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Cerca de 2% da população mundial é intersexo, mas entidade indica subnotificação

Associação Brasileira Intersexo estima mais de 200 mil pessoas no Brasil, mas desconhecimento e preconceito geram falta de dados concretos

25 out 2023 - 05h00
Conforme cálculos da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 1,7% da população mundial nasceu com características intersexo
Conforme cálculos da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 1,7% da população mundial nasceu com características intersexo
Foto: iStock

Pessoas intersexo são aquelas cujas características não se encaixam nas definições típicas de feminino ou masculino. Essas características podem ser fenótipas, biológicas, anatômicas ou cromossômicas - ou seja, podem ser tanto externas quanto internas. São várias as características que constituem uma pessoa intersexo e, até o momento, 54 variações de intersexualidade já foram identificadas e novas vêm sendo estudadas. Trata-se de um assunto complexo e repleto de particularidades que, aliadas a mitos e tabus, tornam difícil o mapeamento do contigente de pessoas intersexo no mundo. 

Segundo cálculos da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 1,7% da população mundial nasceu com características intersexo. A título de comparação, é uma quantidade semelhante de pessoas ruivas no planeta. O Brasil, conforme informações da Associação Brasileira Intersexo (ABRAI), conta com mais de 200 mil pessoas intersexo.

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"Não há um levantamento oficial, esse número tem como base uma estimativa que fizemos em 2019 e que, na época, somava 167 mil pessoas. É sempre importante pontuar que esses dados são subnotificados", avisa Thaís Emilia de Campos dos Santos, pedagoga com habilitação em Educação Especial e presidente da ABRAI.

De acordo com dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, 104.557 nascidos vivos foram registrados com o “sexo ignorado”, entre 2014 e 2021, número que representa 1,6% do total de bebês registrados no período.

Thaís Emilia, da ABRAI: subnotificação e intersexofobia afetam desenvolvimento de políticas públicas específicas
Foto: Reprodução/Instagram/@thaisemiliasantos

Dia da Visibilidade Intersexo

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Em 2016, Thaís deu à luz Jacob, bebê que virou símbolo da luta das pessoas intersexo no Brasil. Jacob tinha microcefalia, uma cardiopatia grave e viveu apenas um ano meio, tempo suficiente para mudar drasticamente a vida da mãe e transformá-la em ativista e estudiosa do tema. 

A partir deste ano, o dia 26 de setembro foi instituído como o Dia da Luta Contra a Mutilação Infantil no estado de São Paulo em homenagem à data de nascimento de Jacob. O PL 426/2022 é de autoria da Bancada Feminista (Psol), da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), da qual faz parte a codeputada e coautora do projeto, Carolina Iara, uma mulher intersexo.

"A data tem como objetivo promover a sensibilização e treinamento nos serviços de saúde e assistência social sobre a luta de pessoas intersexo, assim como promover campanhas com a população. A ideia, agora, é transformá-la numa data federal e posteriomente mundial", conta Thaís. 

O PL também teve colaboração da Rede Brasileira de Pessoas Intersexo. A data é um reforço ao Dia da Visibilidade Intersexo, celebrada amanhã (26 de outubro), e visa ainda chamar a atenção justamente para assuntos como a subnotificação e a intersexofobia, o preconceito contra pessoas intersexo.

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"Na minha família, por exemplo, há quatro pessoas intersexo. Nenhuma foi notificada em sistema nenhum. Se eu levar em conta as mais de duas mil famílias que já passaram em triagem ou acolhimento na Abrai, umas sete pessoas, somente, foram notificadas como intersexo. Há uma subnotificação muito grande, inclusive mundial. Eu, pessoalmente, não acredito nesse 2%, eu acredito que esteja em torno 11% o número de pessoas intersexo no mundo em relação à população geral", diz Thaís.

Segundo ela, a lógica binária ainda vigente na sociedade que só considera dois tipos de corpos biológicos, o feminino e o masculino, como verídicos ampara a intersexofobia e a subnotificação. Isso porque há bebês, por exemplo, que passam por cirurgia logo após o nascimento. "Mesmo os que não passaram por cirurgia não são notificados como intersexo", fala Thaís.

A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) apresentou à Câmara dos Deputados o PL 2643/23 que pode facilitar a produção de dados ao apontar na certidão de nascimento, independente do gênero de registro, se a criança é intersexo. O projeto de lei ainda está em tramitação. "A gente precisa desses dados para criar políticas públicas, mesmo sabendo que muitos estados intersexos se descobrem na puberdade ou na vida adulta", comenta a presidente da ABRAI, que completa: "Estamos lutando por políticas públicas de proteção e cuidados de saúde integral para a pessoa intersexo e de direitos à cidadania de bebês nascidos intersexo. Essas são nossas principais lutas, estamos articulando por isso e tendo alguns avanços já".

Não à patologização

Para Dionne Freitas, também fundadora da ABRAI e terapeuta ocupacional formada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), a falta de um mapeamento mais efetivo resvala na incapacidade da classe médica, como um todo, de lidar com pessoas intersexo, sobretudo crianças e adolescentes. "Em alguns casos, há uma pressão para que a pessoa se identifique com determinado gênero ou faça uma cirurgia. Nossos corpos são torturados e alvo de fetichização", desabafa. 

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Dionne nasceu com uma variação da Síndrome de Klinefelter, condição genética em que a pessoa do sexo masculino carrega o cromossomo X a mais. No caso dela, apenas em algumas das células. Ela também tem hipogonadismo, que consiste no mau funcionamento das glândulas que afeta a produção de hormônios. Mesmo assim, foi criada pela família para ser do gênero masculino.

“Precisava ser uma pessoa que não era internamente e quando procurei acompanhamento atrás de reposição hormonal, o médico sugeriu que tomasse testosterona. Só que minha identidade de gênero nunca foi masculina. Isso é o que mais acontece quando se tem o órgão genital tido como masculino, como era o meu caso. Ninguém pergunta com qual gênero você se identifica, só querem genitalizar pessoas", lamenta Dionne.

Dionne Freitas, ativista: "Ninguém pergunta com qual gênero você se identifica, só querem genitalizar pessoas"
Foto: Divulgação

Para combater a patologização da intersexualidade e a pressa dos médicos em "corrigi-la", Dionne está se preparando para prestar o vestibular de Medicina e fazer um doutorado em Genética ou Patologia. "Sou a favor da cirurgia desde que a pessoa queira fazer. Pessoas intersexo têm que ter poder de decisão, independentemente do que a sociedade, a religião ou a família dizem", ressalta.

Em julho deste ano, durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), que aconteceu em Brasília (DF), foi aprovado um texto que solicita o fim das cirurgias em bebês intersexo. O documento serve de “aconselhamento” para o Ministério e outros órgãos da Saúde, que podem transformar essas propostas em políticas públicas.

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É importante mencionar que a ABRAI recomenda que sejam realizados apenas procedimentos cirúrgicos fundamentais para a saúde da criança, da maneira menos invasiva possível, com o objetivo de garantir que a pessoa intersexo possa escolher sobre o próprio corpo quando tiver o discernimento para fazê-lo.

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Fonte: Redação Nós
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