Há mais de duas décadas, em novembro de 2003, o PlayStation 2 recebia um dos jogos de terror mais únicos — e também mais subestimados — já criados: Siren, conhecido fora do Japão como Forbidden Siren.
Desenvolvido pela Sony e dirigido por Keiichiro Toyama, o mesmo criador do primeiro Silent Hill, o jogo marcou uma tentativa ousada de redefinir o medo no início dos anos 2000. Hoje, mesmo esquecido por muitos, Siren ainda é lembrado por causar pesadelos duradouros em quem ousou explorá-lo.
Uma vila amaldiçoada e o som do desespero
A história de Siren se passa em Hanuda, uma vila japonesa isolada que, após um misterioso terremoto e o som de uma sirene, é engolida por um nevoeiro vermelho e desconectada do mundo exterior.
O que antes era uma comunidade pacata se transforma em um pesadelo vivo: os moradores, possuídos por forças sobrenaturais, tornam-se Shibitos, criaturas mortas-vivas que mantêm fragmentos de sua humanidade — rezam, conversam e até tentam continuar suas rotinas, em um estado de tormento eterno.
O jogador assume o controle de dez personagens diferentes, cada um com sua própria história e ponto de vista sobre o caos em Hanuda. O enredo, propositalmente fragmentado e não linear, exige que o jogador monte o quebra-cabeça narrativo, reforçando a sensação de estar perdido dentro de um pesadelo.
O medo de ver pelos olhos do inimigo
O grande diferencial de Siren está em sua mecânica de "sightjacking", que permite ao jogador enxergar através dos olhos dos inimigos. Essa habilidade é essencial, já que os personagens são pessoas comuns — sem armas, força ou chance de confronto direto.
Assim, o terror nasce não apenas da perseguição, mas da observação: você precisa “entrar na mente” dos Shibitos, ver o mundo pela perspectiva deles e planejar cada movimento com extremo cuidado.
Poucos jogos conseguem transformar o simples ato de olhar em uma experiência tão desconfortável. O som distante de passos, o murmúrio de uma prece distorcida, ou o olhar vazio de um inimigo se voltando para você - tudo em Siren é feito para mexer com o psicológico do jogador.
Horror folclórico e estética perturbadora
Diferente do horror ocidental de Resident Evil, Siren mergulha em temas profundamente japoneses: rituais antigos, maldições ancestrais e o medo do desconhecido espiritual.
Sua direção artística aposta em um visual realista e distorcido, fruto de uma técnica primitiva de fotogrametria, onde rostos reais foram digitalizados e aplicados sobre modelos 3D. O resultado é inquietante — os personagens parecem humanos, mas com expressões congeladas e olhares vazios que beiram o sobrenatural.
Essa estética, somada ao ritmo lento e à atmosfera densa, faz de Siren uma experiência que mais parece um pesadelo filmado em VHS do que um jogo convencional.
Um clássico esquecido
Apesar de sua genialidade, Siren nunca alcançou o sucesso comercial de seus contemporâneos. Muitos jogadores o consideraram difícil, confuso e punitivo demais. Ainda assim, o título conquistou um culto fiel de fãs, que o veneram como um dos mais assustadores jogos do PS2.
A sequência, Forbidden Siren 2 (2006), expandiu o universo com mais acessibilidade, e o remake Siren: Blood Curse (2008, PS3) tentou modernizar a experiência para um público ocidental — mas nenhum conseguiu replicar o mesmo impacto do original.
Duas décadas depois, Siren permanece como uma cápsula do tempo de uma era em que o terror ainda ousava ser experimental. É um jogo que não entrega sustos fáceis, mas medo genuíno, construído por atmosfera, tensão e silêncio.
Em um mundo de remakes e nostalgia, Siren merece ser redescoberto — não apenas como uma relíquia do PS2, mas como uma obra-prima esquecida do horror japonês. Se você nunca ouviu o som da sirene ecoando em Hanuda, cuidado: ela pode te chamar de volta a um pesadelo que o tempo nunca apagou.