticas e manifestada em toda e qualquer ação, em todo e qualquer lugar, consolidada em uma mentalidade supremacista que se manifesta abertamente. 

Mas porque persiste, se todo mundo sabe que é errado, que mata e que é estrutural?

Bem, nem todas as pessoas, incluindo pessoas negras, entendem que o racismo é estrutural, muito menos que também é sistêmico, ou seja, é um conjunto integrado de componentes regularmente inter-relacionados e interdependentes criados para realizar um objetivo definido, no caso oprimir e explorar não brancos, com relações definidas e mantidas entre seus componentes.

E além disso, a desinformação está no rol de projetos ocultos usados para manter a ignorância das pessoas e inibir o aprofundamento no entendimento desse sistema e da estrutura que o mantém de pé.

Mas o vício brasileiro na indignação, que criou mais um elemento para o sistema racista, a espetacularização, impede que as punições sejam pensadas para serem eficientes e atuarem nas raízes (estrutura) do problema e, assim, desarticular suas práticas. Ou seja, a impunidade é grande aliada do racismo estrutural e sistêmico que caracteriza essa sociedade e se alimenta da nossa indignação que, em certos momentos é até perniciosa ou usada para camuflar a função de cada um na resolução do maior problema que temos e que define todos os outros. 

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O parlamentar, figura eleita democraticamente pelo povo, é racista porque a sociedade também é e vai escolher líderes que representem suas convicções e concordância. Por sua vez, as vínículas promovem trabalho análogo a escravidão porque sabe que terá respaldo do(s) parlamentares e, obviamente, da sociedade que o elegeu. 

E esse círculo só cresce em manifestações e práticas que se sustentam entre si e que envolvem até a conivência de muitos negros que ou não têm consciência de sua condição de desempoderamento social ou que, mesmo conscientes e até ativos na luta contra o racismo, são cooptados pelo sistema, entregando omissão ou discurso militante palatável, em troca de benefícios diversos, que vão do status ao afeto, passando pela vaidade e até, em alguns casos, o mau-caratismo e auto-ódio (muito comum nos negros da Direita conservadora). 

Nesse sentido, é fundamental que todo e qualquer parlamentar racista, abertamente ou não, seja expurgado definitivamente da política, pois obviamente todas as suas decisões e atuações serão baseadas em uma mentalidade supremacista, como a do Vereador Fantinel, mas, contudo, é necessário buscar modos pedagógicos, assertivos, profundos e incisivos de também cobrar e punir a grande parcela da sociedade que apoia, compactua e também empreende práticas racistas. 

Não dá mais para (con)viver em uma sociedade que está colapsando por conta das inúmeras desigualdades, cuja nascente é o racismo que está nas raízes de sua formação. Assim como não é possível que as pessoas acreditem que podem resolver a fratura exposta do racismo com curativo adesivo (desses que se compra em farmácia) da indignação que só os casos midiáticos e/ou com negros famosos causam. 

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Por mais que se aprimore, uma lei apenas não é suficiente. É preciso várias e específicas leis e práticas antirracistas, de maior e menor intensidade, que passem pela educação e a correção, sim, mas também por outros caminhos mais profundos. 

Fonte: Redação Nós
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