A Ford quebrou a cara com a picape F-150 Lightning, mas não desistiu dos carros elétricos. Pelo contrário, parece ter aprendido com o erro. Por isso, a parceria anunciada esta semana entre Renault e Ford vai além de um acordo industrial ou de mais dois lançamentos no horizonte.
Ela aponta para um tema central da indústria automotiva nos próximos anos: como tornar o carro elétrico viável, competitivo e acessível em larga escala, especialmente na Europa, onde a pressão regulatória avança mais rápido do que a disposição do consumidor em pagar caro pela transição. Então a Ford foi buscar em França uma solução para seus problemas.
O acordo prevê o desenvolvimento de dois novos veículos elétricos da marca Ford sobre a plataforma Ampere, do Renault Group, com produção no norte da França. Não é um detalhe. A Ampere foi concebida justamente para reduzir custos, acelerar desenvolvimento e ganhar escala – três fatores essenciais para baixar o preço final dos elétricos sem abrir mão de eficiência e tecnologia.
A Ford entra com design, identidade de marca e sua tradicional ênfase em comportamento dinâmico. A Renault aporta a base técnica, a experiência em eletrificação e um dos polos industriais mais avançados da Europa, o ElectriCity. O resultado esperado são carros elétricos com DNA Ford, mas viáveis economicamente em um mercado que já mostrou resistência a modelos caros e excessivamente complexos.
Esse movimento ajuda a explicar por que os primeiros frutos da parceria só chegam em 2028. Não se trata de uma solução de curto prazo, mas de uma aposta estruturante. Desenvolver elétricos acessíveis exige repensar plataformas, cadeia de fornecedores, processos industriais e, sobretudo, volumes. É exatamente nesse ponto que alianças ganham relevância.
Ao falar em “veículos lúdicos e performantes”, o CEO da Ford, Jim Farley, reforça uma mensagem importante: o carro elétrico não pode ser apenas racional ou ambientalmente correto. Ele precisa ser desejável. E isso passa por dirigibilidade, identidade visual e experiência de uso – atributos historicamente associados à Ford.
Do lado da Renault, a parceria funciona como validação de sua estratégia de eletrificação. Ao abrir sua plataforma para uma marca icônica como a Ford, o grupo francês transforma competência técnica em vantagem competitiva, monetizando escala e know-how em um momento em que nem todas as montadoras conseguiram justificar seus investimentos em elétricos.
A cooperação anunciada para veículos comerciais leves segue a mesma lógica. Em um segmento onde custo total de propriedade, eficiência e robustez são decisivos, compartilhar desenvolvimento e produção pode acelerar a eletrificação sem repassar integralmente o custo ao cliente final.
No fim das contas, o anúncio diz menos sobre dois modelos específicos e mais sobre um reposicionamento da indústria. O futuro do carro elétrico, especialmente na Europa, passa menos por vitrines tecnológicas e mais por soluções acessíveis, produzidas em escala e pensadas para o uso real. A aliança entre Ford e Renault nasce exatamente nesse território.